Crônica do sebo

Iniciação reduzidaO sebo está no fim. O bom e velho sebo.

Não importa se vai demorar pra acabar, se não verei seu fim nesta presente “encadernação” ou na próxima. Penso que verei, no intervalo do próximo capítulo ou no seguinte. E isso me traz uma imensa tristeza, daquelas que não há como transferir nem mostrar.

O sebo é a sujeira da cultura, o que sobra do desprezo e o que já foi abusado. Mas, ainda assim, conhecimento em acúmulo, sobreposto, empilhado, jogado, humilhado e exaltado. É o estado da arte do passado que cheira mal e ainda assim atraente como a beleza feminina.

É a sorte de quem não tem, a salvação de quem já teve e o alívio de quem procura pela pérola impercebida, que de tanto passar de mão em mão se tornou a bola de gude que ninguém dá mais valor, aquela que procurava a burca para alegrar a criançada. “Bola ou burca”, gritava o parceiro; ganhou a primeira.

O sebo é o ponto de encontro da saudade e a esperança última de quem procura a obra rara. Foi passeando por um dos mais famosos da capital paulista que encontrei Oscar Wilde e Flamarion reencarnados na extrema pobreza de um canto onde baratas e traças caminhavam rebolando.

Olhei-os e me olharam. Vi no seu rosto encoberto por uma grossa camada de gordura o olhar piedoso de quem se desculpa com a divindade e pede clemência ao leitor desbaratinado que eu era. Fingi enamorar-me daqueles rostos maltratados, rotos, com cara de livro emprestado que jamais retornou ao seu legítimo dono.

Chamei o moço do balcão e pedi os livros, sem sequer perguntar o preço, que seria tremenda indignidade. Afinal, era tal o descaso com os volumes que ninguém, de bom senso, poderia imaginar que aquilo ali custasse alguma coisa muito preciosa.

Ele colocou os livros numa sacola plástica de segunda mão e me cobrou algo tão irrisório que tive pena de Flamarion e Wilde, mas aquilo me deixou tão indignado que resolvi valorizá-los como ninguém. Afinal, quem eram essas pessoas que os desprezavam depois de tanta luta para se fazerem importantes.

De Flamarion, uma edição portuguesa do século XX, em que o nosso conhecido astrônomo fala pra iniciantes, numa época em que a astronomia era quase desconhecida e ele, o autor, tinha lá seus interesses com os livros de Kardec.

Com Wilde foi diferente. Este me tocou. Sabe aqueles casamentos de conveniência que acabam dando certo? Foi o meu com Wilde. Encantei-me. Acho que por conta, em parte, de um trauma da juventude. Li-o, numa edição horrível do Clube do Livro dos anos sessenta, em papel jornal, sem nenhuma identidade com aquele autor pleno de ironias e imagens notórias, que retratava a sociedade inglesa com todo o despudor possível.

O mais incrível foi descobrir que Wilde, antes de escrever, tomara contato com as notícias do “new spiritualisme” e, em cima disso, escreveu duas novelas interessantíssimas. A primeira delas, o adorável fantasma de Canterville, aquele da mansão alugada pelo diplomata americano cético, que se viu, com sua família, enlaçado em tramas engraçadíssimas. Esse fantasma!

Vinguei-me do antigo tradutor brasileiro. Traduzi a novela e pus Wilde novamente em cena e vi quanto ele sorriu ao perceber que percebi que ele percebera o espiritualismo em voga. Não satisfeito, traduzi também a novela do Lorde Arthur Saville, onde um extraordinário quiromante está no centro de uma trama notável. Vale a pena ler, ah se vale.

Mas, retornando ao assunto do fim do sebo, quero dizer que os sebos, como tudo o mais, se tornaram virtuais. Hoje, você compra livros sujos, rotos, rasgados, sem sair de casa. Não precisa sujar as mãos, se abaixar, misturar-se às baratas e traças, nem regatear o preço. Basta acionar a tecla enter.

Sabe aquela aura do livro raro, aquele prazer de ficar ali, conversando sobre o valor espiritual do livro? Foi-se, não existe mais. Já não há mais o balconista com ar de sapiente, a contar histórias inventadas sobre a origem da edição rara e a falar daqueles escritores conhecidos que frequentam o sebo todo dia, garantindo que as obras valiam o que pediam.

Tá bom, vá lá. Sou saudosista! Mas e você, tem histórias tão gostosas pra contar?

Herculano Pires e a visão integrada da vida

Herculano“Tudo no mundo nos ensina duas lições fundamentais: a da evolução e a da imortalidade.”

 

No dia 25 de setembro teve início o período do Centenário de Nascimento de J. Herculano Pires, talvez, o mais destacado pensador do Espiritismo brasileiro, pensador este que registrou, de modo indiscutível, suas ideias em obras que marcaram sua época e continuam alimentando o desejo do conhecimento de muitos estudiosos, no Brasil e no mundo.

Chico Xavier descortina a importância de Herculano Pires para o Espiritismo com a imortal frase que o distingue como “o metro que melhor mediu Kardec”.

Humberto Mariotti, pensador argentino, visualiza a dimensão do pensamento de Herculano ao apontar para a existência de uma “filosofia piresniana” totalmente integrada à filosofia do francês Allan Kardec.

Mario Graciotti, figura destacada do mundo literário brasileiro e fundador do famoso Clube do Livro de tantas publicações gloriosas, vendo-se diante de uma figura magnífica, pergunta: “De que distância, de que regiões, de que épocas virá esse espírito, que se instalou na engrenagem somática de um dos mais curiosos fenômenos intelectuais do Brasil nascente, o poeta, o jornalista, o escritor, filósofo Herculano Pires?”

Jornalista, filósofo, romancista, poeta e professor, foi nomeado pelo médium e escritor Jorge Rizzini, seu amigo por quase trinta anos, como o “apóstolo de Kardec”, na biografia extraordinária que escreveu sobre J. Herculano Pires.

A imensa e farta estante de Herculano Pires inclui mais de oitenta livros dos mais variados temas. Romances premiados e reconhecidos pelo mundo literário, estudos sociológicos, trabalhos científicos, brochuras sobre casos da mediunidade de cura, reflexões sobre a Pedagogia Espírita, análise da prática dos centros espíritas, estudo do perfil de Chico Xavier e tantos outros que lhe valeram o reconhecimento público.

Tudo sem falar na elaboração, ainda em andamento, da relação imensa de textos escritos, programas radiofônicos apresentados que a Fundação Maria Virgínia e J. Herculano Pires organiza e divulga.

Orientou a publicação de obras de valor, como a coleção da Revista Espírita, traduzida no Brasil primeiramente pelo poliglota Julio Abreu Filho e prefaciada por Herculano. E ele mesmo cuidou de traduzir as obras principais da codificação espírita, que são publicadas por diversas editoras.

Apoiou o trabalho editorial do incansável e ainda pouco reconhecido editor Frederico Gianinni, na Edicel em São Paulo, e com ele publicou os primeiros números de uma revista sobre educação, quase toda ela escrita pelo próprio Herculano.

Homem de intensa atividade, dizia-se um grafomaníaco casado também com a máquina de escrever. De vida simples, era calmo e carinhoso ao mesmo tempo em que dono de uma força e coragem que o levava à defesa da verdade sem constrangimentos e sem tergiversação.

A fundação Herculano Pires inicia agora o programa de comemorações do centenário de seu nascimento (1914-2014), com palestras, publicações e acontecimentos que se desdobrarão até setembro de 2014, quando o centenário se completa.

Esse fato merece o apoio do Brasil inteiro. Assim como Herculano diz que a obra de Kardec é, paradoxalmente, muito publicada mas ainda pouco conhecida em sua dimensão e conteúdo, a obra de Herculano, o mais destacado intérprete de Kardec, é lida, conhecida e pensada muito menos do que deveria, mas está aí, pronta para ser descortinada como fonte de conhecimento que estimula, liberta e prepara o ser no seu caminho de conquistas e evolução imortal.

Crônica do centenário

selo_encart_wwwNós precisamos, é bom reconhecer. Nós precisamos de pessoas com lucidez. Não apenas lucidez, mas lucidez maior que nossa própria. Nós precisamos de homens que sejam capazes de descortinar horizontes, aqueles mesmos horizontes que não alcançamos apesar dos esforços, dos anseios, dos desejos.

Nós precisamos da autoridade, também é bom reconhecer. Nós precisamos da autoridade natural, que naturalmente se coloca e naturalmente se faz reconhecer. Nós precisamos de homens capazes de liderar com o pleno conhecimento da liberdade que permeia a experiência humana num planeta repleto de conflitos.

Nós precisamos, nunca será demais reconhecer. Nós precisamos de pessoas de bom-senso. Não apenas de bom-senso, mas daquele bom-senso que nos toca de imediato e nos leva a refletir se o nosso bom-senso é bom. Nós precisamos de homens que saibam tocar no fio de Ariadne e segui-lo, media por medida, até o porta do saber.

Nós precisamos da coragem, indiscutivelmente. Nós precisamos da coragem que nos conduza ao rompimento dos diques erguidos pela mentira. Nós precisamos de homens corajosos que possam demonstrar a força que nos falta e lhes sobra na condução da jornada de libertação de mentes e corações ansiosos pela vitória.

Nós precisamos dos sonhos. Nós precisamos de pessoas que sonhem o nosso sonho, o sonho que nos alimenta as noites bem dormidas e os dias descortinados. Nós precisamos de homens que reconhecem o valor da esperança na formação do espírito que caminha sobre as águas de um mundo já bastante líquido.

Nós…

Nós precisamos do Herculano Pires que se foi e nunca partiu. Nós precisamos daquele homem que flutua nas páginas impressas de brochuras e encadernações, que escorre num farfalhar sereno sobre pedras e leitos arenosos, a nos indicar o ponto de luz que além ilumina e aquece o ser inquieto, multiexistencial, em experiências contínuas.

Nós (finalmente?) precisamos da certeza. Não da quase certeza suspensa no arame do equilibrista, ameaçada, tensa. Nós precisamos da certeza do ser imortal que sussurra como leve sopro nos ouvidos do homem a comunicar-lhe boas novas, novas e boas certezas sem negar a sua assinatura.

Nós precisamos, e como, de Herculano Pires.

Crônica do sagrado

Sérgio mora em São Paulo, mas o vejo sempre pelo Skype. Ontem, achei-o um pouco desenxabido, daquele tipo que fica olhando para o lado como quem quer fugir de uma conversa mais franca.

Interessante, o virtual já se misturou com o real de tal maneira que as pessoas estão repetindo na imagem o comportamento que expressam no face-a-face e o virtual está tão high definition que se torna quase natural perceber essa nova realidade.

Sem me conter, indaguei: que há contigo?

Desculpou-se três vezes, antes de abrir-se. Estava decepcionado, pois acredita na mudança, na necessidade da mudança, no dever da mudança, no movimento que implica mudança já que a roda da evolução só gira para frente.

Não entendi, disse.

Enfim, desabafou: hoje li a notícia do fechamento pela Feb do contrato para a publicação da Bíblia. Isto é o fim de toda minha esperança de transformação no destino da velha instituição. No que devo acreditar, qual é o significado do novo se o novo repete o velho?

Ouvi-o por cerca de dez minutos, a desenrolar o seu imenso corolário de justificativas. E vi sua face tensa, triste, doída.

-Não precisa repetir-me os seus avisos, falou-me. Agora entendo.

Sérgio calou-se. Foi minha vez de falar.

O problema do novo é o novo. É difícil representá-lo, ser o porta-voz dele, encarná-lo. Onde está o novo? No espírito? Mas o espírito para ser o novo não pode ser apenas retórica e argumentos.

O problema do homem que se autoproclama representante do novo é deixar-se ver apenas em sua complexidade imagética: nos olhos, na face, na expressão corporal, detalhes do visível recortado iconicamente.

O discurso do homem-imagem pode ser o discurso da esperança, mas quando a realidade o confronta vê-se que a esperança dele não é a do homem novo. A imagem padece de conformidade com (ao negar) a realidade, e não a nega apenas pelo conteúdo ilusório que lhe é próprio, mas pela ilusão acrescida, deliberada, intencional.

O novo não é naturalmente inclusivo, não está nem faz parte por ser o novo. Sua inclusão se dá pela ação que decorre da convicção firmada. O discurso é a promessa, que a imagem incorpora magistralmente, e muito mais no cotidiano tecnológico de nosso tempo.

Quando o homem-imagem-discurso descobre o prazer da fantasia e a espetacularização o projeta socialmente, apodera-se da ilusão imagética para aumentar o fascínio do outro, alimentando-a com a retórica do novo, da mudança, infundindo no outro a falsa esperança.

É por isso que o homem-imagem não pode mais prescindir desse signo icônico. Sem ele, ver-se-ia despido, nu, transparente e nem sempre o nu é arte.

Há duas maneiras de interpretar a imagem: uma mais segura e muito difícil, decorre da análise semiótica e para ser realizada exige especialização; outra, mais fácil e também mais dolorosa, chega-nos pelos veios pedregosos da desilusão. É quando a realidade contorna a imagem e se mostra em sua própria nudez.

O homem-imagem sabe que está sempre em perigo, pois participa de um jogo onde a imagem persegue a realidade e a realidade só se deixa aprisionar em seus nacos mutáveis. Quando um flagrante do real é registrado, no instante seguinte a realidade já não é mais aquela.

A imagem sobrevive na duração, a realidade existe para além do tempo. A primeira resulta intencional, a segunda está acima de qualquer suspeita.

Quando, pois, o homem-imagem, apesar de comprometido na origem com o novo, age para manter o velho como a Feb ao propor-se a editar a Bíblia, meu caro Sérgio, o que deixa à mostra? A impossibilidade de dominar a realidade.

Ah, não se esqueça de uma coisa: a ilusão é elemento intrínseco à imagem e não à realidade.

As tristezas e alegrias do morrer

Indigno-me quando companheiro de crenças fala da morte como o fato triste. Contento-me quando um indivíduo de outras perspectivas espiritualistas chora a morte. Compreendo quando um materialista convicto se coloca indiferente à morte e consolo-me quando alguém comenta a morte como partida.

A morte espreita a vida, mas a vida renova a morte.

