Estes médiuns e as estripulias da personalidade!

Divaldo, Gasparetto, Chico e assemelhados: entre o ser pensante e o fazer mediúnico, a necessidade sentida de dizer ao mundo que também é um espírito inteligente tanto quanto.

Um dia, Divaldo decidiu que agiria para mostrar que também pensa por si, produz por si, escreve por si. Não era só médium, apenas médium, secretário de outrem. Foi quando se abriram as portas do inferno? Ou as do céu?

Divaldo, Gasparetto e Chico: médium também pensa.

Ele nunca foi apenas médium. Nunca! Mas o viam – e ainda o vêm – muito mais como tal, de maneira que isso o marca. Até que o incômodo emergiu em formas explícitas de manifestação individual. Passou a expor seus próprios e muitas vezes nada atraentes pensamentos nas tribunas e nas páginas de jornais. Repito, o seu pensamento. Mas aí entra a provocação: quem acredita que é o mesmo médium, o médium de sempre que fala levanta a mão.

Malgrado seu, nem assim boa parte (grande parte, a maior parte?) de fiéis seguidores alcança o desejo dele. Aplausos constrangidos ou frenéticos continuam a soar vindos da plateia sonhadora dos auditórios invejosamente repletos. O homem quer falar sem a roupagem do médium: gente, sou eu, vocês não me vêm? Eu também penso, eu também sou espírito e muito inteligente. Por favor.

Isso já havia ocorrido com outros médiuns. Lá atrás, não muito lá atrás, com Luiz Antonio Gasparetto, de trajetória ímpar no campo das artes plásticas mediúnicas. Gasparetto ganhou o mundo, foi visto e revisto em toda a Europa, especialmente após o programa da BBC de Londres “Renoir, é você?”, reprisado inúmeras vezes.

Psicólogo, de personalidade forte, Gasparetto mostrou-se médium muito jovem ainda. A mãe, Zíbia, ascendeu também à mediunidade e como tal fez-se vista pela tribuna da Federação paulista e por livros que se multiplicariam. Gasparetto em projeção não demorou a ultrapassá-la. Viagens internacionais constantes e apresentações em território brasileiro permanentes romperam barreiras do preconceito e da descrença. Eram os espíritos os maiores responsáveis, sempre eles. Gasparetto um dia também rompeu! Foi como se passasse a gritar um grito quase sem eco: gente, eu penso; eu também sou gente! Posso ser eu comigo mesmo, sem eles.

Foi quando se abriram as portas do inferno? Ou as do céu?

Chico, o inolvidável, que antecedeu aos dois, jamais conseguiu assinar qualquer coisa com o som de sua voz interior ao olhar estupefato de todos nós. Não que não falasse ou reivindicasse esse direito. Não! Diariamente, expressava seus próprios pensamentos, como sói ser com qualquer espírito, mas quem o ouvia, senão ao Emmanuel? Chico cansou, se cansou e descansou. No céu?

Voltemos ao Gasparetto. No auge da vitalidade física, cansado de não ser visto, pelo menos, em igualdade de condições com os espíritos que assinavam suas telas e depois de ter rompido outras barreiras, rompeu com os rótulos das crenças que o aprisionavam, seguido pela notável mãe. Sem poder abandonar a condição de médium, porque deixar de ser médium não é opção, reduziu a oferta de espetáculos e palcos e aumentou a de cursos e falas em que o psicólogo e o escritor atua sem a participação dos invisíveis incômodos.

Alcançou sucesso, dinheiro e fama. Desejou construir um mundo colorido e para firmar seu destino de modo indelével, adquiriu uma casa rosada. Linda construção fina cheia de histórias, um pouco descuidada então, é verdade. Não sabemos se continua lá depois de partir, com certeza, prematuramente. Como dizia o Senhor Brasil, partiu antes do combinado. Mas, deixou seu recado, o de que tinha voz própria.

Agora, de retorno ao Divaldo.

Ninguém é somente médium ou perfeito médium. Todo estudioso, pesquisador e dedicado cultor da racionalidade kardequiana sabe disso. Divaldo sabe. E para firmar sua inarredável disposição de construir aos olhares humanos o equilíbrio de valor entre o médium e o indivíduo pensante que é, não titubeia em apalpar as portas do céu e do inferno, assim mesmo, nesse sentido metafórico.

As primeiras, do céu, precisaremos aguardar o tempo para alcançar de fato a resposta. Ainda somos incapazes de vê-las, as portas, à parte a fase candidamente ilusória do sonho. As do inferno se mostram, diariamente, aos olhos vigilantes. Agressivamente, num surto agudo de contraste com a sua própria história de vida, conhecida, admirada e não poucas vezes invejada.

Ontem, agrediu ouvidos sensatos com condenações surpreendentes, ácidas, aos homossexuais, escorregando desastradamente ante as questões de gênero. E foi aplaudido! Anteontem, havia escandalizado ao apontar nocivo profissional da justiça como missionário do bem. O escorregão já havia acontecido, também, ao tentar teorizar sobre comunismo, Marx etc. e fazer prevalecer patética condenação.

Hoje, reequilibra com ajuda o corpo alquebrado para condenar a prisão e o tratamento dado à turba ensandecida que depredou os prédios dos três poderes em Brasília. “Prisões estúpidas” – diz. E continua: “Como é que pegam pessoas da rua, botam no ônibus e levam para a cadeia? Ah são terroristas, mas ninguém estava com revolver, nem faca, nem canivete, nem gilete, nem cortador de unha…”.

A imagem é convincente: a cabeça está firme, o olhar por trás dos óculos ainda vivo, a voz em bom som e as mãos gesticulam em movimentos habituais. O homem fala por si, reafirma que também pensa e é, como reivindica. Não sou, é como se repetisse enfático, apenas o médium. Sou o Divaldo! Vocês não vêm? Compreenderão os seus admiradores incólumes que o homem está falando apartado dos espíritos esclarecidos? Será ele aplaudido?

O que se mostra ausente mais uma vez é o que se lamenta com dose alta de tristeza: o bom-senso.

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