Categoria: Imprensa

O espiritismo segundo o evangelho

A inversão de valores ganhou adeptos, cresceu e atualmente aquele que não adere é julgado fora da ordem e desnaturalizado.

Há um processo imperceptível, gradual, que altera a ordem dos fatos e inverte posições. Kardec começa sua obra pelo Livro dos espíritos e a filosofia. Produz, na sequência, o Livro dos médiuns, promovendo a razão que explica os fatos e dá suporte à filosofia. Por fim, entra na natureza de Jesus e no seu ensino e assenta a moral consequente da filosofia inicial. Está, assim, formalizado o Espiritismo em bases que, para usar o lugar comum, representam uma construção sobre a rocha.

O processo de degradação – e não se imagine que falo aqui de pureza doutrinária – inicia-se logo a seguir e este processo pode ser elevado ao nível da naturalidade, mesmo que ele se dê, em verdade, no nível da cognição. Assim como a natureza leva a vida a alcançar rapidamente o seu ápice e depois entrar em declínio, a construção do conhecimento, em certa medida, obedece ao mesmo processo de apogeu e declínio.

O apogeu de Kardec encontra-se no momento em que a sua obra é colocada à disposição do leitor e não quando este leitor a completa; é ali, na exposição pública e incontrolável do pensamento em forma de discurso que o autor se dá à contemplação do conteúdo e à reflexão dos seus desdobramentos. Após, não pode mais controlar esses desdobramentos que surgem com a recepção, significando aqui o começo do declínio da obra e o início de construção de um novo conteúdo, que já não será mais tão-só o pensamento e as significações propostas pelo autor, mas a soma destas com as que o leitor então elabora. Leia o texto completo

 

Um trono para uma rainha

Conta-se que num país distante uma jovem de beleza invejável sonhava um dia poder sentar no trono e de lá irradiar toda sua bondade e justiça aos seus súditos. Depois de muito esforço, conseguiu aproximar-se do rei e sua beleza o fez sorrir, sua graça o conquistou e sua inteligência fê-lo reverenciá-la.

O rei ofereceu-lhe um lugar próximo ao trono e a jovem, toda contente, sentiu-se elevada aos céus. Logo, porém, estar próxima do rei não lhe era suficiente, de modo que ambicionou casar-se com o conselheiro e amigo do rei, de modo a mostrar toda sua capacidade e lealdade, porém o conselheiro do rei já havia escolhido aquela que faria parte de sua vida, e não era ela. Isso deixou a moça triste durante muito tempo, mas ela não perdia a esperança de um dia desposá-lo.

Contudo, vendo que o conselheiro do rei havia tornado realidade seu casamento com a moça que escolhera, e tendo ele partido para uma longa viagem, a jovem se colocou em presença do rei e se disse à disposição para ocupar o lugar de conselheiro provisoriamente vago, obtendo do rei, que a admirava muito, pleno consentimento. E foi dessa forma que a jovem passou a saber das intimidades do rei, das suas angústias e dos seus sonhos, admirando-se logo pelo fato de que de perto o rei parecia ainda mais belo e inteligente do que à distância.

Mas quando o conselheiro do rei retomou o seu posto, a jovem soube que deveria prosseguir e erguer o seu próprio trono de outra maneira. Foi assim que se despediu do rei garantindo que continuaria fiel a ele por todo o sempre, e que ele seria o rei que jamais conheceu antes. Leia o texto completo

 

Um coração grande para uma razão imensa

O caro Arnaldo da EME, amigo de tantas décadas, que assina Rodrigues de Camargo, enviou-me em abril passado um exemplar do seu livro Mente saudável, vida serena, recém-publicado pela mesma editora que fundou e com garra especial dirige na cidade de Capivari, interior de São Paulo. Edição bem cuidada, com ilustrações expressivas e cores leves, em acordo fino com o sentido dos textos que reuniu, páginas de sua criação esparsas aqui e ali, agora num só volume.

Aí está. Mente saudável, vida serena nos trás um Arnaldo de hoje, depois das esfregas editoriais que todo gráfico há de ter para ser de fato um editor, e das subidas e descidas da vida que a estrada apresenta em suas surpreendentes nuances diárias; mas é, no fundo, o mesmo homem de mais de quatro décadas atrás, quando o conheci e desde então persegui e provoquei, vi e admirei. Dedicado às boas causas, persistente, aprendiz em regime continuado, de fala tranquila, editor mais por destino que escolha, mas desafiador no ramo livreiro pelo qual se empolgou: o livro espírita.

