Nenhum ensino de filosofia, como a espírita, nenhum conhecimento científico, nenhum aprendizado ético-moral pode produzir pensamento crítico reunindo multidões numa mesma sala. Não há método pedagógico capaz de validar isso.

Multidões são incompatíveis com o pensamento crítico.

Grandes centros espíritas, à semelhança de federativas excessivamente crescidas, buscaram solução para o desafio de atender e incorporar o crescente número de pessoas interessadas na doutrina abrindo salões com capacidade para reunir centenas delas ao mesmo tempo e passaram a ministrar-lhes ensinamentos pelo método mais ante pedagógico possível: o monólogo dos expositores regidos por apostilas de raciocínio padronizado e narrativas pre formatadas.

O método pestalozziano, que havia alçado Hipolite Rivail ao cenário dos grandes professores e, depois, facilitado o nascimento de Allan Kardec, que o reverencia de modo prático ao desenvolver a doutrina espírita, aquele método tornou-se letra morta para os dirigentes espíritas do Brasil moderno.

O ufânico registro de que tais instituições conseguiam números extraordinários, atendendo milhares de pessoas diariamente e reunindo parte delas em seus salões e cursos passou a ser reproduzido como peça de sucesso, capaz de rivalizá-las com suas congêneres, que ainda permaneciam em suas sedes acanhadas e quase desertas, mas, também, causando-lhes ciúmes e desejo de imitação.

Num tempo mais próximo, essas pequenas multidões tornaram-se uma espécie de resposta às multidões dos templos neopentecostais e às outras multidões de católicos em missas campais. Depois, viriam os equivocadamente denominados congressos espíritas, feitos a critério para reunir outras pequenas multidões e oferecer-lhes mais do mesmo, como uma espécie de aperfeiçoamento do método ao transformar palestras em espetáculo e oradores em artistas, num cenário teatral ao qual não faltam o contexto da reprodução dos badulaques, camisetas com o rosto dos ídolos, praças de alimentação etc.

Necessário reafirmar: num contexto desses, o que mais se ensina é o que menos é espiritismo. Ou melhor, não se ensina nada, apenas se satisfaz ao coração e se cria multidões de crentes. A consciência crítica só pode nascer do ambiente natural, das reflexões e diálogos permanentes e das experiências sociais. Impossível encontrar campo fértil para o conhecimento espírita entre multidões extasiadas e atentas a ídolos, à espera de grandes tiradas ou anedotas pontuais, para rir e chorar e depois voltar para casa com o desejo aparentemente atendido. Não se pode esperar que multidões sejam capazes de refletir sobre filosofia e ao mesmo tempo realizar o desenvolvimento do potencial que há em cada ser humano, em meio à ausência de uma condição mínima de diálogo e num contexto asfixiante de multiplicidade de espetáculos.

Em tempos de pandemia, em que o recolhimento à condição de distanciamento social, até mesmo por obrigatoriedade legal e sob o risco de punições, deve-se perguntar se esta é uma oportunidade a ser aproveitada para reencontrar o espiritismo consigo mesmo, ou seja, a sua prática e seu ensino, refazendo métodos e reconstruindo espaços apropriados para o seu desenvolvimento segundo o melhor bom senso e a mais adequada tecnologia, dentre as quais as que reúnem as condições corretas para o diálogo, o incentivo em campos valorativos da condição necessária à liberdade e à autonomia dos indivíduos. E mais, deve-se aproveitar para colocar na pauta das matérias o ponto fundamental capaz de conduzir o indivíduo a compreender o espiritismo: o pensamento crítico, que decorre de uma bem desenvolvida consciência para a autonomia. Afinal, temos que nos afastar dos recintos onde a heteronomia impera, que oferece amarras às mentes, e nos aproximar dos ambientes sadios da liberdade de pensar e escolher, para que haja a primazia do aprendizado.

*Em homenagem aos 73 anos da Mocidade Espírita Estudantes da Verdade (MEEV) do Centro Espírita Allan Kardec (CEAK), de Santos, SP.

