Por razões que a própria razão (des)conhece, numa paródia ao conhecido verso de Blaise Pascal, encontro aqui e ali, no SSD ou nas núvens, textos esquecidos, que deveriam (ou não?) ter sido publicados, enviados ou oferecidos, e não foram. Resolvi criar esta página para os ir colocando na forma como os escrevi, de modo a atingir dois objetivos: retirá-los do limbo do esquecimento e disponibilizá-los sem provocar evitáveis confusões de interpretação. Quando possível, indicarei a data real de sua produção, para que você, leitor amigo, possa deles se apropriar e, se possível, ler com os olhos voltados ao contexto motivacional em que de fato foram escritos. Boa leitura.
O espiritismo segundo o evangelho
(Texto escrito em 25/08/2018)
A inversão de valores ganhou adeptos, cresceu e atualmente aquele que não adere é julgado fora da ordem e desnaturalizado.
Há um processo imperceptível, gradual, que altera a ordem dos fatos e inverte posições. Kardec começa sua obra pelo Livro dos espíritos e a filosofia. Produz, na sequência, o Livro dos médiuns, promovendo a razão que explica os fatos e dá suporte à filosofia. Por fim, entra na natureza de Jesus e no seu ensino e assenta a moral consequente da filosofia inicial. Está, assim, formalizado o Espiritismo em bases que, para usar o lugar comum, representam uma construção sobre a rocha.
O processo de degradação – e não se imagine que falo aqui de pureza doutrinária – inicia-se logo a seguir e este processo pode ser elevado ao nível da naturalidade, mesmo que ele se dê, em verdade, no nível da cognição. Assim como a natureza leva a vida a alcançar rapidamente o seu ápice e depois entrar em declínio, a construção do conhecimento, em certa medida, obedece ao mesmo processo de apogeu e declínio.
O apogeu de Kardec encontra-se no momento em que a sua obra é colocada à disposição do leitor e não quando este leitor a completa; é ali, na exposição pública e incontrolável do pensamento em forma de discurso que o autor se dá à contemplação do conteúdo e à reflexão dos seus desdobramentos. Após, não pode mais controlar esses desdobramentos que surgem com a recepção, significando aqui o começo do declínio da obra e o início de construção de um novo conteúdo, que já não será mais tão-só o pensamento e as significações propostas pelo autor, mas a soma destas com as que o leitor então elabora. Não se trata de justificar nenhum desvio ou nenhuma possibilidade de aceitação de todos os pensamentos conflitantes; quer-se dizer que não podendo manter a plenitude de seu pensamento fundador, o autor deve se consolar com as aproximações possíveis, maiores ou menores, dos significados dados pelo leitor com os que propôs no discurso. Nada mais, nada menos.
Um amigo invadiu meu IP para dizer-me que eu não gosto de Jesus, pois nunca me ouviu falar (e escrever, claro) sobre Jesus. Como receptor da obra de Kardec, está certo em seu juízo sobre mim, mas completamente errado do ponto de vista histórico, no qual se mostra ignorante. A ideia de que precisaria ouvir-me falar sobre Jesus a toda hora para entender que valorizo a figura do homem de Nazaré é, possivelmente, concernente com o significado que emprega para o espiritismo, segundo o qual a doutrina não se assentaria sobre o alicerce do conhecimento, mas sobretudo do sentimento. Neste caso, ombrearia com aqueles que aplicam os ensinos de Jesus, na sua originalidade evangélica, como o remédio para todos os males da humanidade, independentemente da dosagem, da prescrição e dos sintomas do ser sociocultural representado pela sociedade humana. Mas independente, também, da razão espírita. Estaria a ordem kardequiana invertida? Ou seja, a leitura dos evangelhos feita por Kardec com suas novas significações estaria agora submetida a uma ordem secundária, segundo a qual a força daqueles supera a deste, justificando, pois, a ideia de um espiritismo dependente dos antigos textos atribuídos aos evangelistas? A julgar pelo que se vê e observa, sim.