Quando leio as páginas deste seu Mente saudável, vida serena, confesso, (mais…)

Nova seção

A partir de hoje, 10 de junho de 2023, o leitor deste blog tem uma nova seção disponível. Trata-se da página Postagens esquecidas, que ficará permanente e poderá ser acessada pelo interessado, quando desejar. Já está disponível nela o primeiro texto, intitulado A (im)prensa. E o espiritismo?, escrito tempos atrás e esquecido entre os materiais a publicar. Para ler, clique aqui. A nova seção será abastecida sempre que um texto não publicado for descoberto e por aqui darei ciência de cada um deles ao distinto leitor. Boa leitura.

O gato e o guizo

Ou por um espiritismo respeitado.

 

Fazia mais de três meses que o gato fora tirado de casa e posto na rua. Ou não perceberam, ou não o viram, ou, quem sabe, não quiseram ver. Teriam sido iludidos por uma imagem que o tempo familiarizou, a do bichinho terno e meigo? Sabem todos, as imagens possuem uma capacidade intrínseca de iludir, posto que parecem fáceis de ler. Ninguém viu. Estavam como na canção do Chico, “falando de lado e olhando pro chão”?

Havia no gato de pele macia uma mancha vermelha, chamando a atenção de tal forma que deveria incomodar ao primeiro transeunte que passasse por ele. Impossível não notar. Ainda assim, o gato caminhava no seu passo manso por entre pessoas proseantes, risonhas, jovens e adultos, vestidos com aprumo ou em trajes simples, gente que passeava ou andava a passo largo rumo ao trabalho. Como não o veriam, o animalzinho que tantos encantos arranca, com aquela mancha postiça tão marcante?

O nosso personagem virou esquinas, andou em avenidas, passou por ruas descalças, esteve em frente a prédios suntuosos e casas simples, viu pessoas nas janelas e janelas sem ninguém e apesar do seu miado dolorido, (mais…)

Allan Kardec: texto e contexto

SOBRE AS EDIÇÕES “ANTIRRACISTAS” DE SUAS OBRAS *

Por Jon Aizpúrua

I – O TEMPO DE KARDEC E OS AVANÇOS CIENTÍFICOS E SOCIAIS

Ao longo dos séculos, a humanidade passou por muitas e intensas revoluções do conhecimento que estão oferecendo novas perspectivas para a compreensão e interpretação do que constitui o que é concebido como realidade. É o que se chama, segundo Kuhn, mudança de paradigma, ou seja, a substituição de antigas abordagens por outras mais eficientes para explicar contradições, esclarecer enigmas e apresentar hipóteses que parecem ter maior plausibilidade e que, se verificadas, são incorporadas ao patrimônio científico e cultural. O dinamismo e a interação desses processos são a própria essência do progresso.

A emergência de novos paradigmas ou esquemas interpretativos sobre o universo, a vida, o ser humano, bem como os princípios e valores vigentes no campo cultural de ordem ética, moral ou jurídica, ocorre em determinado contexto social, histórico, econômico, político ou espiritual, de modo que nenhum sistema de pensamento escapa aos condicionamentos inerentes à época em que aparece e se desenvolve, Isso se manifesta na aceitação das crenças dominantes e na linguagem utilizada para expressá-las.

É claro que o espiritismo não é exceção a essa lei geral que sinaliza o processo gradual de avanços no campo do conhecimento. Surgido em meados do século XIX, graças ao trabalho minucioso, teórico e experimental, realizado por Allan Kardec, com a assessoria de espíritos desencarnados de elevada condição intelectual e moral, não poderia deixar de receber as influências do contexto geral de sua época, representado pelas ideias filosóficas, científicas, (mais…)

Quem foi que disse Deus?

E mais: esta extraordinária peça chamada cérebro.

Às vezes me vejo agitado pensando nos amigos adeptos do nada. Nada existe, nada prossegue, nada sobra, ou que seja imortal enquanto dure, para lembrar a chama do poetinha.