Tenho diante de mim três fatos: a contundência do incêndio de Santa Maria, a partida de uma figura conhecida do esporte brasileiro e a despedida de uma dirigente de centro espírita pernambucano conhecida em nossos meios.

Três fatos, distintos, três reações, distintas.

Confesso que fiquei chocado quando recebi a notícia da partida da dirigente espírita. A mensagem quase desconhecia a vida e dizia, implacável, mais ou menos assim: comunico com muita tristeza que nossa irmã… faleceu hoje.

Uma agressão à vida, que atingiu em cheio a minha, já combalida. Como se pode desconhecer o dia seguinte do espírito, o alvorecer do seu acordar, os reencontros, as alegrias das redescobertas, a sensação de alívio do pesado fardo deixado para trás?

Que a tristeza preencha os espaços mentais dos carentes de vida compreendo. Na perspectiva do nada ou da dúvida, na relação inocente, ingênua com o destino, na incompreensão da imortalidade que preserva a individualidade, compreendo.

O inverso disso não, não compreendo.

A história da dirigente é admirável. Dedicação, serviços, diligenciamento constante da solidariedade, superação, procura permanente das virtudes, demonstração inequívoca da postura moral, senso de justiça, amor em crescimento. Em suma, vida. Como não comungar com alegria do futuro imediato que lhe reserva imensas satisfações. Como imaginar que uma partida assim deixa de ser vida?

A contundência do fogo de Santa Maria tem sua realidade própria. O fogo, a fumaça, o descaso público, a irresponsabilidade, a perda instantânea das vidas jovens, o desaparecimento dos sonhos, o drama terrível dos pais e mães, tudo isso gera um horror coletivo e pessoal. Num átimo, parece que o existir desaparece, e com ele tudo o que o futuro poderia reservar.

Compreendo a tristeza. A vida acaba sem acabar em instantes assim, foge, deixa à mostra nossas fragilidades, cria um espaço vazio que parece não poder ser preenchido, traduz perdas irreparáveis. Estamos todos tristes pelo ceifar da alegria. Não é possível ficar indiferente, nem deixar de gritar o grito da vida contra aqueles que fabricam no silêncio do lucro e da venda da consciência a morte sorrateira.

Jamais pediria aqui uma alegria devida acima. Seria substituir a consciência por uma cruel racionalidade.

A morte do esportista tem outras conotações. Ele se foi em idade considerada justificável, e partiu depois de amargar os efeitos de uma doença asfixiante. Mas a vida finda parecia a vida em começo.

Amigos lamentaram, amigos informaram, amigos souberam. Um houve que, excepcionalmente, refletiu sobre as relações que teve com o esportista, afirmando ter nele um exemplo de amizade familiar, e concluiu que mais valem as boas relações, porque a morte prova nada ter valor maior. A tristeza que refletiu não era a tristeza do desespero, mas da compreensão, da conformação, da perspectiva que se abriu.

A morte pode ser alegria, mas a alegria nunca será a morte. A vida não pode ser a tristeza e a tristeza jamais será a vida. A tristeza é morte, desaparecimento, fim, destruição, fatalismo. A vida é fim e recomeço.

Meu filho partiu sem conhecer a vida; meu irmão partiu na entrada da maturidade. A saudade, a separação, a ruptura não esperada. Antes, quando ainda imberbe, meu pai se foi. Muito tempo depois, minha envelhecida mãe. Mas quando meu irmão ressurgiu das cinzas, espontaneamente, para traduzir suas experiências do pós-morte, percebi que a vida permanece com uma força desconhecida dos humanos. E acertei minhas contas com a alegria e a tristeza.

Uma amiga partiu no apogeu dos sonhos, aos 44 anos. Padeceu, negou, desesperou, revoltou. Um sofrimento atroz de minha tristeza a causa. Anos depois, retornou calma, para reafirmar a vitória da vida e agradecer a paciência dos amigos.

Eu vi de longe as labaredas que consumiram o circo de Niterói, e de perto assisti as mesmas labaredas a consumir o Andraus e o Joelma em São Paulo. O desespero rondou-me e os gritos de revolta estiveram sempre presentes em meu espaço.

A vida é mais, muito mais do que aparenta e a morte é a negação da vida. A morte e a tristeza, quando se irmanam, tornam a vida uma morte. E mortificam quem morre. Eu poderia aumentar o sofrer de minha amiga com minha dor, mas resolvi estancar o meu sofrer ao entender que ela merecia continuar viva.

Eu sou filho do espiritismo de razão kardequiana. E você?

A presença sócio-semiótica da palavra na comunicação social

Ao estudar as expressões populares (ditos, ditados, provérbios, anexins, rifãos, adágios etc.), deparamo-nos com a palavra como elemento fundamental da comunicação social. As expressões populares, entre inúmeras outras modalidades comunicativas, podem ser vistas apenas como uma manifestação corriqueira de uma parcela do povo – quase sempre, a parcela inculta, subalterna – no sentido puramente de uma linguagem de poucos recursos culturais; ou podem ser vistas como elemento integrante do processo da comunicação social. No primeiro caso, elas incorporam um valor reduzido, sem importância maior e para cuja compreensão os estudos lingüísticos semióticos já realizados serão suficientes; portanto, nada mais oferecem à pesquisa em ciências sociais. No segundo caso, as expressões populares se constituem em campo fértil de exploração para compreender-se o indivíduo sócio-interativo, bem como mutações culturais de variadas naturezas.
Os estudos de Mikhail Bakhtin e, em especial, o seu pensamento exposto em Marxismo e filosofia da linguagem destacam o valor da palavra e de maneira incisiva chamam a atenção para sua importância nos processos da comunicação social (a palavra enquanto unidade elementar da linguagem e no sentido geral encadeamento de palavras). Por isso, seu aporte aqui permite refletir sobre aspectos das expressões populares a partir do lugar de fala e em decorrência da significação enquanto sentido proposto. Pois as expressões populares são sempre atos de fala cujo sentido está aprisionado pelo lugar, em permanente dialogismo bakhtiniano, ou seja, só se pode apreender o sentido delas a partir da compreensão dos signos e sua significação no contexto dado.
A dimensão da palavra em Bakhtin implica a ideologia e por isso “pode preencher qualquer espécie de função ideológica: estética, científica, moral, religiosa”. Mas a compreensão da palavra exige que se vá além do seu conteúdo ideológico, ou seja, que se alcancem as refrações do “discurso de outrem” que a palavra realiza no universo simbólico em sua condição de expressão da consciência individual. Portanto, ideologia, discurso de outrem e consciência individual devem ser vistos como elementos implicados da palavra, elementos que preenchem qualquer palavra e que, em si e no conjunto, são capazes de tornar compreensíveis as palavras em seu significado e em sua significação enquanto sentido proposto, considerando-se ainda a importante questão do lugar de fala e dos discursos exteriores, dos signos sociais que vão determinar e modelar a consciência individual.

Palavra e ideologia

A compreensão da palavra conduz à percepção de que a ideologia e o universo semiótico são necessários um ao outro; o que importa na ideologia é, em primeiro lugar, o seu significado e, posteriormente, a significação dada. Mas o significado é também a constatação da presença do signo mediante o qual a ideologia se revela e sem o qual ela – a ideologia – não existe. Ou seja, o signo assume valor ideológico quando incorpora um significado que não lhe é próprio, que não tem origem em si mesmo, mas se faz dentro de um certo consenso social, de um consenso resultante de uma interação no curso da comunicação social. Se um grupo assume um signo como a representação de uma idéia está atribuindo-lhe um valor ideológico que originalmente não possuía, um novo significado. Uma palavra de ordem é um signo cujo significado se diferencia da palavra original, assume outro sentido para dizer algo que antes não dizia. O conteúdo ideológico do signo, portanto, é um acréscimo proveniente do mundo exterior que determina uma alteração do significado sígnico, ou seja, uma alteração na representação do real que o signo exprime, mesmo que se considere, com Bakhtin, que o signo ideológico é reflexo, sombra e fragmento material da realidade. Todavia, “um signo não existe apenas como parte de uma realidade; ele também reflete e refrata uma outra”.
As íntimas ligações que se verificam entre signo e ideologia explicam as relações dos dois mas, também revelam que a ideologia só existe em função do signo, pois ela mesma é e está presente no signo.
Antes de prosseguir com a análise da ideologia em Bakhtin, convém conceituar de alguma maneira o signo em virtude de sua importância nos estudos da linguagem. O. Ducrot e T. Todorov procuram fazê-lo mas não sem antes reconhecerem a sua complexidade, ou seja, a complexidade que explica as dificuldades conceituais do signo. Segundo estes autores, estas dificuldades são notoriamente aumentadas pelo fato de que os signos são vistos atualmente como entidades lingüísticas e ao mesmo tempo como signos não-verbais. Eis pois como procuram resolver a questão: “Definiremos, então, prudentemente, o signo como uma entidade que 1) pode tornar-se sensível, e 2) para um grupo definido de usuários, assinala uma falta nela mesma. A parte do signo que pode tornar-se sensível denomina-se, desde Saussure, significante, a parte ausente, significado, e a relação mantida por ambos, significação”.
A Bakhtin interessa apontar as relações entre a construção dos signos e os fatos sociais, ou seja, importa demonstrar que a realidade social está presente nos signos e os transforma em “produtos ideológicos” quando, então, os signos não são mais e apenas signos, mas signos carregados de ideologia segundo um outro significado. É por isto que “um signo é um fenômeno do mundo exterior” tal qual assinalam Ducrot e Todorov: “O signo é sempre institucional: nesse sentido, existe apenas para um grupo delimitado de usuários. Este grupo pode reduzir-se a uma só pessoa (do mesmo modo o nó que faço em meu lenço). Mas fora duma sociedade, por mais reduzida que seja, os signos não existem. Não é correto afirmar que a fumaça é o signo “natural” do fogo; ela é sua conseqüência, ou uma das partes. Somente uma comunidade de usuários pode instituí-la como signo”.
Importa a Bakhtin localizar os signos ideológicos como elementos da realidade natural ou social, incluindo-os assim junto aos instrumentos de produção e os corpos físicos. Todavia, ressalta ele que os produtos ideológicos possuem uma característica que os diferencia dos dois outros, ou seja, eles refletem e refratam algo mais da realidade social como não o fazem os corpos físicos e os instrumentos de produção. Enquanto estes possuem funções definidas e somente funções, os produtos ideológicos possuem um conteúdo extra por conseqüência de relações sociais comunicativas entre os indivíduos. Com isto, Bakhtin chega ao importante ponto da constatação da existência do universo dos signos: “Portanto, ao lado dos fenômenos naturais, do material tecnológico e dos artigos de consumo existe um universo particular, o universo dos signos”.
Um universo cujos elementos têm algo mais a dizer do que os demais quando se trata de compreender o homem e o móvel de suas ações. Um universo formado por signos que ultrapassam suas condições específicas, que se transformaram e se transformam por conseqüência de uma contínua ação do homem. Assim, qualquer objeto, qualquer corpo físico ou instrumento de trabalho pode passar de sua realidade natural à condição de produto ideológico, bem como “qualquer produto de consumo pode, da mesma forma, ser transformado em signo ideológico” e cumprir uma função nova, uma outra função social, atendendo a interesses que não estavam neles presente anteriormente.
É necessário também ressaltar de forma enfática o “caráter semiótico” dos signos ideológicos, em virtude das conseqüências que daí resultam. Uma vez que “tudo que é ideológico possui um valor semiótico”, é preciso distinguir as diferenças entre os signos e o que eles representam, uma vez que são criados para expressar a realidade de cada grupo social. A análise semiótica dos signos precisa levar em consideração, segundo Bakhtin, a importante questão da representação, ou seja, o lugar do signo, o sentido nele presente e empregado, o que ele pretende segundo aqueles que o utilizam, sejam estes representantes do saber religioso, científico, jurídico, político, da sociedade de consumo etc. Isto porque “Cada signo ideológico é não apenas um reflexo, uma sombra da realidade, mas também um fragmento material dessa realidade”.
Por isso mesmo e sob este aspecto, os signos oferecem amplas possibilidades de uma compreensão do mundo, visto que expressam uma parte da realidade capaz de ser apreendida semioticamente. Essa compreensão consiste em (re)estabelecer as ligações entre um signo ideológico e os signos que lhe dão sustentação, dentro de uma cadeia formada por elos significativos firmemente coesos, capazes de conduzir às conseqüências necessárias. Desta forma, a questão ideológica em Bakhtin conduz à visão de mundo, uma visão de mundo que determina a criação das ideologias e portanto dos signos. É preciso, contudo, penetrar o mundo da consciência para alargar o pensamento bakhtiniano do valor semiótico dos signos.

