Categoria: Literatura

O amadurecimento do pensamento na escrita de Dora Incontri

RESENHA

Livro: Kardec para o século 21

Formato 18 X 24cm, capa dura, cores

322 págs.

Editora Comenius, Bragança Paulista, SP

O notável escritor Monteiro Lobato, hoje um tanto ofuscado pelo racismo apontado em algumas de suas obras, dizia lá atrás que escrever é fácil, o difícil é passar o pente fino. A notabilidade dos grandes escritores se deve, também, à sua busca incessante pelo primor do texto, pelo refinamento capaz de expressar ideias de modo quase absoluto, mas, também, determinar a marca do estilo único, próprio, pessoal. Um trabalho insano e inesgotável, que cessa apenas quando as forças físicas encontram o seu inevitável declínio.

O texto sucede as ideias, mas os dois andam juntos em relação ao progresso, pois, assim como as ideias avançam, num processo de mudança dir-se-á natural no ser humano, também a escrita o faz, uma vez que haverá sempre um modo, uma forma melhor de representar pela escrita as ideias.

Este fato sobressalta aos olhos do leitor no novo livro da Dora Incontri. Saudado com efusão pela crítica e admiradores da pedagoga, Kardec para o século 21 foi colocado a público na noite do dia 19 de março último, na Livraria da Vila localizada no bairro da Vila Madalena, em São Paulo. Note-se, o pacote chegou (mais…)

Livros, adulterações e o ponto (quase) final

Resenha

Livro: A gênese de Allan Kardec – da polêmica aos fatos

Autores: Adair Ribeiro Júnior, Carlos Seth Bastos e Luciana Farias

Edição digital da Sociedade Espírita Primavera, disponível em Amazon.com

568 páginas, capa a cores

O começo de tudo se deu em 1884, em Paris, França, teve um recrudescimento na década de 1920, no Brasil, e retornou de modo impactante em 2017, concomitantemente na Argentina e no Brasil. Tudo gira em torno da 5ª edição do livro A gênese, os milagres e as predições, de Allan Kardec, acusada inicialmente por Henri Sausse de conter adulterações em relação às primeiras quatro edições.

Esse brevíssimo resumo permite fazer uma linha do tempo para entender as polêmicas que surgiram em torno da denominada adulteração da obra derradeira de Allan Kardec, A gênese, desde o seu lançamento em 1868, suas quatro primeiras edições e aquela que daria margem a toda polêmica atual, publicada meses depois da morte física de Kardec.

Os autores deste A gênese de Allan Kardec entraram em campo depois que O legado de Allan Kardec, escrito por Simoni Privatto e publicado (mais…)

A poeira, o tempo e o momento

RESENHA

Livro: Leopoldo Cirne

          Vida e propostas por um mundo melhor

Autor: Antonio Cesar Perri de Carvalho

Formato: 23cm X 16cm, Capa cores, miolo P/B

194 pp.

Edição: CCDPE-MC / Cocriação

 A trova antiga revela: o tempo não me dá tempo/ de bem o tempo fruir/ e nesta falta de tempo/ não vejo o tempo fugir.

As motivações humanas para as ações cotidianas são, deveras, fruto do contexto, efeitos do momento e da identidade que se revela às vezes de modo inesperado, estando o ser frente ao fenômeno que aprofunda sua condição psicológica e o leva a se ver no outro.

Para o livro em epígrafe, cabe esse raciocínio se feita a pergunta: o que levou o autor de Leopoldo Cirne, livro recém-lançado em São Paulo, a se debruçar sobre a vida de uma das muitas figuras interessantes da história do espiritismo brasileiro, envoltas na poeira do tempo pela distância da duração?

Se o leitor responder que a resposta está no subtítulo Vida e propostas para um mundo melhor, lamento dizer que se enganou, pois, para que este faça tal sentido será preciso subvertê-lo a ponto de levá-lo a uma insignificância mortal e depois ressuscitá-lo antes que se transforme em poeira definitiva.

Vamos lá.

O livro é bom e revelador para ambas as partes, autor e biografado. E, tão importante quanto: para o espírita que tenha o mínimo de interesse pela história, vendo nela um fator fundamental para (in)compreender o mundo.

Se quem fala do outro, fala de si, Cesar Perri se revela ao revelar parte da personalidade de Leopoldo Cirne. Até aqui, nenhuma surpresa. Se elas há, e há, vamos à sua cata, feito um jornalista (mais…)

História geral do espiritismo

Resenha

Autores: Lucas Berlanza e Eric Pacheco

Formato: 16 cm X 23 cm, 516 págs.