Imagem de ressonância magnética do cérebro humano mostrando as curvas das fibras neuronais. PROJETO CONECTOMA HUMANO MGH-UCLA

Agora sou informado, para bem do meu bem-estar mental, da existência de uma nova rede sobre a rede cerebral conhecida desde Penfield. Há uma duplicidade de redes ou uma rede sobre outra, mas sem duplicidade de funções. Cada uma delas com sua complexidade e sua complexa funcionalidade.

Com isso minha tendência é de me acalmar, ou pelo menos saber que posso; o diabo é conseguir. Minha agitação, dizem os homens de ciência, se explica pela descoberta da nova rede cerebral. É que quando penso nesses amigos do nada a mente-cérebro envia um comando e, no meu caso, o corpo reage na altura do coração, o que me revela agitado. Uma outra pessoa poderia reagir na forma de dor de barriga.

Mas ao mesmo tempo que penso em mente e digo mente-cérebro, sou alertado por um outro neurocientista de que a mente não existe, tudo é cérebro. A nova rede cerebral descoberta é para ele a confirmação do que diz. Se a seguir (mais…)

Onde a raça, (ul)trapaça

O chicote e o tronco recolhidos dos morros do sofrimento foram retirados dos museus da história onde se encontravam, para açoitar a palavra daqueles que “deveriam” ter tido o cuidado de escrever e pensar em acordo com o avanço cultural de 100 anos depois.

A louca alegria do suplício prossegue…

Allan Kardec, o vulto humano gerado nas terras gálicas de um tempo distante e dado à luz na Paris do dia 18 de abril de 1857, ele e seus espíritos insolentes, são as vítimas brancas da mentalidade negra dos justiceiros da atualidade. Estes se lançam aos mesmos espaços públicos onde teriam sido um dia personagens e vítimas do açoite empunhado pela mão desumana e agora gritam por justiça, tendo à sua frente, de cabeça baixa e olhos ao chão, aqueles cuja obra rompeu, como poucas, o pensamento retrógrado do bem e do mal. O açoite tine aos ventos enquanto o sangue das palavras espirra para todos os lados. O homem que dá a voz de comando nesta nova colonialidade respira, com parcial alívio, por afrouxar do peito o traumático cravo ali pregado, que há tempos o atormenta. Sorri, feliz. Enfim, a justiça está em andamento. Onde a raça, (ul)trapaça.

Mas o ódio, embalado com o celofane translúcido deste tresloucado afeto, só se dará por extinto quando todos os corpos e todos os espíritos vierem ao chão tingido por todos os sangues. Neste 18 de abril de 2023, a nova vítima foi apresentada no Gólgota (ou Pelourinho?) da virtualidade: O livro dos espíritos, posto disponível para gregos e romanos como o infiel convertido e, enfim, salvo. Eis que agora é antirracista. No novo Index Librorum Prohibitorum foram lançados o pensador e a obra incorrigivelmente racista. A paz transparece estranha e serena num céu de nuvens densamente carregadas. (mais…)

O futuro é amanhã

O EàE é a inteligência artificial do espiritismo e assim como no meio tecnológico todos a temem e ninguém sabe para onde vai, o antirracismo do EàE é a tentativa de controlar a doutrina sem o apoio dos algoritmos.

O dilema que está por trás do argumento apresentado pelo EàE, de que está sendo vítima do discurso de ódio é falso. Ao se colocar como vítima, encontra o discurso ideal para fugir do diálogo e sair como herói, mas herói de papel, cuja única utilidade – se é que isso contém alguma utilidade – é abreviar o tempo de condenação geral do pensamento de Allan Kardec, para tal utilizando-se de um único tiro: Kardec é racista e como tal todo o seu pensamento o é também.

É através desse artifício que a inteligência mesquinha do EàE, o paladino auto erigido do antirracismo que, por falta total de capacidade de agir socialmente de forma plural sem uma bandeira emprestada, aqui no meio espírita se localiza. Por ser mesquinha, egoísta e miseravelmente artificial, é também a reedição de um tal exército de Brancaleone formado pelos pobres esfarrapados factuais perdidos nas estradas vicinais do pensamento espírita.

O EàE decreta para amanhã, dia 18 de abril, quando espíritas de todo o mundo comemoram o lançamento da primeira edição de seu livro básico, aquela com pouco mais de 500 perguntas, no longínquo, mas presente ano de 1857 na cidade luz, Paris. (mais…)