Palavra e consciência

Ao trabalhar a ideologia do signo, Bakhtin revela as ligações que se estabelecem entre a consciência e a palavra a partir de relações sociais de indivíduos e grupos: “A consciência só se torna consciência quando se impregna de conteúdo ideológico (semiótico) e, conseqüentemente, somente no processo de interação social”.
A consciência em Bakhtin está repleta de signos que refletem ideologicamente a realidade, que expressam idéias. É pelos signos que a consciência individual propõe uma compreensão do mundo, pois os signos são eles mesmos a representação do mundo apreendida, incorporada pela consciência. Assim, “O próprio signo e todos os seus efeitos (todas as ações, reações e novos signos que ele gera no meio social circundante) aparecem na experiência exterior”.
Bakhtin reclama para este ponto uma importância que classifica como fundamental por parte daquele que pretende compreender o homem através do estudo da ideologia. Uma vez que o signo preenche o espaço da consciência, aí também está presente o domínio da ideologia
O homem “fala” através de signos; as relações sócio-comunicativas são o espaço da criatividade simbólica, são o campo onde se forma a “cadeia de criatividade e compreensão ideológica” (p. 34) num contínuo permanente onde signos substituem signos (ações, reações). Ainda assim, segundo o autor há diferenças profundas entre os discursos produzidos nas diversas áreas da esfera ideológica, pelo fato de que “cada campo de criatividade ideológica tem seu próprio modo de orientação para a realidade e refrata a realidade à sua própria maneira”.
Aqui, torna-se necessário realçar a diferença que Bakhtin faz entre a superestrutura da ideologia e a própria consciência, uma vez que ele condena a confusão metodológica daqueles que vêem a ideologia como que situada na consciência, quando ela é, na verdade, um “meio ideológico e social” capaz de explicar a realidade da consciência.
Um fato sócio-ideológico que dispõe de um meio material pelo qual e a partir do qual passa a se constituir; para o autor, antes das relações comunicativas interacionistas não há uma consciência formada, mas apenas e depois da concretização destas relações. Esse meio material é a língua.
O tema da consciência e sua geratriz social conduzem a inúmeros questionamentos, que em Bakhtin vão resultar na explicação de que a evolução desta consciência tanto quanto sua constituição são fatos sociais marcados pela língua: “Como [a personalidade] tomará consciência de si mesma? Até que ponto será essa consciência de si rica e segura? Como motivará e apreciará os seus atos?”.
Assim, a consciência se encontra em uma base imediatamente abaixo da ideologia e se forma, se constrói a partir dos signos que o meio social fornece. É isto que também explica que “a consciência adquire forma e existência nos signos criados por um grupo organizado no curso de suas relações sociais”.
O estudo da consciência em Bakhtin conduz à compreensão sobre sua relação de dependência, pelo menos até certo ponto, à realidade sócio-ideológica, de modo a não só construir-se das ideologias em circulação na sociedade mas também a refleti-las a partir do momento em que o homem estabelece suas relações sócio-interativas. A realidade ideológica é colocada, assim, por Bakhtin como “uma superestrutura situada imediatamente acima da base econômica”, portanto ocupando um lugar superior e destacado.
A questão a ser enfatizada, entretanto, é a de que não reside na consciência a fonte das ideologias, senão que a consciência estruturada pelos signos sociais reflete-as e as reproduz permanentemente. Assim, quando os fatos sociais alteram as ideologias, a consciência individual tende imediatamente a assimilar as alterações e a reproduzi-las criativamente. Chega-se, assim, ao importante ponto ou lugar onde os signos ideológicos de fato atuam e circulam, proporcionando a apropriação pela consciência e este lugar é o espaço da comunicação social.
Retorna-se, assim, à questão inicial da palavra e sua importância para as relações sociais. Bakhtin vai enfatizar isso ao lembrar que a palavra, seja como unidade da língua ou como discurso, fornece as condições claras para o estudo da ideologia e conseqüentemente à compreensão dos fenômenos daí decorrentes.

Palavra e comunicação social

Já aqui se pode estabelecer uma unidade de pensamento com base em Bakhtin: ideologia, consciência individual e palavra constituem um núcleo básico para a compreensão da sociedade. Estes três domínios formam a complexidade das relações sócio-interativas. As considerações partem de uma constatação inicial de que “a palavra é o fenômeno ideológico por excelência” e desempenha sempre uma função sígnica, ou seja, ela é o veículo da transmissão da ideologia, o que confere à linguagem uma condição especial na análise semiótica da comunicação social. Trata-se de um ponto a merecer toda a atenção – diz o autor – em virtude daquilo que a palavra incorpora: a função de signo, função que lhe confere um valor inigualável.
No estudo da palavra, portanto, reside um aspecto especial de compreensão das relações interativas realizadas pelos indivíduos na sociedade. O que se diz, o sentido real da mensagem só pode ser compreendido pela análise do conteúdo ideológico contido no texto ou nas expressões. Não se trata da análise através da subjetividade humana, mas de considerar as condições culturais em que as comunicações sociais se estabelecem para encontrar o sentido dos signos que penetram e formam a consciência e daqueles outros signos que os indivíduos utilizam para expressar idéias e desejos.
Uma outra condição reforça ainda mais a função sígnica da palavra: a condição de signo neutro. Enquanto os signos de forma geral representam formas ideológicas específicas e representativas dos domínios nos quais foram gerados, a palavra possui uma neutralidade ideológica inicial e pode por isso servir a todos os domínios, como nenhum outro material o consegue, tornando-se signo ideológico a serviço da ciência, da moral, da religião e de qualquer outro campo particular. Ao chamar a atenção para isso e destacar que os signos e símbolos específicos de cada campo possuem uma função ideológica inseparável, que lhe confere sentido, Bakhtin aponta para as relações interativas que ocorrem no cotidiano das pessoas, como espaço importante da comunicação social e onde as coisas acontecem de modo sensível: “(…) existe uma parte muito importante da comunicação ideológica que não pode ser vinculada a uma esfera ideológica particular: trata-se da comunicação na vida cotidiana. Esse tipo de comunicação é extraordinariamente rico e importante”.
O que ocorre nas relações interativas cotidianas é que a palavra assume um papel especial como material das conversações e dos discursos em suas diversas formas, e também porque possui uma condição de veículo a serviço da consciência individual, “material semiótico da vida interior”. Devido a isso, a palavra se torna meio pelo qual circulam as formas de compreensão do mundo, desde as atividades mais banais àquelas que dizem respeito à cultura geral e ao comportamento individual humano. Ou seja, “A palavra está presente em todos os atos de compreensão e em todos os atos de interpretação”.
As relações comunicativas cotidianas assumem especial importância exatamente porque se tornam espaço da criatividade ideológica, onde as situações sociais se mantêm ou se alteram, onde o curso das situações prossegue ou sugere novas direções. É na palavra que se podem perceber mudanças sociais em andamento ou em processo gestação.
Neste sentido, podem-se analisar as condições em que a sociedade está organizada culturalmente a partir dos signos que os indivíduos criam para expressarem-se e como esses signos são influenciados pela realidade, ou seja, a forma pela qual “o signo reflete e refrata a realidade em transformação”. A palavra é um indicador seguro das transformações sociais, tanto para as que já assumiram uma forma definitiva quanto para as transformações que se encontram em curso. Por isso, ela é duplamente importante: como instrumento para conhecimento da realidade social e como meio capaz de antecipar mudanças cujo sentido não está claro. O que orienta nessa direção é a compreensão que se deve ter da palavra enquanto meio privilegiado de interatividade sócio-comunicativa.
Pode-se encontrar a palavra como esse “material sensível” capaz de atender aos indivíduos em suas necessidades de comunicação nas mais diversas formas e situações da vida cotidiana, em que os atos de fala têm o seu desenvolvimento e assumem determinada importância: “(…) as conversas de corredor, as trocas de opinião no teatro e no concerto, nas diferentes reuniões sociais, as trocas puramente fortuitas, o modo de reação verbal face às realidades da vida e aos acontecimentos do dia-a-dia, o discurso interior e a consciência auto-referente, a regulamentação social etc.”.
Bakhtin, assim, chama a atenção para dois aspectos igualmente necessários ao estudo da psicologia do corpo social, dizendo que ela deve ser analisada: “…primeiramente, do ponto de vista do conteúdo, dos temas que aí se encontram atualizados num dado momento do tempo; e, em segundo lugar, do ponto de vista dos tipos e formas de discurso através dos quais estes temas tomam forma, são comentados, se realizam, são experimentados, são pensados etc.”
E nesse sentido, podem-se destacar tanto os repertórios quanto os temas que fazem parte de um determinado momento social. Não somente as relações cotidianas dos indivíduos numa sociedade são importante material para estudo, mas também aquelas que se dão no interior da vida familiar, porque representam significativo material para a compreensão da própria realidade social.
Por outro lado, à importância da palavra para o estudo da realidade social deve-se aliar um outro valor: a significação. Não bastaria atribuir importância à palavra e estudá-la do ponto de vista lingüístico; é preciso buscar sua significação no momento dado, seja nos atos de fala verbal, seja nos discursos diversos. Mas a significação só pode ser alcançada, só pode ser compreendida se for observada a partir das situações reais em que as relações sócio-interativas acontecem. Trata-se de considerar a materialidade da comunicação em termos de conteúdo da mensagem e dos signos que a consciência emite em resposta a outros signos, tendo-se por importante que os aspectos sociais orientam as consciências. Não somente as possibilidades culturais interferem na recepção, mas também dão o material para a compreensão e reinterpretação das mensagens. A preocupação, pois, de Bakhtin se volta para aspectos fundamentais como a qualidade contextual: “(…) a compreensão que o indivíduo tem de sua língua não está orientada para a identificação de elementos normativos do discurso, mas para a apreciação de sua nova qualidade contextual”. Talvez por isso o permanente estranhamento no aprendizado das normas lingüísticas, estranhamento, por exemplo, que não ocorre quanto à língua nativa, que o indivíduo vai apreendendo a partir das primeiras relações familiares.
A qualidade contextual resulta desse fato importante que é a relação do indivíduo com o seu meio social, em que mentalmente vai organizando-se num permanente intercâmbio sígnico. Mas, contrariamente ao que afirma a teoria da expressão, “Não é a atividade mental que organiza a expressão, mas, ao contrário, é a expressão que organiza a atividade mental, que a modela e determina sua orientação”.
Assim, pois, os dois tipos de discurso, o interior e o exterior estão em permanente relacionamento, mas com a supremacia do exterior, que é quem de fato organiza e forma a consciência. Entretanto, a palavra é sempre um ato de fala que se dirige a um interlocutor, a alguém, a um destinatário.
A palavra que procede de um interlocutor para outro varia, sofre alterações e se adapta segundo o interlocutor a quem é dirigida, sua posição social, cultural, sua proximidade ou distância em termos de grupo a que pertence etc. É desta maneira que “(…) toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de que procede de alguém como pelo fato de que se dirige a alguém. Ela constitui justamente o produto da interação do locutor e do ouvinte”.
A compreensão da palavra e de tudo aquilo que ela carrega como modificação imediata ou distante da realidade social implica, portanto, a compreensão de sua posição como meio de relacionamento interativo entre interlocutores reais, cada qual com sua postura e com um determinado peso enunciativo. A influência que se estabelece entre interlocutores é, em última instância, a influência sobre a coletividade, constituindo-se em razão para a construção das situações reais, os contextos em que os próprios interlocutores se situam. O locutor e o ouvinte são, ambos, fundamentais para o processo de compreensão da realidade social.
Esse fato se reveste de uma importância fundamental: as relações sociais bem como a realidade contextual que as determinam estão na base da formação das consciências e das ações e reações individuais, de sua criatividade ideológica, funcionando assim como resposta às principais perguntas que pretendem compreender a própria realidade social. Ou seja, o meio social determina a estrutura da consciência e conduz a atividade mental, de modo que a resposta da consciência se dá por meio de signos adquiridos na própria relação interlocutiva.
Irene A. Machado reforça essa compreensão do individual e de sua consciência, ao estudar o pensamento de Bakhtin: “O individual, como detentor dos conteúdos de sua própria consciência, como autor de seus próprios pensamentos, como personalidade responsável por seus pensamentos e sentimentos – esse individual é puramente um fenômeno sócio-ideológico”.
Resta, pois, acrescentar dois aspectos importantes para as reflexões aqui expostas: a importante questão da compreensão, de como ela se coloca e deve de fato ser vista, e a questão lingüística, de sua evolução. Sobre esta última, Bakhtin faz a seguinte afirmação: “A língua vive e evolui historicamente na comunicação verbal concreta, não no sistema lingüístico abstrato das formas da língua nem no psiquismo individual dos falantes”.
Depreende-se que as mudanças ou o progresso da língua estão em ligação direta com a vida cotidiana, com os atos de fala que se realizam no interior da sociedade, em suas diversas situações concretas. Ou seja, o espaço da comunicação social contemporânea, bem como os meios de comunicação de massa, são espaços importantes de análise dessa evolução e são, em contrapartida, indicativos das alterações sociais que se encontram em curso. Quanto ao primeiro aspecto, o da compreensão, deve-se considerar que: “A compreensão é uma forma de diálogo; ela está para a enunciação assim como uma réplica está para a outra no diálogo. Compreender é opor à palavra do locutor uma contrapalavra”.
A resposta da consciência ao signo é um diálogo realizado pelo indivíduo, seja para opor sua palavra como discurso interior seja nas relações com o discurso exterior, ou ainda como meio de expressão de sua forma de compreender o meio social.
Fiorin, aliando-se à compreensão como uma forma de diálogo, acrescenta que este diálogo ganha amplitude na própria dimensão da palavra: “Essas relações dialógicas não se circunscrevem ao quadro estreito do diálogo face a face. Ao contrário, existe uma dialogização interna da palavra, que é perpassada sempre pela palavra do outro, é sempre e inevitavelmente também a palavra do outro”.
Mas o diálogo é também uma forma de construção de sentido e, assim, é algo que não encontra termo final, ou seja, o sentido está sempre sendo refeito, remodelado pela compreensão. Como afirma Marília Amorim a partir de um longo trabalho de pesquisa em que o pensamento bakhtiniano foi levado à prática cotidiana de uma favela no Rio de Janeiro: “Pois a compreensão, a interpretação e a explicação são, na verdade, formas de tradução e traduzir é mostrar a descontinuidade e o intervalo”.
E mais, por não se esgotar e por não esgotar as possibilidades de construção de sentido, seja no diálogo e suas diversas formas, seja nos discursos sociais, a compreensão forma uma espécie de meio, uma ponte não fixa que se pode mover conforme os contextos.