Uma esmagadora maioria de discursos nas redes sociais, nos salões dos centros espíritas, nos congressos, nos livros e na linguagem do cotidiano empregada nas relações sociais revela essa preocupação com a figura e as palavras de Jesus, numa espécie de retorno à era pré-espiritismo. Tal é a força desse movimento que se generaliza e abre mão da razão espírita, que iniciativas como uma nova tradução dos textos dos evangelhos é materializada com o mesmo peso das obras escritas por Kardec, desprezando-se, até mesmo, traduções consideradas por este como de alta qualidade, qualidade que as novas traduções nem de perto alcançam. O evangelho pós espiritismo é o Evangelho segundo o Espiritismo; o evangelho na era pre-espírita é o evangelho segundo as interpretações das diversas correntes do pensamento.
A razão espírita, aquele bom senso empregado por Kardec na reinterpretação dos ensinos de Jesus se mostra indispensável ao olhar do homem ontológico do século XXI. Dispensar esse bom senso é retornar ao passado das interpretações limitadas, em que o conhecimento das leis naturais, das relações entre os humanos e os espíritos e de tantos outros princípios não haviam despontado, pois surgiram apenas com a publicação do espiritismo. Semelhante acontecimento ocorre com a obra e a figura de Chico Xavier. Alguns insistem ser ele a reencarnação de Allan Kardec, de modo a fixá-lo como uma espécie de evolução do pensamento espírita, com o que a obra original ficaria superada. Assim como não há nem prova nem bom senso nessa tentativa insana, também não há razão para imaginar que a obra de Chico Xavier, inigualável, é verdade, em termos gerais, seja o espiritismo um passo à frente. Ao contrário, essa obra é toda ela dependente da codificação feita por Kardec e somente pôde aparecer por conta da existência do espiritismo. Não fosse este, Chico ficaria solto no ar pela ausência dos princípios fundamentais que sustentam e dão sentido à obra por ele psicografada. Kardec, portanto, segue à frente de Chico Xavier e de todos quantos se inspiram no espiritismo para realizações desse porte.
Não faz nenhum sentido, portanto, imaginar a possibilidade de um espiritismo segundo o evangelho, determinado ou direcionado por esse. Os ensinos de Jesus só se tornaram legíveis depois que Kardec em toda a sua obra apresentou as bases para a reinterpretação dos evangelhos. Antes, os milagres e tudo o mais que ali se apresenta eram vistos como algo fora da natureza, mas com o espiritismo tudo isso tornou-se claro, uma vez que estão dentro das leis naturais e se enquadram nos princípios como mediunidade, reencarnação, imortalidade e todos os outros.
Assim, não há espiritismo segundo o evangelho, mas Evangelho segundo o espiritismo.
O que você morre e o que vive
(Texto escrito em 29/08/2018)
Quando não ceifada antes da morte natural, a árvore se desfaz no lento processo do tempo. Seus lamentos, se lamenta, não são audíveis e sua memória, se existe, não roga luz. A árvore simplesmente cumpre o seu trajeto na vida e deixa à natureza o destino. Quando ela morre todos sabemos o que acontece.
O homem, em sua sabedoria anã, torce e retorce na duração escassa do tempo em que (sobre)vive, desejando que a memória seja imortal, posto que de si mesmo desconhece as duas: (i)mortalidade. Mais do que a ansiedade da vida há a da história.
O tempo que encurta dia a dia surpreende pela rapidez com que se despetala e aumenta essa ansiedade de memória. A contrapartida surge no desejo de registrá-la cada vez mais cedo. Por isso, homens com parca história já se sentem premidos para contar suas experiências. É verdade, também pressionado pelo sistema de compra e venda que o oprime.
As (auto)biografias de vidas que nem alcançaram o segundo degrau da escada inundam as estantes das livrarias e fazem jorrar ausências, porque onde não tem história sobra palavra. Só quando o estilo é bem cuidado se ganha alguma coisa. Mas… isso é raro e pouco. O homem ansioso do nosso tempo não quer simplesmente ver esvaírem-se seus dias sem dar sua versão de si nem substituir os vazios por ações capazes de fazer história. O ver e fazer-se ver justificam as mentiras, as omissões e as fantasias contadas com toda seriedade.