By wgarcia

Professor universitário, jornalista, escritor, mestre em Comunicação e Mercado, especialista em Comunicação Jornalística.

10 thoughts on “As grandes turmas estão condenadas a desaparecer após a pandemia da COVID-19?*”
  1. Há a necessidade de turmas sim. Primeiro porque os níveis de conhecimento são extremamente díspares, e a humildade de APRENDER deve ser incentivada em uma época em que as pessoas estão abandonando os estudos. O bom Professor pode abrir o debate quando achar que há suficiência de aprendizados. Isto que apregoam vai na contra-mão do Espiritismo que é Evolução e da linha de Kardec. Kardec, grande Missionário e Cientista mal foi ainda bem estudado e entendido.
    Não é o momento de superá-lo. A Humanidade não tem, ora, evolução para tanto.
    Sigamos os conselhos de J. Herculano Pires, ” O Metro que melhor mediu Kardec “.

  2. A finalidade do Espiritismo não é formar um “cidadão crítico”; é formar o HOMEM DE BEM. Isso está muito claro nas obras de Kardec. Quanto às multidões, lembremo-nos de que um dos maiores eventos do Evangelho é o Sermão do Monte, onde Jesus ensinou para multidões.

  3. Acredito que as mudanças provocadas pelo Covid 19 nos arraias espíritas serão radicais. O modelo antigo das Empresas de Congressos Espíritas está fadado ao fracasso total.
    Este novo modelo participativo de divulgadores espíritas vai romper a mercantilização dentro do espiritismo. E a a luz dos ensinamentos que foram ditados pelos imortais serão levados a massas desvalidas que não conhecem a verdade finalidade da vida. A imortalidade e a evolução de nosso espíritos imortais.

  4. Excelente texto que mostra a realidade do movimento Espírita brasileiro.
    Grandes grupos de crentes sem nenhum senso crítico, tal qual nas religiões cristãs.

  5. Caro Clovis, para alcançar a qualificação de Homem de Bem é necessário que o indivíduo seja capaz de conduzir sua vida de forma livre-pensadora, com autonomia e liberdade de decisão, enfim, coisas que somente se pode conseguir com pensamento crítico. Toda moral baseada apenas em idealismo, sem a contraparte da vida em seu contexto e experiências, torna-se inócua.

  6. Un texto formidable, de los que nos tiene acostumbrados Wilson García. Una invitación a pensar con espíritu crítico acerca del modelo espírita más apropiado para educar a las personas en los principios y valores de la doctrina espíritus, y en consecuencia a crecer, intelectual, moral y espiritualmente.
    Obrigado Wilson.

  7. Excelente, Wilson, estava justamente conversando sobre esse assunto com outro espírita e seu texto veio bem a calhar. Sem o diálogo fraterno, a troca de ideias, o interesse mútuo, não se consegue realmente transmitir o ideal espírita, pois não se trata somente de um conteúdo a ser transmitido. O homem de bem é alguém que compreende livremente, por isso escolhe fazer. Obrigada!

  8. Oi Wilson.Muitos “homens de bem” foram levados às cruzadas religiosas ou políticas por abandonarem o pensamento crítico.Parabéns pelo artigo.Ricardo Nunes.

  9. Excelente texto Wilson, me representa 100%. Sou jovem na doutrina e desde 2005 participo de grupos de estudo. Nesta pequena jornada encontrei muitos homens e mulheres 🙁 “de bem” ): no movimento espírita que optaram plenamente conscientes pelas fake news roustainguistas febeanas e político partidárias que somaram e muito para o atual caos no brasil. Finalizando penso que nosso país jamais foi e dificilmente será a pátria do evangelho. Estamos exatamente mais para PARIAS do evangelho e insistindo na ilusão de sermos homens de bem, isso é comportamento de rebanho mesmo. Seu texto explicita bem porque isso ocorre e meus parabéns. Minha crítica é pontual e não é generalizada a todos os espiritas logicamente, minha intensão não é magoar os confrades mas sim dizer não, isso não esta certo, ceder as adulterações e misticismos trapaceiros que nada tem com espiritismo original vem a ser contra o paráclito espírita lamentavelmente.

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