Palavra e discurso de outrem

O “discurso de outrem” é a presença do outro no discurso do eu, mas é também a necessidade do outro para que o discurso do eu possa ser construído, ou melhor, praticado. Temos, assim, dois aspectos fundamentais da palavra a necessitar de compreensão, sob pena de não se poder alcançar nem o outro nem o eu. Nenhum discurso se constrói sem que a palavra do outro esteja presente e este outro é também destinatário e locutor.
O outro não é uma ficção e nem ausência; o outro não é distância ou caminho a percorrer apenas no momento dialógico possível. O outro é texto e contexto, tema e motivo, razão e sentido.
Sob essa noção, pode-se partir para a busca da solução, ou seja, a compreensão do discurso formulado por outrem, tendo por meta responder às três indagações colocadas por Bakhtin: como, do que fala e o que diz o autor do discurso. As duas primeiras questões, o como e o que, podem ser resolvidas a partir da análise do tema do discurso, mas a apreensão plena do conteúdo do discurso só pode ser feita pela integração do outro no próprio discurso como forma de encontrá-lo “em pessoa”. Isso porque a realidade discursiva “(…) institui o locutor e o destinatário, um em relação ao outro e, a rigor, estes não existem enquanto tais antes da enunciação. É por isso que a língua não é um código e é também por isso que é inconcebível para Bakhtin isolar o “contato” como um fator entre outros: o enunciado é por inteiro contato…”.
Encontrar o outro no discurso significa apreender o tema e o contexto das relações sociais, o lugar de fala com sua força influenciadora do discurso, não se podendo perder de vista que “a língua não é o reflexo das hesitações subjetivo-psicológicas, mas das relações sociais estáveis dos falantes”
Em sua análise do outro na pesquisa das Ciências Humanas, Marília Amorim busca resolver problemas que mais à frente vai enfrentar em seu trabalho de campo, elencando as seguintes perguntas: “Como encontrar o outro, como fazê-lo falar, como se fazer ouvir, como compreendê-lo, como traduzi-lo, como influenciá-lo ou como deixar-se influenciar por ele… Na maior parte dos casos, a resposta a essas perguntas aparece lá onde não se espera, lá onde não há nenhum método. Como se a dessemelhança devesse sempre se confirmar, como se o equívoco fosse a regra e o diálogo um puro acaso”.
As perguntas são de fato uma ênfase na direção desse outro que parece se desvanecer na prática, mas que está de fato ali presente à espera de ser apreendido, à disposição para o diálogo em situação alteritária. As perguntas são também uma estratégia metodológica estabelecida com antecipação e sob a consciência de que alteridade e dialogismo são caminhos que se encontram e prosseguem juntos.
Neste ponto, convém trazer para este texto os quatro aspectos que Diana L. P. de Barros considera presentes na concepção de dialogismo de Bakhtin, porque se mostram importantes em relação ao discurso de outrem:

“a – a interação entre interlocutores é o princípio fundador da linguagem (Bakhtin vai mais longe do que os lingüistas saussurianos, pois considera não apenas que a linguagem é fundamental para a comunicação, mas que a interação dos interlocutores funda a linguagem);
b – o sentido do texto e a significação das palavras dependem da relação entre sujeitos, ou seja, constroem-se na produção e na interpretação dos textos;
c – a intersubjetividade é anterior à subjetividade, pois a relação entre os interlocutores não apenas funda a linguagem e dá sentido ao texto, como também constrói os próprios sujeitos produtores do texto;
d – as observações feitas podem conduzir a conclusões equivocadas sobre a concepção bakhtiniana de sujeito, considerando-a “individualista” ou “subjetivista”. Na verdade Bakhtin aponta dois tipos de sociabilidade: a relação entre sujeitos (entre os interlocutores que interagem) e a dos sujeitos com a sociedade”.

O discurso de outrem contém, assim, o sujeito que discursa, mas não simplesmente o sujeito que escreve ou fala, e seu tema; contém o sujeito constituído, produto e produtor da linguagem, o indivíduo em um dado contexto socialmente organizado, com uma consciência em certa medida estruturada pela palavra exterior. Por isso, o autor russo vai estabelecer, como meio de reforçar sua argumentação, as seguintes questões: “Como, na realidade, apreendemos o discurso de outrem? Como o receptor experimenta a enunciação de outrem na sua consciência, que se exprime por meio do discurso interior? Como é o discurso ativamente absorvido pela consciência e qual a influência que ele tem sobre a orientação das palavras que o receptor pronunciará em seguida? Encontramos objetivamente nas formas do discurso citado um documento objetivo que esclarece esse problema”.
O que importa aqui, essencialmente, é fazer ver que a construção do discurso se dá sob a influência de “forças sociais organizadas sobre o modo de apreensão do discurso”, o que, portanto, coloca no discurso os próprios instrumentos capazes de decodificá-lo semioticamente. As formas do discurso estão, assim, em relação com a linguagem comum, socialmente consensada, dos falantes, e estão contidas numa estrutura que integra o falante e o interlocutor.
Por outro lado, o discurso de outrem é recebido e apreendido pela consciência e se reproduz através de um outro discurso, o discurso interior, mediante o qual o receptor desenvolve sua crítica, sua apreciação. O discurso exterior se funde ao discurso interior para produzir uma terceira palavra, um outro discurso. Conforme assevera Bakhtin, “a palavra vai à palavra. É no quadro do discurso interior que se efetua a apreensão da enunciação de outrem, sua compreensão e sua apreciação, isto é, a orientação ativa do falante”.
Finalizando, estes aspectos gerais do pensamento bakhtiniano fornecem, assim, uma base teórica como ponto de partida para a análise dos mais diversos diálogos, das palavras e seu emprego nos meios de comunicação de massa, a fim de inferir de alguma maneira mudanças culturais no interior da sociedade globalizada. Ao afirmar que “a palavra, como fenômeno ideológico por excelência, está em evolução constante e reflete fielmente todas as mudanças e alterações sociais” o autor fornece uma indicação interessante das possibilidades amplas que a palavra oferece para uma compreensão do homem e da sociedade, sempre colocando esta palavra na condição de “expressão da comunicação social, da interação social de personalidades definidas, de produtores”. Reconhece ele que há vários caminhos pelos quais se pode estudar a evolução da palavra, dentro da percepção de que “o destino da palavra é o da sociedade que fala”, uma vez que palavra e sociedade evoluem juntamente com a palavra, em perfeito acordo, em simbiose plena. Pode-se estudá-la, portanto, através da sua “evolução semântica, isto é, a história da ideologia no sentido exato do termo; a história do conhecimento, isto é, a evolução da verdade, uma vez que a verdade só é eterna enquanto evolução eterna da verdade; a história da literatura, como evolução da verdade na arte”.
Ao lado desses caminhos, o autor coloca outro a que atribui uma importância de valor igual aos anteriores, a ser percorrido em conjunto com os demais: “…é o estudo da evolução da própria língua como material ideológico, como meio onde se reflete ideologicamente a existência, uma vez que a reflexão da refração da existência na consciência humana só se efetua na palavra e através dela”.
Com a palavra, pois, a própria palavra: a palavra da consciência ou personalidade integrada ao seu meio social organizado, de cujo lugar produz seus atos de fala e dá sentido à vida

Referências bibliográficas

AMORIM, M. O pesquisador e seu outro – Bakhtin nas Ciências Humanas. São Paulo,
Musa Editora, 2001.
BAKTHIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo, 8ª, Hucitex, 1997.
BRAIT, B. (Org.). Bakhtin, dialogismo e construção de sentido. Campinas, Unicamp,
2001.
DUCROT, O. & TODOROV, T. Dicionário Enciclopédico das Ciências da Linguagem.
São Paulo, Perspectiva, 1998.

Criatividade, comunicação social e expressões populares

Em sua obra A Mídia e a Modernidade, John Thompson traça um perfil da cultura contemporânea tomando por base a sua construção a partir do advento da televisão. Entende, com razão, que não há como compreender a cultura em nossos dias sem perceber a mediação das mídias e, particularmente, da televisão. 

Em 2001, tivemos nossa atenção voltada para a cultura, interessado em estudar, quanto possível, as novas formas culturais a resultar das mudanças em operação nos modos de convivência cotidiana. Os ditos populares, expressões reveladoras da criatividade humana e sintetizadoras da interatividade comunicativa, principalmente nas camadas mais baixas da escala social, estariam mediando, ainda, as relações cotidianas? Em que medida? 

Ditos, ditados, expressões, provérbios, anexins, o que tem isto a ver com a publicidade? E com o jornalismo? Com as relações humanas, tudo. Ainda hoje, o dia-a-dia do homem está repleto de expressões populares encantadoras, verdadeiros atos de fala fortemente vinculados ao contexto das relações. Estariam presentes, também, significativamente, nas campanhas publicitárias da mídia de massa e no texto jornalístico praticado pelos nossos mais destacados veículos midiáticos? 

A criatividade publicitária tem um ângulo curioso. Muito mais do que uma forma de criatividade singularizada pelo original, ela é a expressão pluridimensional da eficiência na adaptação das culturas como forma de construção de um discurso eficaz à conquista de mentes e corações. A criatividade na publicidade é inventiva, mas é também adaptativa, altamente adaptativa. Nossa pesquisa, em certa medida, o demonstra. 

A mensagem publicitária se caracteriza por uma dupla adaptabilidade: de um lado, lança mão do repertório fornecido pelas formas culturais e, de outro, busca encaixar-se à linguagem da mídia ou canal por onde vai circular. Não há nenhuma surpresa nesta constatação, afinal, desde a época dos poetas-publicitários nos encantamos com o jogo, o sentido duplo e o ritmo sedutor, como os destes versos que circularam intensamente nos anúncios de bondes das grandes cidades brasileiras: 

Veja, ilustre passageiro, 
O belo tipo faceiro, 
Que o senhor tem ao seu lado. 
E no entanto acredite: 
Quase morreu de bronquite, 
Salvou-o o Rum Creosotado. 

Repetido incansavelmente como exemplo da inventividade publicitária, o anúncio do Rum Creosotado é descendente daquela época, década de 1930, em que os poetas ocupavam o lugar dos hoje redatores nas agências. A produção foi fertilíssima, como soe ser a alma dos estros. Todas elas com uma marca comum: a adaptabilidade cultural. Como no caso seguinte, um anúncio local nem tão famoso como o do Rum Creosotado, mas também nem tão invisível assim na cidade do Rio de Janeiro: 

Pros artistas do pincel, 
Acabou-se a carestia 
Porquê na casa do Abel 
de Barros e Companhia, 
Têm tintas, óleos, vernizes, 
Pra dar de graça ao freguês. 
É na rua Buenos Aires, 233 

Parêntese: a estética, a sedução e a persuasão presentes nas mensagens publicitárias costumeiramente relegam a segundo plano o conteúdo ético presente. Tanto hoje quanto antes. 

De volta à nossa linha de reflexões, ao lançar mão das formas culturais para produzir sentido ao consumo de bens e serviços, a inventividade publicitária coloca-se como um lugar interessante de estudo das transformações que se produzem nas formas de comunicação dos indivíduos. As agências de publicidade são, portanto, um espaço aonde estas mudanças podem ser observadas, em especial as produções que aí se realizam. O complemento disso serão os meios onde as mensagens circulam. Ou seja, mensagens e meios como forma de constatar a presença das expressões populares. 

Ao eleger, por opção aleatória, o meio impresso constituído pela revista Veja como um universo de estudo das expressões populares na publicidade, logo se verificou o fenômeno da inter-relação das linguagens publicitária e jornalística, fenômeno este que vem sendo cada vez mais estudado, como observa Chaparro em Linguagem dos Conflitos, ao constatar a presença na linguagem jornalística de conteúdos persuasivos comuns à linguagem dos anúncios. 

A procura pelas expressões populares na publicidade de Veja torna-se também a procura destas expressões no seu noticiário. Não há como fugir disso. A princípio, Veja não seria o lugar midiático consistente para o estudo dos ditos populares. Veja é meio impresso voltado à classe média e o lugar dos ditos populares é, segundo a tradição cultural, as classes subalternas. 

As transformações porque passou a cultura, segundo os estudos de Thompson, contudo, forçam o estudioso a compreender que já não se pode mais falar em cultura popular como antes, condicionando-a a uma classe formada pelo operariado. Quem é o operariado, hoje? Então, é preciso pensar em cultura popular como cultura de massa, seja por conta da presença inconteste de uma indústria cultural que massificou a obra de arte, seja pelo fato de a cultura popular e todos os seus símbolos estarem presentes fortemente na mídia e, portanto, ao alcance das demais classes, pois a mesma indústria cultural que não se importa com a aura da obra de arte, também não se incomoda com a aura da produção simbólica das classes mais baixas. Ao reproduzir as obras, o faz nos dois extremos da escala social, transformando em produto de troca – e, quem sabe, até de uso! – a obra de arte tanto quanto a criatividade do povo. À mídia cumpre a responsabilidade da massificação. À publicidade o uso da mensagem da sedução. 

A inventividade do profissional da publicidade está muito próxima da criatividade do homem do povo. Poderia parecer que eles estão distantes entre si, pois o primeiro trabalha num ambiente refinado e o segundo habita o cotidiano tradicional da rusticidade. Se tal afirmativa não pode ser levada ao extremo da generalização, onde de fato se perderia, mostra-se, no entanto, consistente quando se estudam as linguagens publicitária e jornalística em regime de comparação. Por extensão e em certa medida, a inventividade do profissional do jornalismo também aí se encaixa, formando, por assim dizer, um triângulo: a criação do homem do povo fica na base e a inventividade dos dois profissionais citados forma os dois outros lados. 

É a constatação decorrente dos estudos feitos em Veja. Explique-se: num período intermediato por um espaço de dez anos, a presença de expressões populares na publicidade se mostra de modo claro e estável. A publicidade lança mão, permanentemente, das expressões populares em regime de recriação ou paródia, ao produzir sua mensagem. O fato insólito aí é, talvez, uma outra constatação: a da adaptação da linguagem. Ou seja, o publicitário cria o anúncio de modo a integrá-lo à linguagem do meio impresso, para aumentar o seu poder de sedução do leitor. Feito para ser compreendido rapidamente, o anúncio deve ser capaz, também, de tornar imperceptível a passagem da leitura da reportagem para o próprio anúncio e a reportagem seguinte. 

A estratégia funciona porque o profissional do jornalismo utiliza um expediente semelhante de recriação ou paródia em cima das expressões populares, atribuindo aos títulos das reportagens ou notícias características semelhantes às mensagens publicitárias dos anúncios. A observação do fato leva o publicitário à inventividade correspondente de maneira a propiciar a integração das duas linguagens no espaço do mesmo veículo midiático. 

Neste aspecto, o criador primário é o homem do povo. Ao publicitário e ao jornalista cumpre uma função co-criadora ou secundária. Nenhum destes dois se preocupa em ser original ou ditar moda, mas apenas em utilizar os elementos simbólicos presentes nas relações interativas da comunicação humana para dar sentido aos seus discursos. Raramente, a publicidade é primariamente original e quando isso ocorre tem a participação direta ou indireta do próprio homem do povo, como no exemplo do slogan “isto não é uma Brastemp”. Compreende-se: não é função prioritária do publicitário criar o novo, mas produzir mensagens para que seus clientes alcancem os resultados estabelecidos pelo Marketing. 