A duração parece longa demais para o homem ansioso de memória imediata, especialmente aquela que deseja registrada à sua feição. Deixar que a natureza se incumba de dizer quão valiosa e útil foi uma vida faz tremer seus alicerces. Afinal esse homem não é nenhuma árvore. Pior do que o odor do interior do túmulo é o silêncio. O homem de hoje deseja a todo custa falar para ser falado, por entender que as justas homenagens só fazem sentido enquanto está aqui. A morte é a viagem do silêncio, que não permite mais prazer algum, nenhuma satisfação e, mais importante, não permite ao ser sorver com o olhar da vaidade tudo quanto possam bem-dizer dele. O túmulo mata.
Por isso, esportistas, jornalistas, atores, religiosos e toda sorte de personalidades televisivas logo são assediadas por escritores-fantasmas, também estes interessados na fama e nos lucros da compra e venda, com propostas irrecusáveis para contar suas quase-histórias com um discurso de sub-literatura. Esse (bem mal) dito homem de hoje é o velho homem das cavernas da história, com o corpo ereto e a mente em estado de necessidade social, mas, acima de tudo, espiritual. Talvez, quando descobrir que no túmulo costuma-se ouvir intensos barulhos e sonoras gargalhadas advindas do eco provocado pelas falas externas, então cuidará mais do ser que do parecer. Sem ansiedade alguma.
À voz pequena, diz-se que alguns túmulos se estendem, como árvores, pelo tempo também ali incontrolável, sob cuja prisão protetora(?) o homem se agita entre vozes externas e suspiros de esperança, num modo factual de desejos por libertação e promessas da consciência madura. A mesma voz parece conferir possibilidade ao vivente tumular transitório, amainado-lhe as ansiedades. Nesse período, pelo que transpira, as vozes e risos externos ficam cada vez mais familiares, suaves e audíveis, até que cessam de vez e uma nova criança vem à luz, pela luz e da luz sequiosa.
Que multidão me mutila?
(Texto escrito em 30/08/2018)
A multidão me assombra, sob quaisquer dos seus aspectos. Nela, sinto-me comandado, empurrado, mutilado, indefeso, impelido, sem controle.
Na multidão não sou nada, nem gente, nem ser, nem ente. Sou vara de marmelo, pronta para açoitar, marcar, afirmar, sob o comando do desconhecido, de voz qualquer.
Com a multidão me vejo forte, de uma força descomunal, despido de sentimentos, de capacidade de controle, de tempo e pensamento. Deixo de ser alguém na multidão, para me tornar instrumento, dente de engrenagem, vórtice sugador, martelo de bater, espada de matar, aríete de atirar e destruir.
Na multidão me perco de tudo aquilo que sou, sonho, projeto, desejo, aspiração. Sou voz descontrolada, abafada, inaudível, descoordenada. Quando só, posso ser pacífico, mas quando número em meio à turba sou projétil disponível, odiento, destruidor, pólvora em combustão.
Na sociedade, sou matéria, sou espírito, inteligência pronta para a liberdade; na multidão sou ser inanimado, desenraizado, galho venenoso, assassino potencial. Em meio à multidão sou corpo, sangue e músculos. Deixo de ser bom senso para me tornar dissenso, imbuído de coragem, assaltado pelo furor.
Sou manso quando só, pacífico quando sonho. Na multidão sou olhos de fogo, braços de Maciste, cabelos de Sansão.
Nasci espírito do útero acolhedor para, na multidão, morrer matéria, desamparado. Vim e cheguei do meu próprio desejo de me ter e me dominar, mas me perco de cobiça e ilusões atirado, direcionado, mutilado pela multidão.
Ela, a multidão é meu carrasco, minha sina, meu ambiente, meio e fim. Basta!
Um trono para uma rainha
(Texto escrito em 26/02/2019)
Conta-se que num país distante uma jovem de beleza invejável sonhava um dia poder sentar no trono e de lá irradiar toda sua bondade e justiça aos seus súditos. Depois de muito esforço, conseguiu aproximar-se do rei e sua beleza o fez sorrir, sua graça o conquistou e sua inteligência fê-lo reverenciá-la.
