Há muito se sabe que os congressos espíritas, salvo raras exceções, se tornaram eventos muito mais para dar satisfação ao público da existência da doutrina do que para se tornar um espaço público de produção de conhecimento.

Nesse ponto, a história tem sido cruel com os espíritas. Se alguém deseja estudar, pesquisar e produzir ou o fará por sua própria conta e risco ou deverá desistir. As instituições espíritas, que se autoproclamaram coordenadoras do espaço público, sonegam em seus eventos qualquer possibilidade de apresentação de novos trabalhos, incorrendo em duro desestímulo para com os interessados.

A FEB, que se transformou na mais forte defensora da coordenação desse espaço público, tradicionalmente negou os congressos espíritas. Deolindo e amigos, em 1939, romperam com essa barreira promovendo com destaque o primeiro Congresso Brasileiro de Jornalistas e Escritores Espíritas. Havia um objetivo pontual na época – enfrentar as barreiras sociais e políticas que eram erguidas contra a doutrina e seus seguidores.

Mas então os espíritas perceberam que o objetivo poderia ser maior e, passada a 2ª Guerra Mundial, retomaram o projeto e repetiram o congresso periodicamente, sempre contando com a má vontade da FEB, até que ela própria, a FEB, cedeu e passou a ter presença representativa nos congressos para depois também patrocinar os seus.

Mas os congressos da FEB e de suas federativas aliadas jamais foram eventos voltados para a produção de conhecimento. Pelo contrário, seu espaço era público até o portão da rua. Dali para dentro, obedeceu-se a um modelo de congresso que protegia a FEB dos “perigos” representados pela liberdade de pensamento e expressão. Ou seja, todos são livres e estão convidados, desde que pensem com e como a FEB.

As federativas, por sua vez, capituladas também nesse terreno, logo adotaram o modelo febiano e cuidaram de se proteger dos mesmos “perigos”. E trouxeram uma “modernização” à base da sociedade do espetáculo, tornando esses eventos uma “festa” com amplo espaço de consumo de bens e, ilustrativamente, arte. Debate e estudo, para justificar o lado progressista da doutrina enfatizado por Kardec, nem pensar.

Desde quando a FEB programou o seu primeiro congresso, em 1989, que o modelo se repete. Divaldo, com seu carisma, e alguns mais devidamente autorizados, abrem e fecham esses espaços semi-públicos. Divaldo já o fazia antes, mas quando se tratava de congresso de jornalistas e escritores espíritas, era ele parte e não o destaque principal. O espaço era público no mais amplo sentido da palavra.

Agora, divulga-se o próximo congresso estadual da USE, de São Paulo, para 2017. E o modelo se repete, indo a USE contra sua própria origem. Esta instituição espírita, que divide o comando do movimento no maior estado do Brasil com a Federação, teve origem num congresso (repudiado pela FEB) que se instalou e a criou após amplos debates de propostas diversas. E congressos posteriores mantiveram a forma.

A FEB capitulou ante a imperiosa necessidade de aderir aos congressos, mas fez capitularem as federativas e quase todo o movimento espírita ante um modelo de evento que não tem nenhum interesse em pensar e fazer pensar com liberdade, senão em exibir os conhecimentos já bastante conhecidos daqueles que prioritariamente são colocados nos folders e cartazes para atrair a atenção. Divaldo, o astro principal, permanece firme no corpo físico, mas Divaldo em algum momento já não estará mais aí, então preparam-se os seus substitutos que são escolhidos ou inventados e devidamente instruídos para substitui-lo quando a falta dele se der. São eles recrutados dentre os que possuem títulos ou são doutores com algum destaque em algum setor. Já estão amansados ou serão devidamente aculturados. Para facilitar isso, são elevados a ídolos nascentes e colocados nos materiais de propaganda com sorrisos fabricados em imagens publicitariamente produzidas.

O público acorre a esses eventos massivos como quem vai a um grande show em busca de seus ídolos. As pessoas adquirem o ingresso, compram camisetas e consomem outros badulaques. Emocionam-se com frases de efeito ante oradores de gestos espetaculosos, vertem lágrimas e depois retornam aos seus lares com a alma embevecida. Pagam pelo “conhecimento” empacotado sem precisarem exercer o terrível esforço de análise do pensamento alheio, que, afinal, está ali para ser engolido e não ruminado. Ao fim das contas, todos saem felizes, dirigentes, oradores e o público.

A sociedade do consumo é também a sociedade do espetáculo e, como já foi profetizado, faz capitular tudo e todos aos seus desígnios. Então, nossos congressos, que perderam um dos seus mais importantes pilares representados pelo espaço público de apresentação de novos conhecimentos, sequer podem ser vistos como oportunidade de reflexão sob outros vieses daquilo que o Espiritismo apresenta há mais de 150 anos. O que mais se vê são repetições do mesmo, com a diferença de que agora vivemos num terrível vácuo pela ausência de pensadores espíritas de respeito. A reencarnação ainda não os substituiu.