A recriação do publicitário, contudo, é altamente inventiva e quase sempre contém o ingrediente do bom-gosto, elegância e ludicidade, de modo a parecer não raro nova e original. Mesmo quando as expressões populares são utilizadas na sua forma original, a inventividade publicitária cuida de lhe revestir de elementos sedutores. 

Alguns exemplos de anúncios publicitários se mostram interessantes. Vejamos: 

Para a expressão popular “ficar por dentro”, a Gerdau anuncia seu produto – o aço – com a frase: “Eles sabem que nós estamos por dentro”. Para o institucional de um novo canal de TV, vale forçar um pouquinho e dizer: “quem te viu, quem te MTV”. A Rima, uma indústria de máquinas impressoras, enfrenta a concorrência dizendo: “Quando uma empresa é forte, seus produtos não precisam ter medo de cara feia”. A revista Ponte Aérea é feita “Para quem lê o lado bom da vida”. Os chocolates da suíça Godiva, em lugar de morangos silvestres são verdadeiros “Morangos Celestes”. Para os freios ABS da Bosch “agora a pista pode até ser escorregadia”. A filmadora da JVC foi feita “para quem enxerga longe”. O governo do Estado do Pará acredita que “todos os caminhos levam ao Sírio de Nazaré”. Enfim, “olha o carro que a gente faz para você jogar no buraco”, grita o anúncio da Mitsubish para o automóvel Pajero. 

Na mesma linha da publicidade, os textos jornalísticos recorrem às expressões populares, especialmente em seus títulos. Vejamos alguns exemplos: 

Se a notícia é sobre um acidente no aeroporto de Congonhas, o título avisa: “Um bandeirante entre o barranco e a pista”; para a regalia de alguns colarinhos brancos na prisão, “Cadeia doce cadeia”; uma reportagem sobre crianças abandonadas encontra seu título com “Abandonados à própria sorte”; a possibilidade de retorno da inflação gera um “Aviso aos navegantes”; sobre a corrupção no orçamento, “O anão balança, mas não cai”; enfim, se a questão é na Zona Franca, o título adequado é “Negócio da China em Manaus”. 

Um esclarecimento final: o modelo lingüístico utilizado por Veja, ao qual se atribui grande parte do seu sucesso enquanto mercadoria, conduz o profissional do jornalismo a buscar, com mais ênfase, nas expressões populares a matéria-prima para os títulos das notícias e reportagens. Uma ênfase – deve-se deixar claro – maior do que a colocada pela publicidade. Esta, contudo, serve-se desse mesmo expediente para melhor alcançar os objetivos de uma campanha, especialmente com relação aos anúncios destinados à veiculação em mídias específicas, como a da revista Veja. 

Conclusão 

A linguagem popular dos ditos, ditados e anexins, ao contrário do que possam pensar alguns, está muito viva e forte na publicidade e no jornalismo contemporâneo. As expressões populares estão presentes nas páginas da mídia impressa e nos espaços da mídia eletrônica em quantidade tal que autoriza a concluir que essa forma de cultura, cuja fonte é o homem comum e anônimo, continua a ser produzida. Há pelo menos cem anos, a publicidade e o jornalismo fazem dela a sua matéria-prima lingüística básica para alcançar os fins mercadológicos a que se propõem.

A profissionalização do Espiritismo

Em texto prometido para “O Pensador” do primeiro bimestre de 2005, divulgado antecipadamente na Internet, José Passini aborda com preocupação a possibilidade da profissionalização do Espiritismo e lembra a questão moral do “daí de graça”.
 
O professor José Passini fala com conhecimento de causa e tem um argumento de fato forte na questão da profissionalização, sempre perigosa se olhada do ponto de vista das práticas doutrinárias. Como ex-Reitor da Universidade Federal de Juiz de Fora, Passini conhece bem os meandros da educação e da academia. Mas existe uma questão contextual que merece ser respondida: a profissionalização do Espiritismo já não se encontra em andamento, de forma talvez irreversível? Se sim, não seria crível admitir que o último reduto desta profissionalização está na condução das atividades do centro espírita?
 
O Espiritismo brasileiro vive um dilema de difícil solução: buscar ou não no próprio seio da sociedade capitalista os meios capazes de dotá-lo de condições mais eficientes para dialogar com a sociedade, entendendo-se aí a sua própria visibilidade social através da divulgação. O fato é que está perfeitamente consensado hoje que em diversas áreas nada se consegue sem o suporte dos recursos econômicos, financeiros e profissionais. O meio jornalístico impresso no Espiritismo não se desenvolve por falta dessas três condições, sendo que é o meio mais antigo de que dispõem os espíritas, ao lado do livro. Nossos jornais de banca, criados para alcançar a massa, há muito se encontram estagnados em patamares baixíssimos, impossibilitados de alcançar seus reais objetivos.
 
O meio livro encontrou mais recentemente um desenvolvimento expressivo, mas isso se deu justamente pela entrada no mercado de empresários-livreiros e uma visão empresarial-profissional deste mercado, junto a todas as mazelas de um capitalismo que tem por objetivo o máximo lucro. Eis porque o dilema existencial do Espiritismo padece de sérias e quase insolúveis dúvidas, aumentadas com a profissionalização do mercado livreiro, e isso é tão verdadeiro quanto se verifica que a entrada dos livreiros profissionais forçou as editoras espíritas, quase todas assentadas sobre a filosofia do trabalho sem fins lucrativos, a buscarem sua própria profissionalização. Nenhuma delas, porém, alimenta mais a fantasia de um trabalho editorial eficiente e totalmente amador.
 
Outros setores do Espiritismo brasileiro encontram-se hoje a caminho da profissionalização. Se será total ou parcial essa profissionalização é questão a se verificar no futuro. Os centros espíritas cresceram em tamanho e quantidade de freqüentadores e tiveram que profissionalizar certos compartimentos, como segurança, limpeza, alimentação, estacionamento, secretaria etc.; as entidades federativas também; as livrarias, muitas vezes as grandes fontes de renda das instituições, tiveram que se profissionalizar e aquelas que não o fizeram ou desapareceram ou se encontram em situação extremamente difícil; os clubes do livro resistem bravamente à profissionalização, mas não se desenvolvem além de um determinado patamar comercial (se é que se pode chamar de comercial a atividade que desenvolvem); hospitais, creches e casas de repouso não tiveram sequer tempo de resistir: a lei os obrigou a se profissionalizar, sob pena de sofrer punições de órgão públicos controladores e de proteção ao consumidor; empresas e indústrias diversas, organizadas para gerar recursos financeiros a instituições sem fins lucrativos seguiram pelo mesmo caminho da profissionalização para sobreviver. Os empreendimentos na área da educação estão também aí para mostrar que sem profissionalização não se avança. Em alguns locais onde projetos educacionais puderam ser desenvolvidos a profissionalização foi conseqüente e às vezes até extrema: famílias inteiras se profissionalizaram e passaram a viver – dignamente, diga-se de passagem, dos resultados financeiros das instituições criadas.
 
 Um dos mais notórios e antigos serviços prestados pelos espíritas, com qualidade reconhecida, encontra-se no setor da saúde. Embora também bem nascido do casamento da caridade com o colaboracionismo, a profissionalização não tardou a chegar aí. Instituições psiquiátricas, especializadas em crianças excepcionais ou de apoio à terceira idade precisam de um corpo médico e de profissionais de variada especialização, condição em que o colaboracionismo se torna impraticável na maioria das situações.
 
O desafio que o aumento da visibilidade social impõe aos espíritas não deixa alternativa para os seus empreendimentos: ou se profissionalizam ou morrem. Às vezes nem nascem. A televisão, o rádio e agora a Internet só permitem sonhar, nada além disso, a não ser que se consiga recursos capazes de sustentar os projetos e esses recursos são aqueles que o capitalismo aponta. Não há outro caminho. Não há porque o sistema é esse. Diz-se que a Internet democratiza um pouco essa questão. Pode ser, mas não se iluda ninguém, aqueles que comandam a Internet são os grandes capitalistas ou conglomerados, pois apenas eles dispõem de recursos para se tornarem visíveis lucrativamente. Os demais lutam para serem conhecidos de uns poucos. O espaço democrático da Internet é também o espaço mais congestionado e conseqüentemente mais difícil de atrair webnavegadores.
 
Eis porque vale o questionamento: será que já não estamos em plena era da profissionalização dos serviços espíritas? Neste caso, qual o setor do Espiritismo que de fato sobreviverá a ela e, ao mesmo tempo, conseguirá visibilidade expressiva?Em texto prometido para “O Pensador” do primeiro bimestre de 2005, divulgado antecipadamente na Internet, José Passini aborda com preocupação a possibilidade da profissionalização do Espiritismo e lembra a questão moral do “daí de graça”.

O professor José Passini fala com conhecimento de causa e tem um argumento de fato forte na questão da profissionalização, sempre perigosa se olhada do ponto de vista das práticas doutrinárias. Como ex-Reitor da Universidade Federal de Juiz de Fora, Passini conhece bem os meandros da educação e da academia. Mas existe uma questão contextual que merece ser respondida: a profissionalização do Espiritismo já não se encontra em andamento, de forma talvez irreversível? Se sim, não seria crível admitir que o último reduto desta profissionalização está na condução das atividades do centro espírita?

O Espiritismo brasileiro vive um dilema de difícil solução: buscar ou não no próprio seio da sociedade capitalista os meios capazes de dotá-lo de condições mais eficientes para dialogar com a sociedade, entendendo-se aí a sua própria visibilidade social através da divulgação. O fato é que está perfeitamente consensado hoje que em diversas áreas nada se consegue sem o suporte dos recursos econômicos, financeiros e profissionais. O meio jornalístico impresso no Espiritismo não se desenvolve por falta dessas três condições, sendo que é o meio mais antigo de que dispõem os espíritas, ao lado do livro. Nossos jornais de banca, criados para alcançar a massa, há muito se encontram estagnados em patamares baixíssimos, impossibilitados de alcançar seus reais objetivos.

O meio livro encontrou mais recentemente um desenvolvimento expressivo, mas isso se deu justamente pela entrada no mercado de empresários-livreiros e uma visão empresarial-profissional deste mercado, junto a todas as mazelas de um capitalismo que tem por objetivo o máximo lucro. Eis porque o dilema existencial do Espiritismo padece de sérias e quase insolúveis dúvidas, aumentadas com a profissionalização do mercado livreiro, e isso é tão verdadeiro quanto se verifica que a entrada dos livreiros profissionais forçou as editoras espíritas, quase todas assentadas sobre a filosofia do trabalho sem fins lucrativos, a buscarem sua própria profissionalização. Nenhuma delas, porém, alimenta mais a fantasia de um trabalho editorial eficiente e totalmente amador.

Outros setores do Espiritismo brasileiro encontram-se hoje a caminho da profissionalização. Se será total ou parcial essa profissionalização é questão a se verificar no futuro. Os centros espíritas cresceram em tamanho e quantidade de freqüentadores e tiveram que profissionalizar certos compartimentos, como segurança, limpeza, alimentação, estacionamento, secretaria etc.; as entidades federativas também; as livrarias, muitas vezes as grandes fontes de renda das instituições, tiveram que se profissionalizar e aquelas que não o fizeram ou desapareceram ou se encontram em situação extremamente difícil; os clubes do livro resistem bravamente à profissionalização, mas não se desenvolvem além de um determinado patamar comercial (se é que se pode chamar de comercial a atividade que desenvolvem); hospitais, creches e casas de repouso não tiveram sequer tempo de resistir: a lei os obrigou a se profissionalizar, sob pena de sofrer punições de órgão públicos controladores e de proteção ao consumidor; empresas e indústrias diversas, organizadas para gerar recursos financeiros a instituições sem fins lucrativos seguiram pelo mesmo caminho da profissionalização para sobreviver. Os empreendimentos na área da educação estão também aí para mostrar que sem profissionalização não se avança. Em alguns locais onde projetos educacionais puderam ser desenvolvidos a profissionalização foi conseqüente e às vezes até extrema: famílias inteiras se profissionalizaram e passaram a viver – dignamente, diga-se de passagem, dos resultados financeiros das instituições criadas.

Um dos mais notórios e antigos serviços prestados pelos espíritas, com qualidade reconhecida, encontra-se no setor da saúde. Embora também bem nascido do casamento da caridade com o colaboracionismo, a profissionalização não tardou a chegar aí. Instituições psiquiátricas, especializadas em crianças excepcionais ou de apoio à terceira idade precisam de um corpo médico e de profissionais de variada especialização, condição em que o colaboracionismo se torna impraticável na maioria das situações.

O desafio que o aumento da visibilidade social impõe aos espíritas não deixa alternativa para os seus empreendimentos: ou se profissionalizam ou morrem. Às vezes nem nascem. A televisão, o rádio e agora a Internet só permitem sonhar, nada além disso, a não ser que se consiga recursos capazes de sustentar os projetos e esses recursos são aqueles que o capitalismo aponta. Não há outro caminho. Não há porque o sistema é esse. Diz-se que a Internet democratiza um pouco essa questão. Pode ser, mas não se iluda ninguém, aqueles que comandam a Internet são os grandes capitalistas ou conglomerados, pois apenas eles dispõem de recursos para se tornarem visíveis lucrativamente. Os demais lutam para serem conhecidos de uns poucos. O espaço democrático da Internet é também o espaço mais congestionado e conseqüentemente mais difícil de atrair webnavegadores.

Eis porque vale o questionamento: será que já não estamos em plena era da profissionalização dos serviços espíritas? Neste caso, qual o setor do Espiritismo que de fato sobreviverá a ela e, ao mesmo tempo, conseguirá visibilidade expressiva?