O rei ofereceu-lhe um lugar próximo ao trono e a jovem, toda contente, sentiu-se elevada aos céus. Logo, porém, estar próxima do rei não lhe era suficiente, de modo que ambicionou casar-se com o conselheiro e amigo do rei, de modo a mostrar toda sua capacidade e lealdade, porém o conselheiro do rei já havia escolhido aquela que faria parte de sua vida, e não era ela.
Isso deixou a moça triste durante muito tempo, mas ela não perdia a esperança de um dia desposá-lo. Contudo, vendo que o conselheiro do rei havia tornado realidade seu casamento com a moça que escolhera, e tendo ele partido para uma longa viagem, a jovem se colocou em presença do rei e se disse à disposição para ocupar o lugar de conselheiro provisoriamente vago, obtendo do rei, que a admirava muito, pleno consentimento.
E foi dessa forma que a jovem passou a saber das intimidades do rei, das suas angústias e dos seus sonhos, admirando-se logo pelo fato de que de perto o rei parecia ainda mais belo e inteligente do que à distância. Mas quando o conselheiro do rei retomou o seu posto, a jovem soube que deveria prosseguir e erguer o seu próprio trono de outra maneira.
Foi assim que se despediu do rei garantindo que continuaria fiel a ele por todo o sempre, e que ele seria o rei que jamais conheceu antes. Vendo que não conseguiria um trono à altura daquele rei que tinha sua admiração, a jovem então desposou o príncipe de um reino próximo e reafirmou de uma vez por todas que construiria seu trono, custasse o que custasse, fosse ele qual fosse.
Descobriu depois que em se fazendo amiga dos amigos do príncipe obteria mais rapidamente as condições para erguer o seu trono. Percebeu também que para construir um reino tão bom e tão ambicionado como aquele do rei que admirava, precisava de súditos tão fieis quanto os que o rei tinha. E para dotar o seu reino das condições semelhantes à do seu rei, precisava conhecer outros reinos espalhados pela Terra.
Sem perder tempo, viajou léguas, visitou dezenas de reinos, conheceu os mais diferentes tipos e lugares e depois de muito tempo retornou à sua terra sentindo-se pronta para finalmente erguer o seu reino e sentar no seu trono. Foi então que solicitou ao rei uma audiência e relatou a ele o plano, dizendo que, se o rei concordasse, ela ergueria o seu reino em homenagem a ele, obedecendo-o cegamente por todos os séculos, ficando claro que ele, somente ele, merecia a total confiança dela, pois por todos os reinos em que passara em sua longa viagem, nenhum se mostrou tão magnífico em virtudes quanto o do rei.
Mas havia um problema: ela precisava de terras para construir seu reino e esperava que o rei a auxiliasse oferecendo uma parte, pequena que fosse, do reino onde reinava com tanta sabedoria. Comovido com tamanha lealdade, o rei não se fez de rogado e permitiu que ela construísse o seu reino ali bem ao lado, dando-lhe de presente ótimas terras e até alguns súditos de sua confiança. A jovem logo adquiriu um trono semelhante ao do rei e montou seu reino à imagem dele, estabelecendo normas e regras como as que vigoravam no reino que tanto admirava. E passou a viajar pelo mundo afora falando do seu reino e exaltando a figura do rei bondoso, o melhor que a Terra jamais tivera, que a recebia a qualquer hora do dia e da noite, sendo-lhe a inspiração para todos os seus atos e desejos.
Os auditórios ficavam sempre lotados de pessoas curiosas, pois a fama do rei era no mundo todo de muito tempo conhecida, assim como suas façanhas e lutas gloriosas. Sua bondade era sem limites, seu sorriso encantador, sua palavra sempre confortadora. O dia que todos sabem que vai chegar, mas ninguém espera que chegue, chegou. O rei foi declarado morto e a jovem rainha, então, sentiu-se livre para exaltar as maravilhas do rei e contar tudo o que já se sabia e o que ainda não se conhecia a respeito dele. Seus feitos, nas palavras dela, eram muito mais grandiosos do que alguém um dia dissera.