Não é apenas por autoproteção que as lideranças espíritas promovem congressos sob o modelo vigente, em que os temas são escolhidos por alguns e apresentados por outros alguns escolhidos a dedo pelos mesmos alguns. A ninguém é dada a liberdade de escolher-se e escolher seu tema para levar ao conhecimento e debate público, abrindo a reflexão na diversidade da realidade e da natureza. E com isso a doutrina, progressiva em teoria, estaciona na prática do dia-a-dia do mundo da vida.

É também por irresponsabilidade das lideranças, ante a obrigação de promover o conhecimento que sustenta a verdadeira liberdade. Não se trata do conhecimento de alguns, que isso é pura pretensão. Trata-se de um conhecimento gestado na diversidade dos atores, como o fora quando da codificação de Kardec com o apoio, não de um Espírito, mas de uma coletividade que incluía superiores e inferiores da escala evolutiva.

Trata-se de estimular e apoiar o estudo e as pesquisas com elementos efetivos e não apenas argumentativos. Trata-se de aprender a viver na diversidade, porque a evolução se dá na diversidade. Trata-se de ampliar o alcance dos congressos, tirando-os da apatia auditiva e visual. Trata-se de superar as limitações que lhe foram impostas, com a coragem daqueles que compreendem a necessidade de construir coletivamente o saber, sem deixar empoeirar a codificação nas estantes do poder transitório.

By wgarcia

Professor universitário, jornalista, escritor, mestre em Comunicação e Mercado, especialista em Comunicação Jornalística.

16 thoughts on “Congressos espíritas: espaço público de conhecimento ou conhecimento público do espaço?”
  1. Magnífica reflexão.
    Sabemos que a Doutrina Espírita é o convite à liberdade de pensamento, tem movimento próprio, por isso, urge deixar fluir naturalmente, seguindo-lhe a direção que repousa, invariavelmente, nas mãos do Cristo.
    Não reprovamos os Congressos, Simpósios, Seminários, encontros necessários à divulgação e à troca de experiências, mas, a Doutrina Espírita não pode se trancar nas salas de convenções luxuosas, não se enclausurar nos anfiteatros acadêmicos e nem se escravizar a grupos fechados. À semelhança do Cristianismo, dos tempos apostólicos, o Espiritismo é dos Centros Espíritas simples, localizados nos morros, nas favelas, nos subúrbios, nas periferias e cidades satélites (de Brasília)
    Congressos? Já comentamos sobre tema diversas vezes conforme link:
    http://jorgehessenestudandoespiritismo.blogspot.com.br/search?q=congressos

  2. Wilson, seus comentários são oportunos e competentes. Os anúncios dos congressos destacam os oradores da moda e depois desses eventos, as matérias destacam a grande presença do público e sua manifestação de júbilo. Deveriam escolher os oradores pela capacidade de desenvolverem os temas de interesse e mostrar soluções. Essa tendência atrai espíritas alienados que continuarão despreparados para maiores contribuições.

  3. Parabéns pelo seu texto.
    Venho defendendo isso há bastante tempo e em julho de 2015 inseri o texto abaixo como editorial do Boletim Informativo da Sociedade Beneficente Espírita Amor e Luiz, onde sou responsável pelo Departamento de Comunicação.
    Tomara que as federações acabem nos ouvindo.
    Um abraço.
    Pércio de Moraes Branco
    Porto Alegre, RS

    Ano 9 – Nº 36 – Julho de 2015
    OS CONGRESSOS ESPÍRITAS DA FERGS

    Os congressos espíritas estaduais que vêm sendo realizados têm tido boa aceitação (mais de 4.000 participantes na última edição), assegurada pela qualidade dos conferencistas e palestrantes convidados.
    Apesar disso, alguns seguidores da doutrina espírita criticam o que chamam de “elitização” do evento. O fato de ser realizado este ano (como já foi em anos anteriores) na cidade de Grama-do certamente agrada aos conferencistas e palestrantes, mas representa uma despesa considerá-vel para os inscritos não convidados que não residem naquela cidade e que obviamente são a grande maioria. Caso fosse realizado em Porto Alegre, por exemplo, moradores da capital, parcela significativa dos participantes não teriam despesas com viagem nem com hotel. E muitos que vêm de outras cidades do interior não precisariam pagar duas passagens por não haver linha de ônibus entre sua cidade e Gramado.
    Outro aspecto que deveria merecer a atenção da Fergs é a programação. As palestras e conferências proferidas pelos convidados são de alto nível, por certo, e deve haver sempre na programação. Mas, não tem havido espaço para que outras pessoas apresentem relatos, experiências, trabalhos de pesquisas e ideias sobre o movimento espírita. Os congressos científicos, por exemplo, têm sempre alguns conferencistas convidados, que asseguram elevado nível técnico ao evento, mas há também amplo espaço para que qualquer outra pessoa apresente uma palestra ou pelo menos breve comunicação. Estas, naturalmente, passam antes pelo crivo da Comissão Organizadora, que as aprova ou não.
    Seria ótimo se a nossa Federação pensasse nessa opção. Temos, no nosso estado, pesquisadores altamente qualificados e membros de sociedades espíritas com larga experiência que podem trazer valiosa contribuição em eventos como esse.