A intensidade de uma vida

 

Eduardo Carvalho Monteiro com Ary Lex
Eduardo Carvalho Monteiro com Ary Lex

Dezembro, 15, 2005. Eduardo partiu hoje, pela manhã. Pela Júlia Nezu e outros amigos recebi a notícia. Estive com ele no Hospital Alvorada dia 29 de novembro, em companhia do amigo comum Maurício Ribeiro. Estava esperançoso de retomar as atividades normais, mas sabia-se em grandes dificuldades. As pernas sem movimento, a voz baixa e marcas de incisões nos braços e no corpo. Reclamou de não poder mudar de posição no leito. Fez-nos, emocionado, confidências particulares, confidências que a nós faziam sentido e tinham imenso valor. Por cerca de uma hora, conversamos amenidades e recordamos fatos passados. Enfim, o deixamos. Era a despedida de quem estava de retorno aos campos floridos de um espaço sideral deixado anos atrás, onde a vida tem outros sentidos mais e, certamente, novas e fortes emoções.
Este momento sereno me conduz a relembrar a trajetória que, juntos, fizemos. Ficaria eu bastante chateado se não tivesse tido a feliz idéia de visitar o Eduardo em seu leito hospitalar, poucos dias antes de sua partida. Era preciso que isso ocorresse. Por muitas razões, entre as quais a de que ele se fez presente em grande parte da minha vida, especialmente em momentos cruciais. Recordar, portanto, a nossa trajetória significa prestar um preito de gratidão a quem realizou um grande e despretencioso trabalho pela causa do Espiritismo, na qual acreditava com todas as forças.

O início de tudo

Conheci Eduardo em 1978. Por alguma indicação da qual não me recordo, ele nos procurou na Editora Correio Fraterno do ABC para oferecer o livro que havia concluído sobre a vida de Jésus Gonçalves. A editora, como tal, era nova. Havia lançado então apenas dois títulos: “O Besouro Casca-Dura e outros contos”, de Iracema Sapucaia, e “Eurípedes Barsanulfo, o Apóstolo do Espiritismo”, de Jorge Rizzini.
Provavelmente, Eduardo se motivou a nos procurar em vista deste último livro, pois, curiosamente, o seu copiava o título daquele: “Jésus Gonçalves, o Apóstolo do Espiritismo”. Ao entregar os originais, disse: “Faça uma revisão e o prefácio”.
Estávamos às vésperas do Carnaval. Coloquei os originais na mala e demandei com a família para minha cidade natal na Zona da Mata mineira. Ali, pus-me a ler com atenção o livro e procedi a diversas anotações, sugestões de mudanças e alguns cortes. Eduardo, então, já se mostrava um arguto pesquisador, mas carecia de melhores condições no preparo do texto e na organização das diversas partes do livro. Entre as minhas sugestões estava a de mudar o título para “A extraordinária vida de Jésus Gonçalves”, sob o argumento de que havia uma diferença fundamental entre a vida de um apóstolo e a de uma grande figura, na qual mais bem se encaixava o biografado. Eduardo resistiu um pouco mas, enfim, aceitou. Creio que cedeu por conta de desejar ver logo publicado aquele que seria o primeiro livro de sua copiosa produção literária.
O adjetivo extraordinário contido no título do livro logo se aplicou, também, à sua aceitação pelo público: em menos de três meses se esgotaram os seis mil exemplares da edição, edição logo sucedida por outras e outras mais, tornando-se, assim, um verdadeiro sucesso de venda.
Iniciava ali, também, uma longa convivência entre nós, convivência que se estenderia à vida privada de ambos, bem como nos levaria a produzir alguns livros em regime de co-autoria. A mim coube, também, publicar vários outros livros do Eduardo e alguns com o meu prefácio.
Passei a dividir com o Eduardo o cotidiano, conheci seus dramas familiares, a trajetória obsessiva pela qual passou, sua chegada ainda jovem a Uberaba pelas mãos de uma grande amiga, a relação com Chico Xavier e sua adesão incondicional ao Espiritismo. Sabia-se mudado profundamente após essa dura experiência que a obsessão lhe impusera.
Torcedor quase fanático do São Paulo Futebol Clube, tinha cadeira cativa no Morumbi e chegou a ser chefe de torcida organizada. Ao assumir o Espiritismo, não deixou de acompanhar o clube do seu coração nem de torcer freneticamente por ele, mas foi reduzindo sua presença nos estádios e substituindo o tempo ali gasto por atividades mais úteis ao ser humano e à sociedade.
Algum tempo depois do lançamento do seu livro sobre Jésus Gonçalves, Eduardo organizou um outro livro, com páginas psicografadas pelo médium Eurícledes Formiga, poeta premiado, de autoria do conhecido espírita Rubens Romanelli. Eduardo se afeiçoou a Formiga e tornou-se um de seus melhores amigos, acompanhado-o em suas atividades mediúnicas até o retorno de Formiga ao mundo invisível. O livro tem por título “Construções do Espírito”.
Psicólogo por formação acadêmica, mas sem exercer a profissão, Eduardo esteve conosco em 1982, no VIII Congresso Brasileiro de Jornalistas e Escritores Espíritas, na capital baiana, integrando-se desde então na comissão que assumiu naquele evento máximo do Espiritismo de então a responsabilidade de realizar em São Paulo o próximo congresso. Ali também tivemos contato pela vez primeira com o médium Edson Queiroz, com quem o famoso Espírito do médico alemão Doutor Fritz realizava cirurgias mediúnicas.
Muito bem impressionados com a destreza mediúnica do médium, combinamos levá-lo à capital paulista, para atendimento público. Como, na ocasião, eu dirigia, também, o jornal “O Semeador”, da Federação de São Paulo, obtive com o então presidente, João Batista Laurito, o necessário apoio material e institucional para Edson em São Paulo. Vale registrar que foi esta a primeira (e última) vez que aquela instituição promoveu em suas instalações um evento de tal natureza, rompendo por instantes com os limites impostos pelo preconceito em relação a fenômenos mediúnicos dessa natureza. Mas não saiu impune o presidente Laurito. E nós também. O registro dessa desafiadora ação está no livro de minha autoria de título “Sinal de vida na imprensa espírita”, Editora EME.
Eduardo participou de tudo isso, lado a lado comigo. A comissão encarregada de organizar em São Paulo o próximo congresso de jornalistas e escritores teve nele o principal esteio, seja para enfrentar o desafio de um cometimento de tal envergadura, seja nos conflitos que se estabeleceram por conta de uma oposição política cujo interesse estava centrado no insucesso do congresso. Trabalhou ele arduamente em todas as etapas, da organização do temário à definição dos oradores, da escolha do local aos acertos dos detalhes mais simples. A ele se deve uma das maiores parcelas do sucesso do XIX congresso realizado em 1986.
Logo nos primeiros tempos de organização do evento, propus ao Eduardo o desafio de escrevermos um livro sobre o patrono, Cairbar Schutel, com a finalidade de lançá-lo na abertura do congresso. Eduardo arregaçou mangas também aí e, juntos, passamos a fazer pesquisas, viajando diversas vezes a Matão, onde Cairbar realizou seu grandioso trabalho, bem assim a diversos outros lugares para entrevistas e levantamento de informações necessárias.
Valem alguns registros curiosos e interessantes. A franqueza com que os faço será, não tenho dúvida, apreciada pelo Eduardo. Se não o for, porém, será apenas mais um dos conflitos que vivenciamos em nossa relação de grande amizade e sentimentos recíprocos de afeto, conflitos que, se em alguns momentos nos distanciaram um do outro, não foram jamais suficientes para destruir uma amizade de longo tempo e muitas vidas.
Tinha eu a intenção de participar com o Eduardo das pesquisas e trabalhar no texto final do livro. Eduardo não comungava da idéia. Antes, havia guardado desde 1978 um certo ressentimento pelo fato de haver eu interferido em seu livro sobre o Jésus Gonçalves, em especial pelas supressões sugeridas e os acertos estéticos do texto.
Sem nada comentar a respeito no curso das pesquisas, ao aproximar o fim do prazo para entregarmos à Editora o livro, veio até mim com uma pasta e disse: “Aqui está a minha parte. Leia, mas vou logo avisando, eu não aceito nenhuma mudança”. Surpreso, também bati o pé. Silencio por silencio, eu ganho, pois sou mineiro. Não li a parte do Eduardo, apenas juntei o que havia escrito e entreguei tudo ao Aparecido Belvedere, da Editora O Clarim, para a edição do livro.
Um outro fato interessante. Eduardo e eu, na companhia do amigo comum e inesquecível companheiro Hélio Rossi, que também integrava a comissão do congresso, estávamos na sede da Editora O Clarim discutindo com os seus diretores a respeito de detalhes do livro que estava na fase de pesquisa. Havia algumas informações sobre o biografado que Eduardo, com minha aquiescência, julgava ser necessário registrar no livro. Éramos de parecer que uma biografia não deveria omitir detalhes, mesmo que algum deles não fosse totalmente positivo para o biografado. Era o caso. Os diretores não aceitaram, argumentando que não havia prova definitiva sobre o acontecimento em análise. O conflito se estabeleceu e foi por diversas vezes discutido. No final, prevaleceu o argumento da Editora.
Fica do fato uma revelação sobre a personalidade do Eduardo, sempre disposto a defender a verdade, independentemente das circunstâncias e contextos.
Enfim, em abril de 1986, o livro “Cairbar Schutel, o bandeirante do Espiritismo” foi lançado na sessão de abertura do XIX Congresso Brasileiro de Jornalistas e Escritores Espíritas, no Centro de Convenções Rebouças, em São Paulo. Deste congresso resultou ainda um outro livro, cuja autoria assumi, publicado em 2004 com apoio da Associação Brasileira de Divulgadores do Espiritismo (Abrade) e cujo título é “Espiritismo Cultural: Artes, Literatura e Teatro”.