Não havia palavras nem frases capazes de expressar a elevada estatura daquele que, fazia questão de dizer, era seu amigo íntimo, aquele que a recebia e também lhe fazia confissões jamais feitas a outrem. A jovem era muito mais amiga do rei do que imaginavam os súditos dele e os dela, e todos aqueles que ainda não eram súditos de ninguém. Um dia apareceu no seu reino um jovem mancebo dizendo que também fora amigo do rei e tinha revelações extraordinárias a fazer e ela seria a primeira pessoa a ouvir tais revelações.
A rainha encheu-se de orgulho e pensou: só o destino mesmo para me trazer tamanha responsabilidade. E foi assim que ouviu, enternecida, as histórias do jovem recém-chegado, sem saber que aquele jovem, semelhante a ela, também desejava erguer seu reino e construir um trono com a mesma magnificência do trono do rei que ambos admiravam. A embevecida rainha deu todo o apoio ao jovem mancebo e fez espalhar por todos os reinos possíveis as histórias contadas pelo mensageiro feliz, garantindo que eram todas verdadeiras, pois foram ouvidas pelo jovem da própria boca do rei morto, de maneira que todos deveriam acreditar nelas como se tivessem sido ditas pelo próprio rei. A notícia espalhou-se com rapidez e em lugar de levar apenas consolo e saber aos súditos, fez implantar um estado de medo e amargura entre todos, pois algumas dessas histórias falavam de um tempo próximo em que o céu se aproximaria da terra e esmagaria com suas nuvens de gelo todos os indivíduos que não pertencessem ao reino do antigo rei.
A rainha, sentindo-se protegida porque sempre fora amiga do rei e tinha seu reino em terras que ele bondosamente lhe dera, prosseguiu avalizando não mais apenas as proezas magníficas do rei como também a notícia das revelações, enquanto o jovem mancebo, com o aval da rainha e seu ímpeto de pretendente ao trono, colocou-se a viajar por todos os reinos existentes, para disseminar pessoalmente as boas novas que ouvira do rei e para alertar a todos sobre a necessidade de se prepararem para os tempos fatídicos. O dia que todos sabem que vai chegar, mas ninguém espera que chegue, chegou novamente. E a rainha em seu trono foi tomada de um mal súbito que fez secar todas as suas artérias, impedindo-a de ver acontecerem os tempos fatídicos prenunciados.
Ainda assim, dizem que ela partiu feliz, embalada pelo sonho de encontrar o rei pairando bem acima das nuvens de gelo, imune aos desastres iminentes, esperando-a para acolhê-la no seu reino definitivo, onde, dizem, divide com os arcanjos o poder sobre a Terra.
O jovem mancebo, apesar de ver os tempos chegarem sem que os desastres anunciados com tanto alarde se consumassem, continua na busca pelo seu trono, acreditando ainda na revelação de que o céu se aproximará um dia da terra e esmagará com suas nuvens de gelo todo o mal de uma vez só.
Quando cobrado sobre essas revelações anunciadas e não confirmadas, reconhece que não fora muito feliz na interpretação primeira, mas diz que continua estudando as palavras do rei e refazendo seus cálculos matemáticos, agora auxiliado por grandes expressões da física, de modo que quando voltar para reafirmar as revelações será de modo definitivo.
Todos devem esperar para ver.
Atenção: qualquer semelhança com fatos e personagens reais, talvez, não será mera coincidência).
A (im)prensa. E o espiritismo?
(Texto escrito em 11/11/2019)
A diferença entre a prensa e a imprensa é que a primeira coloca no suporte aquilo que a segunda publica.
Mas a diferença é muito mais do que escrever e ler, como bem o percebeu o caríssimo amigo Carlos Barros do jornal Kardec ponto com, edição out./nov. 2019, que, junto de sua esposa, é um dos poucos e admiráveis jornalistas abertos e livres-pensadores do nosso também admirável novo mundo espírita.