Publicação: CCDPE-ECM – São Paulo, SP, 2023

 

Lucas Berlanza e Eric Pacheco assinam esta obra que tem por subtítulo Resumo Expositivo. Trata-se de um livro com prefácio de Marco Milani e uma proposta de reunir as principais informações sobre o espiritismo a partir da codificação de Allan Kardec

A proposta é bastante interessante, sem dúvida nenhuma, pois objetiva estabelecer uma sequência histórica dos principais fatos desde o espiritualismo moderno até os dias atuais, preocupando-se especialmente em elencar os fatos de forma didática e temporal, sendo, pois, um livro que pretende também, por consequência, auxiliar os estudos da matéria por pessoas e grupos, facilitando-lhes o caminho do conhecimento.

Com isso, procuram os autores reunir os documentos que validam as novas descobertas a respeito da doutrina e do seu personagem principal, Allan Kardec. Ao seguir por essa trilha, os autores não só corrigem informações equivocadas, como também mitos e fantasias criadas sobre (mais…)

Cidadão Rivail – Raízes e vida de Allan Kardec

RESENHA

Autor: Pedro de Campos

Formato 16 x 23 cm

Capa dura – 880 págs.

Casa Editora O Clarim, Matão, SP

Recém-lançado, após um breve período de pré-venda, o livro em foco tem a sua edição sob a responsabilidade da conhecida O Clarim, casa fundada por Cairbar Schutel no primeiro quarto do século XX. Trata-se de uma obra volumosa – 880 páginas – muito bem impressa e de fino acabamento.

Confesso que não conhecia o autor, Pedro de Campos, embora a ele se atribua a escritura de outros livros. A publicidade feita pela editora despertou-me grande expectativa, especialmente pelo fato de vivermos um período fértil em documentos novos sobre a vida, o trabalho e a obra geral de Allan Kardec. Pelo título, Cidadão Rivail – Raízes e vida de Allan Kardec, e a proposta informada de uma atualização de tudo o que de mais recente existe sobre o assunto, era possível aguardar um trabalho que pudesse nos trazer uma linha do tempo capaz de posicionar os leitores de forma clara e precisa.

Essa expectativa é atendida em parte. Trata-se, de fato, de mais uma obra de fôlego, dada à, sem dúvida, exaustiva e extensa pesquisa revelada pelo autor deste novo cidadão Rivail, obra que vem se juntar a inúmeras outras publicadas no período recente no meio espírita, as quais reposicionam a figura de Allan Kardec no espaço e no tempo, do contexto em que surgiu à obra realizada, especialmente seu pensamento enquanto fundador do espiritismo. (mais…)

O que você morre e o que vive

Samba, de Di Cavalcanti, transformada por IA.

Quando não ceifada antes da morte natural, a árvore se desfaz no lento processo do tempo. Seus lamentos, se lamenta, não são audíveis e sua memória, se existe, não roga luz. A árvore simplesmente cumpre o seu trajeto na vida e deixa à natureza o destino. Quando ela morre todos sabemos o que acontece.

O homem, em sua sabedoria anã, torce e retorce na duração escassa do tempo em que (sobre)vive, desejando que a memória seja imortal, posto que de si mesmo desconhece as duas: (i)mortalidade.

Mais do que a ansiedade da vida há a da história. O tempo que encurta dia a dia surpreende pela rapidez com que se despetala e aumenta essa ansiedade de memória. A contrapartida surge no desejo de registrá-la cada vez mais cedo. Por isso, homens com parca história já se sentem premidos para contar suas experiências. É verdade, também pressionado pelo sistema de compra e venda que o oprime.

As (auto)biografias de vidas que nem alcançaram o segundo degrau da escada inundam as estantes das livrarias e fazem jorrar ausências, porque onde não tem história sobra palavra. Só quando o estilo é bem cuidado se ganha alguma coisa. Mas… isso é raro e pouco.

 O homem ansioso do nosso tempo não quer simplesmente ver esvaírem-se seus dias sem dar sua versão de si nem substituir os vazios por ações capazes de fazer história. O ver e fazer-se ver justificam as mentiras, as omissões e as fantasias contadas com toda seriedade. Leia o texto completo

 

Um coração grande para uma razão imensa

O caro Arnaldo da EME, amigo de tantas décadas, que assina Rodrigues de Camargo, enviou-me em abril passado um exemplar do seu livro Mente saudável, vida serena, recém-publicado pela mesma editora que fundou e com garra especial dirige na cidade de Capivari, interior de São Paulo. Edição bem cuidada, com ilustrações expressivas e cores leves, em acordo fino com o sentido dos textos que reuniu, páginas de sua criação esparsas aqui e ali, agora num só volume.