Outros trabalhos

A experiência com a obra sobre a vida de Cairbar Schutel me levou a propor ao Eduardo outro desafio: registrar em livro a vida de uma figura que me era muito cara: Pedro de Camargo, mais conhecido por Vinicius. Eduardo aceitou. Juntos, demos início a uma série de viagens, entrevistas, localização de documentos, contatos com familiares e tudo o mais que uma atividade dessas exige.
Alguns percalços no caminho levaram ao Eduardo um certo desânimo, especialmente porque alguns parentes sonegaram informações e julgaram-nos sem a devida competência para o trabalho. De forma que as pesquisas foram paralisadas até que um dia, alguns anos mais tarde, propus ao Eduardo reunir tudo o que já havíamos levantado a respeito de Vinicius para verificar a possibilidade de concluir a biografia. Entregou-me ele o material em seu poder e deu-me inteira liberdade para fazer o uso que desejasse, uma vez que ele não teria tempo para prosseguir em vista de outros compromissos assumidos. Conclui o trabalho e assim surgiu mais um livro em co-autoria: “Vinicius – educador de almas”, lançado pelo selo EME/Eldorado.
Em maio de 1987, Eduardo fez-me uma proposta inusitada: convidou-me para ser maçom. Inusitada e surpreendente. Nunca pensara em me tornar maçom e sequer sabia que ele havia ingressado na Ordem. Eduardo insistiu, falou-me por alto do assunto, instigou minha curiosidade e saiu do meu escritório com o meu sim. Deixou-me um longo questionário de quatro páginas para ser preenchido e veio buscar pouco depois. Em seguida, veio ter comigo um senhor de nome Aluisio José de Freitas, proprietário da Sigbol, uma escola de corte e costura localizada na Vila Mariana. Pertencia ao quadro da Loja Maçônica Amphora Lucis e queria fazer uma entrevista comigo em continuidade ao questionário que o Eduardo havia entregado na Loja.
Confessou ter desejado conhecer-me em razões de algumas coincidências matemáticas que ele encontrou nas informações do questionário. De fato, eram no mínimo intrigantes as coincidências. Aluisio havia nascido no mesmo dia que eu, alguns anos antes. Sua esposa havia nascido no mesmo dia que minha esposa. Um de seus filhos nascera no mesmo dia do meu filho mais velho. E outras coincidências semelhantes havia.
Em pouco tempo, pouquíssimo tempo para os padrões de exigências maçônicas, tive o meu processo aprovado e em dezembro daquele mesmo ano fui iniciado na Ordem Maçônica. Mais tarde vim a saber que Eduardo e Aluisio haviam apressado o meu ingresso porque queriam a minha experiência profissional no quadro de colaboradores da revista “A Verdade”, da Grande Loja Maçônica de São Paulo. Aluisio era o diretor geral da revista e Eduardo se integrara no corpo de colaboradores com intensa atuação. Eles dois, praticamente, respondiam pela revista.
Foi assim que, mais uma vez, trilhei caminhos ao lado do Eduardo. Foi uma experiência que durou 14 anos e terminou em dezembro de 2001. Com o Eduardo e o novo amigo, Aluisio, mais o apoio do Grão-Mestre daquela potência maçônica, elaboramos um projeto de desenvolvimento da revista com o objetivo de torná-la uma das melhores do setor. Eduardo, com sua veia inata de pesquisador, produzia ótimos estudos. De minha parte, introduzi modificações técnicas necessárias e fui assumindo cada vez mais participação na revista. Aluisio, na condição de diretor, realizava um trabalho intenso de condução e manutenção das linhas do veículo.
Alguns anos depois, Aluisio viu-se na contingência de deixar a direção da revista. Instado pelo então Grão-Mestre a assumir sua direção, sugeri fosse o convite feito ao Eduardo, reconhecendo nele maior competência para o metier. Eduardo aceitou, muito feliz, porém ficou no cargo apenas alguns meses. Pediu demissão tão-logo se viu confrontado pelo então diretor de Relações Internas da Grande Loja, a quem competia responder pela revista perante a administração, em vista de uma matéria sobre economia a ser publicada.
O episódio deixou suas marcas. Eduardo entendeu que eu deveria segui-lo. Divergimos sobre os motivos de sua demissão e sobre o próprio ato. Eduardo jamais voltou a colaborar com a revista e aliou-se, desde aquela época, à oposição política na Grande Loja.
Eduardo era dado a extremos. Passamos horas inúmeras conversando sobre estes fatos, mas ele entendia que quando tomava uma decisão, era definitiva.
Um pouco antes desses acontecimentos, ou seja, em 1994, havia eu concluído um novo livro com material sobre o período de mais de uma década de participação na equipe do Correio Fraterno do ABC, quando ele me informou que estava concluindo um texto histórico sobre os 70 anos da imprensa espírita no estado de São Paulo. Material pertinente ao livro. Foi assim que publicamos, em 1994, o nosso terceiro livro de parceria, intitulado “Sinal de vida na imprensa espírita”.
Os conflitos fazem parte do dia-a-dia humano. A boa ética nos ensina a conviver com os conflitos para superá-los através do entendimento. Nem sempre, porém, conseguimos nos equilibrar entre os extremos que os conflitos oferecem. Na Loja Maçônica Amphora Lucis, continuamos lado a lado, Eduardo e eu. Até o final de 2001. Entrei pelas mãos dele e pelas mesmas mãos saí, quando o conflito político-institucinal atingiu um clímax insuperável.
Nosso caminhos, porém, nos permitiram construir tantas e tantas obras juntos que um afastamento definitivo era humanamente impossível. Vivêramos intensamente emoções tão marcantes que jamais poderíamos imaginar, sequer, uma vida distante.
Aqui é preciso fazer uma digressão.
Eduardo sofrera intensamente com a situação familiar. Em certa altura da vida, tornou-se o amparo de sua mãe, padecendo com seus padecimentos e velando por sua constituição física, moral e espiritual. Os desencontros familiares marcaram-na profundamente e atingiram o Eduardo. O conhecimento espírita tornou-se a alavanca moral de sua atuação no lar, junto ao coração materno. Em grande medida, foi ele, também, uma presença marcante de um verdadeiro pai na educação de seu sobrinho, quando sua querida irmã viveu dias de desencontros. A desencarnação da mãe atingiu-o de modo muito particular, mas constitui-se no termo de um sofrimento que muito o angustiava. Ao conduzir seu corpo ao túmulo, ele se despediu de alguém por cuja felicidade lutou bravamente, enquanto pôde.
Compartilhei com ele muitos desses momentos. Em contrapartida, ele vivenciou comigo na posição de amigo incondicional diversos revezes. Em 1991, em plena madrugada de uma noite de novembro, fui internado às pressas, com um princípio de infarto. Eduardo, naquele mesmo dia, estava entrando em um período de merecidas férias. Ao tomar conhecimento do que me havia acontecido, correu ao Pronto Socorro onde eu havia sido recolhido e assumiu a condução das providências, dando um apoio incalculável à minha família. Providenciou UTI, ambulância para locomoção, assumiu despesas financeiras, procedeu ao meu encaminhamento à Beneficência Portuguesa para os exames de cateterismo e providenciou a internação no mesmo hospital quando os exames indicaram a necessidade de intervenção cirúrgica. Desentendeu-se, inclusive, com a equipe médica encarregada do meu caso quando esta apresentou a cobrança de um pagamento “extra-contábil”. Mais tarde, ainda revoltado, me contou o fato. Todo esse processo, do instante da internação no Pronto Socorro até a alta hospitalar após a cirurgia demandou exatos 30 dias. Estas foram as férias do Eduardo.
Como afirmei anteriormente, Eduardo era de extremos.
Em todas as obras a que se ligava, assumia integralmente a responsabilidade e se lançava ao trabalho. Um grande amigo me ensinou, um dia, que quem trabalha tem o direito de falar. Eduardo, da mesma forma que trabalhava intensamente por aquilo em que acreditava, exigia dos seus companheiros uma doação igual. E total lealdade. Tinha ele uma visão muito particular de lealdade e isso o fez sofrer muito. Queria uma lealdade incondicional, igual à que daria, na justiça e na injustiça. Mas cada indivíduo tem sua medida e suas noções sobre lealdade. Algo assim como o bom-senso de Descartes.
Se Eduardo dissesse “estou com você”, podia-se acreditar cegamente nele. Em tudo era ele intenso e total. Quando realizava uma pesquisa qualquer, dedicava-se ao máximo e não descansava jamais, porque com o Eduardo as pesquisas jamais têm fim. O seu primeiro livro – “A extraordinária vida de Jésus Gonçalves” – deu frutos pela vida toda. Uma vez que ele puxasse o primeiro fio da meada, não o largaria em tempo algum. É possível que se perdesse em algum labirinto, mas então o fio preso em suas mãos o trazia de volta. Quem quer que vá aos seus arquivos de milhares de livros e documentos, por certo encontrará material inédito não apenas sobre Jésus Gonçalves, mas sobre qualquer assunto de qualquer de seus livros publicados.
Foi com a mesma dedicação que ele integrou-se no trabalho junto aos hansenianos e viajou pelo Brasil inteiro por conta das lutas para mudar o paradigma dessa doença que tantas e tantas vidas segregou da sociedade. A causa hanseniana era uma entre tantas a que se filiou, um exemplo claro do modus operandi do Eduardo. Ela gerou o livro sobre Jésus Gonçalves, pontificou a assistência material permanente no Sanatório Pirapitingüi do interior de São Paulo, conduziu aos desafios políticos da mudança na legislação, enfim, estendeu-se para além, muito além dos limites visíveis.
De igual modo e com a mesma energia, Eduardo assumiu outros muitos compromissos que lhe pareciam justos e honestos. Em 1991, reuniu um grupo de amigos, eu entre eles, para anunciar que havia recebido a oferta de doação de uma chácara no Bairro de Eldorado, na divisa da capital paulista com Diadema. Era uma chácara muito bonita, com algumas construções em alvenaria e cerca de 10 mil metros quadrados de área total. Para fazer a doação, o proprietário exigiu que fosse feito um trabalho social no local.
Decidimos pela fundação da Sociedade Espírita Anália Franco, numa homenagem à grande batalhadora da educação. Eduardo assumiu a presidência, fiquei eu com a vice e a obrigação de constituir uma editora para gerar receitas à obra. A sociedade assumiu o terreno, implantou rapidamente algumas atividades e preparou-se para receber a doação. Esta, porém, não se concretizou, então. O proprietário passou a fazer novas exigências, do que decorreram inúmeros conflitos. A Sociedade Anália Franco, porém, prosseguiu, ocupando apenas parte do terreno, tendo em vista a solidificação de suas atividades espíritas e assistenciais. A editora projetada para sustentação financeira da obra saiu do papel e editou vários livros. O primeiro deles um trabalho de pesquisa do próprio Eduardo, intitulado “Anália Franco, a grande dama da educação brasileira”.
Alguns anos mais tarde, a chácara foi doada à Grande Loja Maçônica de São Paulo, cabendo à Sociedade Anália Franco uma pequena parte do terreno, onde ainda se encontra.
Turrão e amigo, amoroso e ácido. Eduardo era capaz de fazer os maiores elogios a você e, da mesma maneira, condenar face-a-face as atitudes das quais discordasse. Certa ocasião, viajamos em seu carro esportivo, um Puma que ele mantinha com certo desleixo, para compromissos no interior do estado de São Paulo. Araraquara, a primeira parada. Em instituição espírita local, ele fez uma comovida palestra sobre uma personalidade do movimento, que estava pesquisando. Quando retomamos a estrada para prosseguir a viagem, perguntou-me: o que você achou da palestra. Disse-lhe que ele não precisava imitar o Divaldo Franco, mas deveria assumir a própria personalidade, pois se daria melhor. Ficou furioso comigo. Mas entendeu. Na cidade seguinte, não mais utilizou aquele estilo eloqüente consagrado pelo orador baiano.

* * *

Quando fui visitar o Eduardo no seu leito hospitalar na companhia do Maurício Ribeiro, entendi que ele estava indo embora. Dormia ligeiramente quando chegamos, mas logo abriu os olhos e um leve sorriso apareceu em seus lábios. Começou a contar sua experiência de quase-morte, as visões que havia tido, o mundo novo que se lhe descortinava. O corpo imobilizado impedia-lhe de demonstrar a intensidade natural ao seu ser, mas era visível como aquilo lhe gratificava.
Em certo momento, espontaneamente, revelou-nos algo muito íntimo. Disse Eduardo:

– Sabe, eu aprendi muito nestes dias. Aprendi que a gente guarda muitas mágoas, elas se acumulam e acabam um dia fazendo um mal imenso.

Olhando-nos fixamente, demonstrando relativa tranqüilidade, prosseguiu:

– Eu guardei muitas mágoas e não percebi isso. Elas foram me corroendo por dentro, me conduzindo a atitudes injustas. Eu estou mudando. Quando eu retomar a vida normal, vou rever minha agenda. Não vou fazer mais as coisas da maneira como vinha fazendo. Toda essa pressa, toda essa loucura não vale a pena. As coisas não podem ser dessa forma.

A vida normal para Eduardo, ali prostrado, era a dos milhares de dezenas de anotações, o convívio com os amigos e as pesquisas quase intermináveis. A intensidade é que mudaria.
Eduardo mudou. Mudou-se. Foi reencontrar-se com as centenas de almas por quem lutou e a mãezinha saudosa. Os amigos lhe desejam breve retorno.

O aporte da alteridade como valor e referência

A dinâmica interna do Espiritismo tende a incorporar naturalmente os avanços do conhecimento, dentro de um movimento que, de ordinário, não espera por decisões de ordem moral para se realizar. Isso pode parecer a alguns um contra-senso na medida que a realidade da doutrina contrapõe indivíduos e estabelece conflitos para aquilo que pode, deve ou é aceito como coerente frente aos postulados balizadores do saber espírita, ou seja, os seus princípios básicos. Mas a idéia de aporte natural dos novos conhecimentos possui sua lógica, independentemente e para além dos conflitos, e funciona em paralelo a esses conflitos. Ou seja, em meio às disputas pela adoção dos novos saberes se desenvolve um movimento que produz aportes enriquecedores e proporciona a que a doutrina continue fazendo sentido. O lugar aonde esse movimento se processa é a práxis do cotidiano, em que os indivíduos não só se inter-relacionam como de fato estão em contato com informações de todo tipo e ordem. Os aportes se dão de forma natural e espontânea na mesma medida e ordem em que são, também, combatidos pelo pensamento ortodoxo, ou seja, a ortodoxia que combate o novo também valida a sua discussão.
Ao aceitar esse tipo de raciocínio se poderia concluir que os embates entre o novo e o velho estariam localizados no terreno da irracionalidade, pois o novo não depende contemporaneamente do juízo da ortodoxia. Em parte, isso é certo. Inundados pela informação cotidiana, os indivíduos em sua diversidade tendem a conviver com o conflito gerado pelas próprias informações, dentro de um espectro de convivência em escala da aceitação pura até a o combate total, numa graduação quase infinita. Assim, quando o novo recebe a aprovação daqueles que estão no trecho da escala compreendido entre o seu início e mais ou menos o seu meio, a reprovação dos demais tem pouca ou nenhuma força contra o aporte. Este se dá por uma questão de esgotamento de forças contrárias ou sua pouca capacidade de impedir que informações vistas como importantes sejam adotadas como verdades. Por outro lado, é preciso convir que com a racionalidade científica trabalhando em regime de permanente fragmentação e de submissão parcial à sociedade do espetáculo, a informação nova estará sempre plena de contradições e conflitos, sendo, portanto, natural que se estabeleça uma divisão e oponha apoiadores e combatedores. O que fica claro é que, independentemente do embate que se estabelece e da existência da parcela que lhe nega veracidade (completa ou parcialmente) a simples existência de uma outra parcela que lhe confere lógica é suficiente para que o aporte ocorra, mesmo que entre estes existam aqueles cuja aceitação do novo não passa por outro critério de verdade que não seja a da aparência de verdade contida no novo. Explica-se assim, em parte, a dinâmica interna do Espiritismo enquanto movimento permanentemente relacionado com a produção do conhecimento.
Dito desta forma fica esclarecido porque consideramos que o aporte da alteridade, que se concretiza diariamente, já foi realizado pela parcela dos espíritas que lhe confere valor e importância, restando-lhe apenas (talvez seja esta a parte mais difícil) a tarefa do convencimento da parcela (a maior?) que não a tem na mesma medida, seja por total desconhecimento da filosofia alteritária seja por não ver sentido nesse aporte, uma vez que está convencida de que o necessário em termos éticos já se encontra presente na doutrina.
Em vista do exposto, vamos trabalhar tanto com o raciocínio do aporte concretizado quanto com a necessidade de conceituação da alteridade para fins de justificação, para então concluir com a ética alteritária, suas relações com o Espiritismo e o seu impacto na mídia de massa.
  