Tão logo tomou conhecimento pelo nosso blog do evento Espíritas à esquerda providenciou a imediata abordagem do assunto no seu respeitável veículo de informação, repercutindo não apenas o tema, mas também o acontecimento. Prensa e imprensa do melhor quilate em se tratando de ambiente espírita. Não é o caso de tecer loas superficiais, mas de registrar uma verdade de quem conhece o Carlos há mais de 30 anos. Tanto é que o Kardec ponto com tem como subtítulo: O JORNALISMO ESPÍRITA FEITO PARA VOCÊ REFLETIR, QUESTIONAR E DEBATER.
Quem mais se atreverá a segui-lo? Carlos ficou surpreso, pois desconhecia o assunto. Escapou-lhe as inúmeras aparições e chamadas sobre o evento nas redes sociais. Lamentou não haver recebido releases, no que tem razão, mas razão parcial, pois sabe que o jornalismo é ativo e reativo. De qualquer forma, o bom disso é que mostra a qualidade do jornalista, que não aceita ser o segundo a saber dos acontecimentos.
Nenhum jornalista ou implicado com o jornalismo deveria aceitar. Vamos à edição do Kardec ponto com. Primeiro a palavra do Carlos, na 2ª página, Opinião (Editorial). Diz: “O DESABAFO do jornalista e blogueiro Wilson Garcia – “Foi como se não existisse” – deve atingir primeiro quem não compartilhou release e banner do evento,ou seja, aqueles que ficaram responsáveis pela distribuição do material e não o fizeram”. Registro: eu também não recebi diretamente nada, mas acompanhei as notícias que davam conta do evento e repercuti o fato, o acontecido, escrevendo sobre no dia imediato ao encontro de Salvador. Diz ainda o Carlos: “Seria interessante que o porta-voz do grupo “Espíritas à Esquerda” dissesse a que veio e quais as suas propostas para melhorar a política conjuntural do País, usando a bandeira do Espiritismo”.
Taí, amigo, uma boa pauta para o Kardec ponto com. Estimo que possa entrevistar o ou os responsáveis e esclarecer o assunto, inclusive esta frase que você sublinhou: “usando a bandeira do Espiritismo”. A princípio, não me parece que tenha sido essa a intenção, mas posso estar errado. Peço-lhe, Carlos, considerar uma inversão na última frase do seu editorial. Em lugar de “sem informação não há comunicação”, que tal: sem comunicação não há informação? Em frente, mas com um registro: a matéria que deu origem a esse debate no Kardec ponto com, publicada em meu blog, traz uma série de depoimentos sobre o tema e o encontro de Salvador, contudo, lamentavelmente nenhum desses depoimentos foi levado em consideração pelos depoentes na longa abordagem do Kardec ponto com.
Caso isso tivesse ocorrido, não tenho dúvidas, contribuiria muitíssimo para o enriquecimento do debate. Carlos registra à página 5: “A CEI pediu opinião aos seus correspondentes sobre o surgimento do grupo “Espíritas à Esquerda”. E informa: “Confira algumas opiniões acerca do polêmico assunto. Teve quem opinasse em “off” para não ficar de mal com os amigos”. Sobre o off creio seja comum esse tipo de comportamento, que é em sua essência comportamento político. O pior é quando ele beira à omissão ou se transforma em fofoca entre amigos, refletindo a hipocrisia no pior sentido moral. Vários opinaram.
Sigo-os em breves lances. Marcos Paterra, jornalista e psicopedagogo: “[…] Leon Denis no livro “Socialismo e Espiritismo” deixa claro que chamava Karl Marx de “homem odioso” e “acido” e achava a metodologia marxista muito manipuladora, e criticava revoltado o uso de seus textos pelos movimentos universitários para defender ideia Marxista”.
Não entendo qual a relação de tal afirmativa com o encontro Espíritas à esquerda, mas fico com a sensação de que reflete um sentimento de que ser de esquerda é ser marxista ou comunista e, neste caso, incorre em crasso erro de generalização. Mais à frente, Paterra diz: “Uma coisa é você comentar o que é certo ou errado conforme “sua opinião” em uma roda de conversa ou mesmo em uma reunião onde há outros espíritas… Fazer disso uma bandeira partidária torna-se (na minha opinião) uma tentativa de rachar o movimento espírita, como se tivesse de ter os espíritas de esquerda e os de direita”.