Aí está. Mente saudável, vida serena nos trás um Arnaldo de hoje, depois das esfregas editoriais que todo gráfico há de ter para ser de fato um editor, e das subidas e descidas da vida que a estrada apresenta em suas surpreendentes nuances diárias; mas é, no fundo, o mesmo homem de mais de quatro décadas atrás, quando o conheci e desde então persegui e provoquei, vi e admirei. Dedicado às boas causas, persistente, aprendiz em regime continuado, de fala tranquila, editor mais por destino que escolha, mas desafiador no ramo livreiro pelo qual se empolgou: o livro espírita.

Quando leio as páginas deste seu Mente saudável, vida serena, confesso, (mais…)

O cerne da questão dos sofrimentos futuros

Com o advento da concepção da autonomia moral e livre-arbítrio dos indivíduos, a questão das dores e provas futuras encontra uma nova noção, de acordo com o que se convencionou chamar justiça divina.

O pior das discussões sobre os fundamentos do espiritismo se dá quando nos afastamos do ponto central ou, tão prejudicial quanto, sequer alcançamos esse ponto, ou seja, permanecemos na periferia dos fatos, casos e acontecimentos justificadores. As discussões costumam, normalmente e para mal dos pecados, se desviarem do foco e alcançar um estágio tal de distanciamento que fica impossível um retorno. Em grande parte das vezes, o acirramento dos ânimos se faz inevitável.

A ideia da autonomia moral é alentadora. Antes se dizia: “quem o alheio veste na praça o despe”. Essa palavra é expressiva, mas parcial, pois não abrange um percurso mínimo de explicação de um fato. Bem compreendida, porém, fará sentido e então não será repelida.

O advento do espiritismo trouxe uma nova visão, revolucionária, para a justiça dita divina, mas, a princípio, talvez pelo afã de tentar aplicar a ideia (mais…)

O gato e o guizo

Ou por um espiritismo respeitado.

 

Fazia mais de três meses que o gato fora tirado de casa e posto na rua. Ou não perceberam, ou não o viram, ou, quem sabe, não quiseram ver. Teriam sido iludidos por uma imagem que o tempo familiarizou, a do bichinho terno e meigo? Sabem todos, as imagens possuem uma capacidade intrínseca de iludir, posto que parecem fáceis de ler. Ninguém viu. Estavam como na canção do Chico, “falando de lado e olhando pro chão”?

Havia no gato de pele macia uma mancha vermelha, chamando a atenção de tal forma que deveria incomodar ao primeiro transeunte que passasse por ele. Impossível não notar. Ainda assim, o gato caminhava no seu passo manso por entre pessoas proseantes, risonhas, jovens e adultos, vestidos com aprumo ou em trajes simples, gente que passeava ou andava a passo largo rumo ao trabalho. Como não o veriam, o animalzinho que tantos encantos arranca, com aquela mancha postiça tão marcante?

O nosso personagem virou esquinas, andou em avenidas, passou por ruas descalças, esteve em frente a prédios suntuosos e casas simples, viu pessoas nas janelas e janelas sem ninguém e apesar do seu miado dolorido, (mais…)

Allan Kardec: texto e contexto

SOBRE AS EDIÇÕES “ANTIRRACISTAS” DE SUAS OBRAS *

Por Jon Aizpúrua

I – O TEMPO DE KARDEC E OS AVANÇOS CIENTÍFICOS E SOCIAIS

Ao longo dos séculos, a humanidade passou por muitas e intensas revoluções do conhecimento que estão oferecendo novas perspectivas para a compreensão e interpretação do que constitui o que é concebido como realidade. É o que se chama, segundo Kuhn, mudança de paradigma, ou seja, a substituição de antigas abordagens por outras mais eficientes para explicar contradições, esclarecer enigmas e apresentar hipóteses que parecem ter maior plausibilidade e que, se verificadas, são incorporadas ao patrimônio científico e cultural. O dinamismo e a interação desses processos são a própria essência do progresso.

A emergência de novos paradigmas ou esquemas interpretativos sobre o universo, a vida, o ser humano, bem como os princípios e valores vigentes no campo cultural de ordem ética, moral ou jurídica, ocorre em determinado contexto social, histórico, econômico, político ou espiritual, de modo que nenhum sistema de pensamento escapa aos condicionamentos inerentes à época em que aparece e se desenvolve, Isso se manifesta na aceitação das crenças dominantes e na linguagem utilizada para expressá-las.

É claro que o espiritismo não é exceção a essa lei geral que sinaliza o processo gradual de avanços no campo do conhecimento. Surgido em meados do século XIX, graças ao trabalho minucioso, teórico e experimental, realizado por Allan Kardec, com a assessoria de espíritos desencarnados de elevada condição intelectual e moral, não poderia deixar de receber as influências do contexto geral de sua época, representado pelas ideias filosóficas, científicas, (mais…)