Conexões entre alteridade e ética espírita
  
O uso da noção de alteridade como balizadora da comunicação que se realiza pelos meios técnicos (mídia) comporta uma ampla gama de elementos de grande valor. É bem verdade que estes elementos não dizem respeito apenas ou somente à comunicação de massa, mas a todo e qualquer tipo de interação humana. Mas o trato da alteridade com vistas ao seu emprego na práxis midiática torna estes elementos fundamentais, seja por conta das reflexões que propiciam seja pelo posicionamento diferenciado em que se colocam. Por outro lado, em trabalho da natureza deste, em que se pretende abordar o valor universal da alteridade e as suas possibilidades de conexão com o saber espírita e, portanto, também com a práxis cotidiana da mídia especializada em espiritismo, será preciso buscar os pontos de contato que as duas doutrinas oferecem.
Vejamos, portanto, de forma descritiva, alguns elementos fundamentais da noção de alteridade e as reflexões que propiciam.
Em primeiro lugar será preciso fazer referência àquele que está acima de qualquer elemento: o outro. E aqui aparecem dois aspectos igualmente importantes: o outro é tanto a individualidade humana quanto a coletividade que resulta da junção de muitos outros. Como é também indispensável perceber que o outro é sentido e objetivo da mídia, independente de ser ela massiva ou seletiva. Ao tocar na questão do outro temos por interesse chamar a atenção para a idéia de que o outro é mais importante do que o eu em questões de alteridade, pois é pelo outro que o eu se realiza. Neste aspecto, desde já está claro que o outro alteritário quase nunca faz sentido quando se trata de analisar o olhar da mídia, naturalmente focado antes no eu (o eu do lucro ou da dominação) do que em qualquer outra coisa. Em geral, o olhar midiático é um olhar inverso ao olhar alteritário. Tudo o que a alteridade valoriza a mídia contraria e, por conseqüência, nega.
Senão, vejamos.
A noção alteritária estabelece que o outro é uma presença de alteridade, ou seja, é diferença, estranheza, novidade, contrariedade, infinitude, ignorância. De fato, estar na presença não só do que é diferente, mas da própria diferença implica constatar a diferença para compreendê-la a partir de um estranhamento que indaga, analisa, respeita e valoriza, ou seja, não olha o outro a partir de critérios de valor pré-existentes, mas de uma postura aberta e indagadora, à procura de descobrir valores, potenciais, desejos, sonhos e utopias elegidas pelo outro. Daí a certeza de que nesta interação alteritária e dialógica, o outro não só reafirma sua diferença como se demonstra capaz de surpreender e valorizar a individualidade que com ele interage. Com isto, o outro será sempre a possibilidade da relação solidária, do afeto em movimento, do saber que se alterna e flui nas duas direções: do eu para o outro e do outro para o eu. Sendo sempre um fluxo contínuo, a interação com o outro alteritário se mantém permanentemente distante da impaciência e da intolerância, bem como de qualquer tipo de violência e dominação.
Como se depreende de Lèvinas, o olhar alteritário supera o espelhamento, a expectativa de ver no outro o reflexo do próprio eu, para estabelecer um reconhecimento de sua importância e valor. A perspectiva que se apresenta é de um diálogo em que os atores se colocam em posição de igualdade onde o outro se torna mais importante que o eu, pois é o outro que possui a capacidade de fazer crescer o eu. No espelhamento está presente o ingrediente básico da dominação, enquanto que a relação alteritária não se submete a qualquer tipo de dominação, nem a interesses que normalmente motivam o eu e o colocam em posição de superioridade frente ao outro. Esta relação, portanto, se coloca em clima de des-inter-esse, ou seja, de desejos e intenções que permeiam e impedem a solução dos conflitos naturais às relações humanas.
A alteridade não pressupõe a inexistência de conflitos, mas a criação de condições para superação permanente deles, uma vez que a paz é sua condicionante e objetivo. Por isso, a alteridade também não pressupõe a passividade e a complacência, mas a relação que enriquece a partir da postura conscientemente assumida segundo a qual o outro é que produz a paz da qual o eu se beneficia. Os papéis se invertem. Tradicionalmente, a idéia de construção do bem é dada ao eu. Aqui é o eu que busca compreender o outro para que a paz possa ser possível. Ou seja, sem a compreensão do valor do outro não há possibilidade de qualquer clima real de construção da paz.
Já a partir dessas reflexões tem-se por oportuno tentar responder a uma indagação de ordem: em que medida a proposição da alteridade interessa ao Espiritismo enquanto valor a ser agregado à ética inerente à sua doutrina? Afora qualquer sentimento de que o Espiritismo se basta a si mesmo em questões de ética (a qual permeia o pensamento geral predominante), a ética alteritária pode ser analisada em seu ponto de contato com a noção do próximo contida na ética cristã da qual a doutrina espírita se coloca como herdeira. E esse ponto de contato permite verificar que o outro da alteridade é o próximo do Espiritismo na medida que a ética espírita estabelece que o receptor da compreensão e dos desejos do eu é o próximo. Mesmo quando a idéia de próximo traz incorporado o clímax da solidariedade e, portanto, do amor, a sua reflexão através dos pressupostos alteritários permite um acréscimo extraordinário ao alargar a visão da construção de um estado de paz e crescimento que interessa diretamente ao ser humano. Mesmo que o aporte da alteridade não signifique modificar a essência do amor presente na mensagem da ética espírita, nem sua capacidade indiscutível de contribuir para a construção de uma sociedade justa e humana, os valores alteritários se apresentam como importantes fragmentos de uma ética que caminha na mesma direção e com iguais objetivos. O acréscimo vem por conta da capacidade da filosofia alteritária de estabelecer um olhar pela racionalidade que vai ao cerne das questões fundamentais, conseguindo reunir fragmentos importantes para a constatação de que o caminho da paz e do bem não pode desconsiderá-los.
A preocupação com a diferença presente na ética da alteridade é em si mesma uma razão forte para que o estudo da ética cristã, sob o olhar espírita, realize o seu aproveitamento e supere a própria presença da diferença, que por certo está no Espiritismo de modo difuso e não centrado. Sendo da filosofia alteritária que o outro é relação de distinção, diferença e contraste e que é preciso estabelecer esta consideração para que o diálogo se faça produtivo, a idéia de próximo ganha em status e identidade, sentido e realidade, em especial neste momento em que a fragmentação na sociedade contemporânea se faz presente com toda a força de conduzir as individualidades à exacerbação do eu, marcando ainda mais a própria ética espírita que considera o eu narcísico como fundamento e causa dos males que nos assolam.
  
Espetáculo a serviço do interesse do sistema
 
Feitas as reflexões, podemos voltar nosso olhar para os demais objetivos fundamentais deste texto. Desde logo se coloca a seguinte questão: é possível pensar uma relação mídia e sociedade sob os princípios da interação alteritária? Por extensão, cabe também questionar: a mídia especializada em Espiritismo possui condições de atender à ética da alteridade, considerando-se os seus postulados acima descritos? São duas questões inter-relacionadas e para as quais não se podem pretender respostas imediatas, mesmo que sejamos tentados a apresentá-las ou nos pareça tê-las na ponta da língua. Não sem antes estabelecermos uma boa reflexão sobre aspectos importantes da realidade midiática contemporânea, visando superar uma certa ingenuidade que assola a própria individualidade.
Comecemos por tocar na questão da enorme atração que a mídia exerce sobre as massas. Trata-se de um poder já bastante analisado por estudiosos diversos e demonstrado em pesquisas inúmeras, mas nossas reflexões aqui se estabelecem a partir da concepção de uma sociedade voltada ao espetáculo colocada com muita propriedade por Guy Debord , onde os meios técnicos de comunicação ocupam posição privilegiada. Temos, portanto, dois aspectos igualmente importantes à análise: a espetacularização da sociedade e a mídia. Já não é possível mais pensar um deles sem considerar o outro. Espetáculo e mídia se entrelaçam num entrecruzamento em que a mídia passa a conduzir o espetáculo e o exacerba para a sociedade, produzindo um sentido de convencimento de tal ordem que o ideal de sociedade deixa de possuir as características tradicionais para se transformar em ideal de espetáculo. O eu e o outro estão convencidos de que a identidade só se torna possível através da visibilidade midiática, proporcionando à mídia o nobre objetivo de tornar possível ao eu e ao outro alcançarem a sua identidade. O contraponto necessário aí é a percepção de que o ideal de felicidade assentado no espetáculo que a mídia incorpora não é o objetivo da mídia, pois a esta interessa o resultado que interessa ao capital investido. O ideal de felicidade que perpassa a mídia é fundado no consumo permanente, daí porque as mensagens publicitárias tratam de renovar sempre as necessidades e as possibilidades de serem atendidas. Mesmo a mídia enquanto produto que se vende a si mesmo não está aquém desta proposta de felicidade, pois reflete e reproduz o próprio sentido presente na proposta de consumo para alcançar a felicidade.
Em Debord, a idéia de uma sociedade do espetáculo se estende para além de interesses fragmentados deste ou daquele grupo, até mesmo da ação da mídia como parte econômica interessada. Conquanto a mídia ocupe aí lugar estratégivo e privilegiado, “o espectáculo apresenta-se ao mesmo tempo como a própria sociedade, como uma parte da sociedade, e como instrumento de unificação. Enquanto parte da sociedade, ele é expressamente o sector que concentra todo o olhar e toda a consciência. Pelo próprio facto de este sector ser separado, ele é o lugar do olhar iludido e da falsa consciência; e a unificação que realiza não é outra coisa senão uma linguagem oficial da separação generalizada” .
Não será de todo inverídico afirmar que desde o instante em que o jornalismo adotou a técnica das grandes manchetes e proporcionou a si mesmo um salto quantitativo, amparado pelo desenvolvimento tecnológico das máquinas de imprimir, o desenvolvimento da mídia foi traçado de forma a caminhar em direção ao próprio espetáculo, pois o emprego de manchetes sensacionalistas, independentemente de quaisquer outras análises, constitui a entrada no mundo do espetáculo visível e visual por parte do único meio técnico de comunicação de massa de fato existente então. A exacerbação do espetáculo na contemporaneidade encontra no jornalismo sensacionalista um dos seus marcos iniciais.
Não está em questão uma discussão conceitual ou filosófica do sistema capitalista, mas a compreensão de que objetivos capitalistas predominantes na mídia se tornam inadequados à convivência não conflitual com a proposta de uma ética alteritária, pois esta é fundamentalmente uma proposta de subversão de todo e qualquer interesse que conflite com o respeito integral e absoluto ao outro. O interesse midiático, enquanto submetido ao interesse do capital, torna-se inapropriado à consecução de uma relação interativa em que o interesse do outro se constitui em ponto de partida e de chegada, pois que o interesse midiático só pode se realizar sendo ele mesmo ponto de partida e de chegada.
A espetacularização dos meios de comunicação, portanto, pode ser vista como perfeitamente adequada e coerente com os objetivos do sistema que os mantém, mas não pode receber a mesma consideração daqueles cujo verdadeiro interesse está centrado na valorização do outro e, portanto, de sua intimidade. A constatação de que, parodiando McLuhan, a mídia é o espetáculo não constitui apenas a crítica da mídia, mas uma outra constatação: a de que os meios técnicos levam à última conseqüência o seu empenho para alcançar e manter o domínio sobre a audiência.
Este olhar crítico se faz ainda mais oportuno quando se considera que duas doutrinas que transitam fundamentalmente pela trilha da ética de valorização do que há de mais humano e legítimo no cidadão podem se legitimar também enquanto conceitos que se identificam. Tanto a ética alteritária quanto a ética espírita se torna incompatível com a espetacularização da vida humana e a única forma de superar essa incompatibilidade está na noção de prevalência do outro enquanto individualidade ou enquanto sociedade. A questão, portanto, não pode ser resolvida no ambiente dos interesses do capital, onde os meios técnicos de comunicação se situam e onde sobrevivem como império dominante, porque os interesses do capital não foram concebidos para dividir o poder. A única maneira de se resolver isso é com a transgressão das normas estatuídas pelo sistema.
Enquanto isso, uma questão de fato reclama reflexão: de que forma as doutrinas éticas podem transitar pelos meios técnicos de comunicação sem ver abalada a sua integridade? Esta questão se faz ainda mais presente quando se tem como indiscutível o fato de a mídia de massa ser o caminho único para se falar a grandes audiências em tempo real.
A discussão aí assume outros contornos e passa inevitavelmente pela questão econômica, onde costuma predominar. Contudo, a discussão precisa se concentrar no sentido da espetacularização e do sistema predominante, que constituem, em última análise, uma questão de construção de uma consciência na forma de capacitação para compreender as condições em que a apropriação dos meios técnicos está sendo possível. Ou seja, torna-se necessário enfrentar a realidade da espetacularização como condição imposta pela mídia para seu funcionamento.
O que existe atualmente como prevalência é uma consciência moldada nos interesses e objetivos colocados, ou seja, de forma geral se considera que o espetáculo e a mídia são inerentes um ao outro como se fossem interdependentes e naturais ao sistema. Pois a noção de espetacularização passa exatamente pela compreensão dessa realidade, uma vez que, segundo coloca Debord, prevalece quase sempre a idéia de que o que é bom está na mídia e o que está na mídia é bom. A esta tal consciência é preciso interpor uma outra, a de que a utilização dos meios técnicos de comunicação dentro das regras impostas pelo sistema torna-se impraticável quando o que se pretende é uma ação comprometida com a alteridade.
Na mesma linha de raciocínio se coloca a questão de uma visão instrumental da mídia ou qualquer proposta que pretenda resolver as dificuldades de acesso à mídia de massa, pois a consideração meramente instrumental, de uso dos meios técnicos sob a visão imperativa de sua necessidade para difusão dos ideais ético-doutrinários reforça apenas a incosnciência quanto às condições de produção da comunicação aí colocadas.
Mais uma vez: alteridade e espetacularização da vida humana são inconciliáveis. Resta, então, encontrar, até mesmo antes dos recursos econômicos e financeiros de sustentação do uso dos meios técnicos, o ponto de equilíbrio entre o uso criterioso desses meios e a ética que o motiva. Tem-se necessidade de responder a questões cruciais, portanto, tais como: sobre que base e condições serão produzidos e apresentados, por exemplo, programas de rádio e especialmente de televisão que atendam ao mesmo tempo os interesses que conduzem os espíritas aos meios técnicos e o suporte ético imanente? De que forma a noção de sociedade do espetáculo pode nortear a ação sobre a mídia para minimizar os efeitos da dominação pelo próprio espetáculo. Uma vez que o espetáculo se apresenta atualmente de forma insinuante, convincente, como uma forma de vida natural e naturalizada, a tendência da consciência se faz no sentido de unicamente lutar para alcançar os meios técnicos de comunicação e fazer o melhor uso deles em benefício da filosofia de vida norteadora da individualidade. Mas cidadãos comprometidos com a ética alteritária e espírita não podem se satisfazer com isso apenas, sob pena de aumentarem o vazio entre o as condições da práxis cotidiana e o ideal de felicidade humana.
  
Conclusão
 
A consciência promanada da ética da alteridade e da ética espírita, em suas interconexões, juntamente com a análise das condições colocadas pela noção de uma sociedade voltada à espetacularização da vida humana, contribui para a compreensão de que o acesso ao mundo midiático é apenas um caminho para o enfrentamento de outros conflitos, principalmente o conflito entre o espetáculo e o outro. A luta pelo domínio do mundo midiático é uma luta de poder e o comum, historicamente, tem sido o homem lutar pelo poder e, ao alcançá-lo, submeter-se às suas condições. Provado está que, quase nunca, a tomada do poder significa mudança do status quo. E aí, então, caberia fazer uma última pergunta: qual é a vantagem de tomar o poder e continuar o exercício de dominação que o poder confere? Em termos espíritas se poderia perguntar: de que vale poder falar a grandes audiências se estas audiências apenas mudam de canal, mas não de mensagem?
  
Bibliografia
BAKHTIN, Mikail. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo, 8a, Hucitec, 1997.
DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo, Lisboa, Edições Mobilis in Móbile, 1991.
GARCIA, Wilson. A dinâmica cultural na comunicação de massa: uma análise das expressões populares na publicidade e editorial da revista Veja (2003). Dissertação de Mestrado na Faculdade Cásper Líbero.
KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo, Capivari, Ed. EME, trad. Herculano Pires, 1997.