Permita-me duas colocações: o interesse público é o que direciona o bom jornalismo. Assim, quando um assunto se torna público, querer mantê-lo reservado é negar o direito à informação. No caso da política, ninguém de bom senso vai dizer que o seu interesse deve ser reservado unicamente à esfera privada, mesmo entre os espíritas. Por outro lado, “bandeira partidária” no caso, só pode advir de uma ilação, uma vez que não vem acompanhado de uma referência que o sustente.
Jota Jota Torres, jornalista aposentado: “Deixemos de lado essas ferrenhas antipatias com quem é “de direita”, “de esquerda” ou “de centro”. Precisamos aprender a praticar aquela política que esteja embasada nas boas-aventuranças de Jesus. Dentro ou fora do movimento espírita, seja qual for o seu segmento. O resto é com a nossa consciência… depois de “morto”. Boa recomendação do velho jornalista. Só acrescento: a consciência pede passagem urgente aqui, no agora, também, onde tem preferência em relação ao “depois de morto”.
Ivan Renê Franzolim. Amigo de longas jornadas: “Kardec mencionou claramente a recomendação de não discutir política no ambiente espírita. Eu aceito, não pela recomendação dele, mas, porque faz sentido. Tenho visto muitas manifestações emocionais e completamente desequilibradas de pessoas mais à esquerda e mais à direita. Triste”. Conheço essa opinião do Ivan e concordo se o sentido é: nada de política partidária no ambiente espírita nem esse negócio de criar partido político espírita. Resta saber se a discussão levada a efeito no Encontro de Salvador deve ser considerado “ambiente espírita”. Não o sendo, seria ela legítima? Ou deve-se entender – o que seria claro nonsense – que espírita não pode discutir política em nenhum ambiente público, por que isso estaria comprometendo a doutrina?
Manoel Guimarães Júnior, blog EspiritualMente: “É lógico também que todas elas [tendências políticas] possuem vantagens e desvantagens para cada segmento social, ou seja, há aspectos positivos e negativos tanto da linha “esquerda” quanto da “direita”. Além disso, de acordo com as nossas vivências e experiências na sociedade, vamos nutrir sempre uma afinidade por algum caminho, partido ou pensamento político, que pode ser de direita, esquerda ou centro.
Mas como trabalhadores e estudiosos espíritas, acho que não devemos nos envolver com política. Este também era o pensamento de José Herculano Pires, um dos grandes pensadores do Espiritismo do Brasil”. A citação a Herculano Pires é incorreta. Não se pode esquecer que ele foi Chefe da Casa Civil em São Paulo do Presidente Jânio Quadros e foi jornalista encarregado, por alguns anos, da cobertura na Câmara de Vereadores de São Paulo. O que ele considerava, com força, era a separação entre doutrina espírita e política. E mais: dizia que o espírita enquanto cidadão tinha suas responsabilidades políticas, alertando, todavia, que quando com tendências à participação política devia se munir de uma força, uma vontade firme, de uma postura moral suficiente para enfrentar todos os percalços que o caminho político apresenta.
Beatriz Noronha Dipace, assistente social: “Espiritismo “de esquerda”? Tem gente do PT no meio! E essa gente não é nem nunca será espírita, em defesa dos interesses do povo que vive no maior “miserê”, depois que os governos anteriores “descobriram” onde estava guardado nosso suado dinheirinho”. Vê-se claramente nessa opinião um desconhecimento total do assunto, além de um posicionamento preconcebido em relação ao tema. Omitir a própria opinião quando não se conhece os fatos é da lógica e do bom senso espírita.