  4. Infelizmente o grande articulista Wilson Garcia continua a bater na mesma tecla, como tem feito ao longo de mais de 30 anos: desmerecer a FEB. Como seria bom se o erudito confrade aproveitasse a sua inegável inteligência para somar, em vez de dividir… Evandro.

  5. Ola Wilson, companheiro de sempre!

    Para conhecimento de voce e outros que nos acompanham, a questão muito bem colocada no seu artigo, tem raízes profundas que foram implantadas nesses ultimos anos, nos poucos bastiões que propugnavam um pensamento diferente do movimento febiano.

    Nós da USE Brás-Moóca, quando do pedido da própria USE Estadual sobre sugestão de temas para o Congresso Estadual de 2017, no mes de dezembro passado, apresentamos, primeiramente na USE Regional São Paulo, uma proposta de Congresso com trabalhos que seriam direcionados a uma comissão organizadora, por aqueles que tivessem idéias e proposições dentro de tres linhas tematicas: passado, presente e futuro do movimento espirita.

    Com um metodo que incluiria apresentações e discussões em grupos divididos ao longo da programação, onde seriam então colocados para a composição final de um trabalho, que se estenderia além dos dias do Congresso, propiciando a participação e feed back das instituições espiritas base do movimento. Aí então, retornariam para conclusão final num evento de explanação geral.

    Aprovado o trabalho e encampado por maioria no Conselho da USE Regional, em votação, foi apresentado no CDE de dezembro onde seriam escolhidos os temas.

    Nesta ocasião a Diretoria Executiva vetou a simples apresentação desta proposta, por considerar que os órgãos que compõem a USE não tem a prerrogativa de sugerir metodos e dimanica de Congresso (isto seria atribuição da DE, conforme estatuto: só eles sabem onde esta escrito), cabendo aos órgãos apenas sugerir nomes do mesmo, de preferencia aprovar por unanimidade sem contestação e/ou perguntas o que eles sugerissem.

    Com ressalvas de alguns representantes ( uma vez que do interior do estado ninguem estava entendendo o que se passava, ou não queria conflitar) foi aprovado o nome atual, que está sendo veiculado, por ampla maioria, bem como a sistematica que seria adotada: Conferencia do Divaldo e outros já conhecidos, etc, conforme manda o figurino da FEB. (Note-se que no primeiro folder, que esta em veiculação, ainda não esta definida a programação e temas).
    Ou seja, qualquer coisa que seja sugerida no contexto atual será sumariamente vetada, não podendo nem mesmo ser colocada para que os pares possam apreciar.

    Continuamos firmes em nossas posições, visto que não se trata de opinião de uma pessoa, ou um pequeno grupo. A idéia partiu de companheiros do CE José Barroso, levada ao conselho da USE Distrital, Brás-Moóca, onde foi aprovada por 11 centros presentes. Posteriormente, como já foi dito, aprovada por mais de 14 órgãos distritais presentes, da grande São Paulo, o que representa em termos gerais mais de metade do movimento espírita estadual em numero de centros.

    Relato estes fatos para que os companheiros que estão fora do movimento useano, entendam como uma instituição com um passado de vanguarda se posiciona a sombra de instituições conservadoras.

    Continuamos inspirados por aqueles que fizeram a hora acontecer no começo deste movimento, na certeza que a marcha da evolução é inexoravel, apesar de tudo e de todos.

    Um forte abraço!

  6. Caro Luiz.
    As informações que você nós traz dão mais força ainda aos argumentos que ofereço à reflexão. Grande abraço.

  7. Caro Wilson
    No geral concordo com você com relação ao formato de alguns Congressos,mas como você citou o próximo que a USE realizará em 2017, quando completa 70 anos sugiro que se informe sobre o que se pretende fazer durante o referido Congresso.
    Ele terá Oficinas,no mínimo 12. onde serão apresentadas e discutidas diversas atividades das Casas Espírita, além de salas de conversa onde serão debatidos entre os interessados, temas Doutrinários e do Movimento Espírita.
    As Palestras serão a noite e Divaldo Pereira Franco está convidado, pois estará completando 90 anos , e a USE o estará homenageando, pois ao longo de sua vida ,sempre desempenhou um importante papel no solo Paulista.
    Um grande abraço

  8. Caro Wladisney.

    Estou inteirado, sim, das chamadas salas temáticas, cuja existência em nada atende às necessidades apontadas no artigo, embora sejam bons espaços de conversa sobre temas antecipadamente decididos e com atores também antecipadamente escalados. O foco, porém, é outro. Abs.

