Imagem produzida por IA representativa da figura de um poderoso líder espiritual.
Cristina Fibe, no UOL desta 3ª feira (28/01/2025), atualiza a situação do médium João de Deus. A colunista diz que João Teixeira de Faria, conhecido como João de Deus, aos 83 anos, continua a administrar seus negócios enquanto cumpre prisão domiciliar em sua mansão em Anápolis, Goiás. Condenado a quase 500 anos de prisão por crimes sexuais, ele gerencia fazendas, seu centro espiritual e a venda de “camas de cristal”, dispositivos que supostamente alinham energias, comercializados por até R$ 15,6 mil cada. A Casa de Dom Inácio de Loyola, em Abadiânia, permanece aberta e recebendo fiéis, apesar de ter sido o local onde ocorreram muitos dos abusos pelos quais ele foi condenado. Vizinhos relataram a presença de pessoas vestidas de branco, traje típico dos seguidores, procurando pela residência de João de Deus, embora a família negue que ele continue atendendo seguidores. As vítimas expressam sentimento de impunidade, vendo que João de Deus e seus cúmplices mantêm uma rede lucrativa de negócios, mesmo após as condenações.
Em viagem que fiz a São Paulo anos atrás, vindo de Recife onde residia na ocasião, tinha eu um compromisso especial: um jantar com dois amigos queridos, admiradores do espiritismo, que desejavam saber minha opinião sobre o médium João de Deus, sobre o qual já pairavam então muitas dúvidas e denúncias. Explicar aos dois que o espiritismo nada tinha a ver com o comportamento do conhecido personagem nada adiantou, pois eles entendiam que João era espírita. Não era e se algum dia foi, o caminho que escolheu para exercer sua mediunidade não era o indicado pela doutrina espírita. Ser médium não significa ser espírita ou ter com a doutrina qualquer compromisso. Mas isso é uma questão para outra ocasião.
A história feita de fatos
A história de João Teixeira de Faria é um exemplo contundente de como a espiritualidade pode ser deturpada e utilizada como ferramenta para fins egoísticos, além de servir como reflexo das falhas humanas em distinguir entre fé genuína e manipulação disfarçada de benevolência. Por mais que se insista em desvincular suas práticas do Espiritismo, é inegável que sua figura foi amplamente associada a esta doutrina devido à própria narrativa midiática e à maneira como ele se apresentou ao público ao longo de sua carreira como médium.
A farsa de uma espiritualidade supostamente divina
João de Deus construiu sua reputação à base de promessas de cura e de uma pretensa mediunidade que afirmava ser guiada por entidades espirituais superiores. Durante décadas, ele foi tratado como um verdadeiro “avatar” espiritual, atraindo milhares de pessoas – muitas delas vulneráveis e desesperadas – em busca de alívio para suas dores físicas e emocionais. Essa construção de imagem foi fortalecida por um marketing poderoso, que envolvia não apenas a mídia tradicional, mas também depoimentos emocionais de pessoas que diziam ter sido beneficiadas por suas intervenções.
No entanto, as práticas que ele utilizava estavam longe de se alinhar aos princípios do Espiritismo por Allan Kardec. O Espiritismo preconiza o uso da mediunidade de forma altruísta, sem qualquer tipo de exploração financeira ou emocional dos que procuram ajuda. Além disso, enfatiza o caráter moral elevado que deve guiar qualquer interação entre encarnados e desencarnados. João de Deus, por outro lado, utilizou a mediunidade como um meio de obter poder pessoal, riqueza e, tragicamente, para cometer abusos gravíssimos contra mulheres que buscavam apoio espiritual.
O impacto midiático e a distorção da doutrina espírita
A mídia, ao longo de muitos anos, foi um dos principais agentes na consolidação da imagem de João de Deus como uma figura messiânica. A exposição de seus “milagres” em programas de televisão, documentários e reportagens especiais contribuiu para o fortalecimento da ideia de que ele representava uma vertente do Espiritismo. Isso criou um problema ético e doutrinário para o movimento espírita, que, embora tenha reiteradamente negado qualquer associação com suas práticas, viu-se constantemente vinculado às atividades do médium devido à percepção popular.
Essa situação revela um aspecto preocupante da dinâmica entre espiritualidade e comunicação de massas. Quando figuras como João de Deus se apresentam como intermediárias entre o mundo espiritual e o material, elas frequentemente exploram a falta de discernimento do público e a superficialidade com que muitas pessoas abordam questões espirituais. A doutrina espírita, baseada no estudo, na razão e na elevação moral, foi muitas vezes confundida com o misticismo comercial e a espetacularização da mediunidade promovidas por ele.
João de Deus contra Deus
Os crimes pelos quais João de Deus foi condenado são um testamento de como ele traiu os princípios espirituais que alegava representar. O abuso sexual sistemático, a exploração financeira e a manipulação psicológica de suas vítimas revelam um indivíduo que atuava em total oposição aos valores do amor, da compaixão e da justiça que são a essência de qualquer verdadeira prática espiritual. Ao agir assim, ele não apenas violou as leis humanas, mas também desrespeitou os princípios fundamentais de Deus e da espiritualidade.
O impacto de suas ações não se limita às vítimas diretas. Sua conduta comprometeu a credibilidade de muitos movimentos e pessoas sérias que trabalham para promover a espiritualidade de maneira ética e honesta. Além disso, reforçou o cinismo e a desconfiança em relação às práticas espirituais, criando uma sombra de suspeita sobre outros médiuns e líderes religiosos que desempenham seus papéis de forma correta.
A responsabilidade do movimento espírita
Embora o movimento espírita tenha se esforçado para esclarecer que João de Deus não representava a doutrina espírita, ainda há uma lição importante a ser aprendida com esse episódio. A proliferação de figuras que utilizam o discurso espiritual para ganhos próprios só pode ser combatida com uma educação espiritual mais ampla e profunda. As instituições espíritas devem reforçar a necessidade de estudo sistemático da doutrina e promover o discernimento entre seus seguidores, a fim de evitar que tais fraudes encontrem terreno fértil para prosperar.
Além disso, é essencial que o Espiritismo continue enfatizando seus valores fundamentais: a busca pela verdade, a caridade autêntica e o progresso moral. Ações que promovam a transparência, a ética e a justiça devem ser continuamente incentivadas para evitar que pessoas mal-intencionadas se aproveitem do bom nome da doutrina.
Ao final das contas
João de Deus não apenas traiu as vítimas que confiaram nele, mas também deturpou a ideia de espiritualidade que alegava defender. Sua história é um lembrete sombrio dos perigos da credulidade e da ausência de discernimento, além de um chamado à responsabilidade de todos os que se dedicam à espiritualidade para que atuem com integridade e em conformidade com os mais altos padrões morais. Que seu exemplo sirva não apenas como advertência, mas também como motivação para que o Espiritismo e outras doutrinas espirituais se fortaleçam na educação e na prática dos valores verdadeiros.
Importante este artigo de W. Garcia para “separar o joio do trigo. “