Wilson Longobuco, jornalista. Grande amigo e velho batalhador. Até onde tratou dos conhecidos espíritas políticos bem difundidos, foi correto, assim como quando se refere ao direito dos que organizaram o Encontro espíritas à esquerda. Mas desanda e se revela quando faz as seguintes considerações: “AGORA, o que vem a ser “espíritas à esquerda”? Seria uma posição crítica em relação ao movimento espírita vigente? Existe, por acaso, o Espiritismo de “direita”, o Espiritismo de “centro”? ORA, por favor, que me desculpem esses arautos da “esquerda” espírita. Que procurem o que fazer de útil. O que estão tentando fazer é um desserviço à Doutrina Espírita. ESSES “esquerdopatas” ainda não entenderam as diretrizes básicas preconizadas pelo gênio lionês, Allan Kardec. FALA sério!” Pois é, o amigo Longobuco não susteve o ímpeto e esqueceu-se do elementar dever de não falar do que não sabe, além de cometer agressões morais e intelectuais aos participantes do encontro. A emoção o levou a confundir espíritas à esquerda com Espiritismo de esquerda. As perguntas que faz são a prova de que desconhece por completo a gênese, os interesses e as consequências do encontro. Isso, sim, pede um – fala sério!
Carmem Paiva. Nossa querida amiga faz um bom apanhado das dificuldades que as lutas políticas apresentam, bem como das frustrações de muitos espíritas com suas incursões nesse campo de atuação, sem deixar de transparecer um certo pessimismo. Após, diz ela: “QUANDO surge grupo de espíritas querendo fazer Política com a bandeira do Espiritismo, com a “promessa” de refletir a sociedade e as conjunturas do País, é natural que logo sejamos “alertados” pela desconfiança”. Diria eu que é comum ter-se esse tipo de sentimento, mesmo porque há muitas experiências que não deram certo ou que serviram a aproveitadores no passado distante e recente. Todavia, há também experiências positivas e animadoras, uma vez que o espiritismo, como se sabe, possui grande capacidade de moldar consciências no trabalho do bem e do belo. Carmem finaliza: “SE ESSES espíritas politizados, ex-ministros de governos anteriores, sabem o quanto é difícil fazer Política para beneficiar o povo, por quê estão interessados, agora, em levantar a bandeira da ideologia partidária espírita? Pensemos nisso”.
Não sei se os participantes do encontro espíritas à esquerda estão interessados na “bandeira da ideologia partidária espírita” e nem mesmo sei o que isso significa, mas se o sentido for constituir um partido político espírita (também não vi proposta nesse sentido), então diremos que seria um projeto inaceitável. Agora, aqueles que integraram, integram ou desejam integrar partidos ou cargos políticos levando a visão espírita de mundo, com sua ética e propostas de justiça social, direitos humanos e proteção ambiental, então, por mais difícil que seja, trata-se de projeto a merecer apoio e atenção. O acertar e o errar é da natureza humana. Partir do princípio de que o difícil é o impossível significa acreditar que não há solução para as mudanças, o desenvolvimento social e moral e, em última instância, a evolução do ser humano.
Jaime Lobato, radialista e escritor. Reproduzo o inteiro teor do depoimento do Jaime Lobato, por absoluta concordância com sua opinião. Ei-lo: “Como cidadão opto por participar na sociedade aderindo à política de esquerda, na concepção proposta por Mujica: “Ser de esquerda é uma posição filosófica perante a vida, onde a solidariedade prevalece sobre o egoísmo”. Entendo que o espírita pode e deve participar da política e poderá contribuir muito se levar na sua prática os valores filosóficos e morais propostos pela Doutrina Espírita. Porém, não comungo com a ideia de envolver as instituições espíritas em políticas partidárias, porque daí surgiria um antagonismo no ambiente da instituição que, de certa forma, minaria com a fraternidade e a solidariedade que devem reinar nesses espaços, para o bom desempenho da prática do Espiritismo.
Não entendo também como lideranças importantes do movimento espírita possam publicamente, e muitas vezes em nome do movimento espírita, pois são apresentados como espíritas e entrevistados por espíritas, possam se pronunciar em favor desse ou daquele candidato, conforme assistimos na última eleição. Penso que na casa espírita devemos incentivar a participação do espírita na política, no sentido que exerça seu senso crítico nas suas escolhas, sem direcioná-lo a esse ou àquele candidato ou partido. A escolha é sua, assim como a responsabilidade que assume na eleição desse ou daquele candidato. Esse é o meu entendimento do assunto”.