O espírita francês que residiu no Brasil, onde conheceu a doutrina, deixou patente que o espiritismo de feição religiosa dominante por aqui tem poucas chances de despertar interesse nos países europeus.

Kempf fez uma apreciação histórica da doutrina desde os tempos de Kardec.

Com uma palestra-entrevista na noite de ontem, 29 de setembro de 2020, o espírita francês Charles Kempf falou sobre diversos aspectos históricos e atuais da doutrina espírita, demonstrou sua apreciação pela tese da autonomia contra a heteronomia do movimento religioso espírita no Brasil, autonomia que melhor representa o pensamento de Allan Kardec para o espiritismo, segundo Kempf.

Charles Kempf que, depois de retornar à França e viver por cinco anos no Brasil, tornou-se um ativo integrante do movimento espírita, fez uma apreciação histórica da doutrina desde os tempos de Kardec, dando destaque entre outras coisas para as divisões que se acentuaram com a morte física do codificador e os desvios promovidos que resultaram na descaracterização de fundamentos básicos. Enfatizou, porém, a característica apreciável de espíritas reconhecidos como Léon Denis, que, embora fiel a Kardec, tinha por atitude transitar entre os diversos pensamentos divergentes, ouvindo e dialogando, sem jamais fechar as portas para a conversa. Com isso, Kempf lamentou que essa capacidade de diálogo tenha desaparecido do cenário do movimento espírita e não encontra mais paralelo na atualidade brasileira e mundial.

O pensamento religioso que predomina no espiritismo brasileiro é claramente de tendência heterônoma e teve seu ponto de inflexão com a intromissão do roustainguismo, muito por responsabilidade de Leymarie que o trouxe para Revista Espírita a partir de sua liderança desde 1871. A heteronomia se caracteriza pela submissão a um pensamento salvacionista, de caráter dogmático, de completa ausência de diálogo entre religião e ciência, pensamento que registra a crença que a religião é superior à razão científica e tem sobre esta completa primazia.

Estudos recentes deixam claro que coube ao roustainguismo, que acabou predominando no Brasil a partir da ascensão da FEB (Federação Espírita Brasileira), que desde Bezerra de Menezes assumiu como prioridade a sua inserção no ensino da doutrina espírita, a responsabilidade pelo maior desvio doutrinário de todos os tempos. Com o roustainguismo, a doutrina espírita, de caráter indiscutivelmente autônomo, passou a ser na prática heterônoma por assumir todas as mazelas das religiões formalistas e dogmáticas, em oposição ao que ensina Kardec. Na atualidade, todas as entidades federativas estaduais estão em acordo com a FEB e, por isso, oferecem endosso direto ou indireto à tese roustainguista e ao predomínio do desvio doutrinário estabelecido a partir da obra Os quatro Evangelhos, criticada por Kardec desde o seu lançamento em 1866, na França.

Em sua palestra-entrevista Kempf deixa claro sua opinião a favor da doutrina autônoma de Kardec e em oposição às religiões que defendem a heteronomia, em explícito acordo com aqueles que condenam essa inoportuna e altamente prejudicial aculturação roustainguista do movimento espírita brasileiro. Depreende-se da fala de Kempf que a falta de diálogo entre as diversas tendências do espiritismo brasileiro contribui para a manutenção de um pensamento religioso dominante, que se impôs a partir da indevida valorização dos conteúdos roustainguistas e consequente desvalorização do pensamento de Kardec.

A fala de Kempf, que destacou ainda o importante trabalho do CDOR pela preservação dos documentos do Acervo Canuto de Abreu, foi promovida pela Unificação Kardecista de Ribeirão Preto (SP) e contou com a presença e participação de Julia Nezu, presidente do CCDPE – Centro de Cultura, Documentação e Pesquisa do Espiritismo e ex-presidente da USE-SP. A lamentar o baixíssimo índice de audiência no Facebook (chegou no máximo a três pessoas*)  Para ver a entrevista clique aqui.

NOTA: texto publicado simultaneamente no blog www.ccdpe.org.br. 

*Recebemos informações da USE-SP, que foi a promotora do evento, que pelos seus canais oficiais, via YouTube, foi registrada uma audiência de 171 visualizações durante a palestra.

By wgarcia

Professor universitário, jornalista, escritor, mestre em Comunicação e Mercado, especialista em Comunicação Jornalística.

4 thoughts on “Nestes tempos de pandemia, uma ótima notícia é a fala de Charles Kempf sobre o espiritismo na França (e no Brasil)”
  1. Fala ponderada e bem fundamentada do Charles! É tempo de mudança, de rever o que conhecemos da doutrina! Entrei agora no facebook e a postagem apresenta 98 visualizações e 7 likes. Muito pouco para um assunto tão relevante.

  2. Ivan, o número de 171 apontado pela USE-SP foi no youtube, pois a entrevista foi promovida pela USE Regional de Ribeirão Preto e apoio da Estadual. Quem faz a entrevista é o 2º V Presidente da USE do Estado SP. Hoje, se vc entrar no you tube tem 362 visualizações, que de fato são poucas.

  3. Assisti ao vídeo da entrevista concedida pelo Charles ao Pascoal e à Julia Nezu, da USE. Gostei das suas revelações sobre as recentes descobertas históricas do movimento espírita pós Kardec, mas, principalmente da sua postura de livre pensador, como deveria ser, naturalmente, todo espírita. Chamou minha atenção o fato de que, na França, o modelo de espiritismo religioso não tem muita aceitação.
    O incremento das atividades espíritas via redes sociais, devido ao confinamento imposto pela pandemia, tem revelado a existência de diversos grupamentos espíritas e de pensadores livres, o que aponta para uma saudável oxigenação do nosso movimento. Sinto que esse segmento, desapegado do condicionamento religioso, tem uma importante contribuição a oferecer no resgate do pensamento kardeciano e o Kempf tem demonstrado muita capacidade nesse sentido.
    Muito oportuno o seu comentário, Wilson. Parabéns!

  4. Charles Kempf é uma pessoa que muito admiro. Um dos maiores pesquisadores do Espiritismo. O seu trabalho e vultuoso. Mais Kardec o Codificador do Espiritismo deixou muito claro a sua posição na questão de religião. Ele desconstruiu e reconstruiu o formato do queria seria a religião divina. Se pensarmos o formato do espiritismo embasados nas religiões dogmáticas. O Espiritismo não e religião. Se pensarmos o espiritismo embasado nos ensinamentos imortais de Cristo e que foi peneirados por Kardec. O Espiritismo é religião!!! Para exemplificar.. Numa figueira o Cristo e a seiva e Kardec e a casca. Se tirarmos Cristo. A figueira morre!!!

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