  9. A CEPA-Confederação Espírita Pan-americana, em seus congressos, realizados de quatro em quatro anos, inclui na sua programação, além de Painéis Temáticos, com expositores convidados e abertos à participação do público, um Fórum de Temas Livres, que admite inscrição de trabalhos espíritas apresentados por estudiosos e pesquisadores, mesmo sendo teses diferentes das posições assumidas pela CEPA.
    Sem ênfase na oratória, tais eventos são marcados por sua natureza reflexiva, progressista e mesmo crítica, na busca da atualização permanente do espiritismo.
    Aliás, o próximo congresso será na cidade de Rosario, Argentina, de 25 a 28 de maio próximo. Informações: https://drive.google.com/file/d/0B17lj98_HAqBaGNqU3czckluNHZVbmgtWXUxT1FzanB6OGJV/view

  10. Excelente e oportuno texto e faltou citar as tais salas vips luxuosas para que as estrelas fiquem separadas dos trabalhadores….HORRÍVEL A IDEIA!!!!Noleto meu amigo o que a FEB mais faz é dididir….

  11. Prezado Wilson e companheiros(as)

    Sua reflexão crítica sobre o movimento espírita é sempre incômoda e, felizmente, nos faz sair do lugar comum. Este incômodo, nos remete a pensar e repensar sobre nossas ações. Obrigado.
    Partilho suas preocupações com os congressos espíritas e, nesta direção, temos procurado criar e consolidar em Santa Catarina um espaço distinto. Trata-se do Encontro Estadual da Assistência Social Espírita – EASESC, da Federação Espírita Catarinense (FEC).
    Acabamos de realizar o 6º EASESC cujo tema foi Assistência Social: religião e realidade. A intenção é sempre trazer palestrantes críticos e abrir o espaço para discussão. Neste último encontro (12/03/2016), pudemos lançar e debater intensamente o livro “Dá-me de Comer” de Pedro Simões (CCDPE-ECM, 2015), fruto de pesquisa desenvolvida na Universidade Federal de Santa Catarina em parceria com a FEC, acerca da realidade desta área no Estado. Pode estar certo que o debate aconteceu de forma crítica e respeitosa, saímos fortalecidos. Ainda um pequeno evento mas, em qualidade e diálogo, espero que permaneça assim.
    Abraço

  12. Excelente reflexão amigo Wilson. A opção pela “pureza doutrinária” engessou, aprisionou o pensamento espirita no Brasil, matando a produção de conhecimento e quiçá condenando-o a jamais ocupar um espaço proporcional ao seu valor, entre os conhecimentos humanos.

    Não sei ate que ponto esta divulgação “mais do mesmo”, praticamente incapaz de interagir com a produção de conhecimento humano, é potencialmente capaz de repercutir na transformação social a que se referia Kardec. Parece que já nos afastamos demais.

  13. Prezado Wilson:

    Quero colocar-me à sua disposição para ser voluntária no Congresso que você vai organizar, trabalhar e assim legar ao Movimento Espírita um modelo que julga oportuno e efetivo.
    Mão a obra companheiro. A fé sem obras é morta.

  14. Estimada Maria Lisabeth,

    Já o fiz em diversas ocasiões, especialmente no IX Congresso Brasileiro de Jornalistas e Escritores Espíritas realizado em 1986, em São Paulo. Pena que você não estava presente. Abs.

  15. Excelente reflexão, principalmente no que concerne aos que virão pós Divaldo, muitos sem o preparo e discernimento necessários.
    Muitos se sentem desde já sucessores, apregoando serem eles mesmos convocados pela mediunidade maior para tomarem lugar quando Divaldo partir..
    Fui vítima de um charlatão destes aqui no Rio Grande do Sul, que diz receber , ou ter recebido a missão de ser o sucessor de Divaldo assim que este desencarnar-se, o que seria ano passado. Tal não ocorreu, e o tal médium é palestrante renomado diz receber Joana de Angelis e membro da Assossiacao dos médicos espíritas do Rio Grande do Sul . AMERGS.. Psicologo bastante conhecido…
    Já se sentia o grande orador das multidões…o novo Divaldo..

    Chamo de charlatão pois me tratava com este senhor no seu consultório de psicologia ,onde ele mesmo me falou tais absurdos..
    Está devidamente denunciado ao conselho regional de psicologia..

Olá, seu comentário será muito bem-vindo.

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