Cidadão Rivail – Raízes e vida de Allan Kardec

RESENHA

Autor: Pedro de Campos

Formato 16 x 23 cm

Capa dura – 880 págs.

Casa Editora O Clarim, Matão, SP

Recém-lançado, após um breve período de pré-venda, o livro em foco tem a sua edição sob a responsabilidade da conhecida O Clarim, casa fundada por Cairbar Schutel no primeiro quarto do século XX. Trata-se de uma obra volumosa – 880 páginas – muito bem impressa e de fino acabamento.

Confesso que não conhecia o autor, Pedro de Campos, embora a ele se atribua a escritura de outros livros. A publicidade feita pela editora despertou-me grande expectativa, especialmente pelo fato de vivermos um período fértil em documentos novos sobre a vida, o trabalho e a obra geral de Allan Kardec. Pelo título, Cidadão Rivail – Raízes e vida de Allan Kardec, e a proposta informada de uma atualização de tudo o que de mais recente existe sobre o assunto, era possível aguardar um trabalho que pudesse nos trazer uma linha do tempo capaz de posicionar os leitores de forma clara e precisa.

Essa expectativa é atendida em parte. Trata-se, de fato, de mais uma obra de fôlego, dada à, sem dúvida, exaustiva e extensa pesquisa revelada pelo autor deste novo cidadão Rivail, obra que vem se juntar a inúmeras outras publicadas no período recente no meio espírita, as quais reposicionam a figura de Allan Kardec no espaço e no tempo, do contexto em que surgiu à obra realizada, especialmente seu pensamento enquanto fundador do espiritismo.

O autor deixa clara a sua consciência de que o historiador é levado a fazer escolhas e a considerar que suas reflexões estão submetidas à sua visão de mundo e, não raro, às próprias crenças, fato que o deixa, quero crer, a cavaleiro das análises e críticas futuras, bem assim do reconhecimento do valor de seu trabalho, valor esse indiscutível.

Assim, o livro não concretiza a proposta de apresentar o cidadão Rivail ao longo dos tempos em sua amplitude, valendo-se para tanto de toda a documentação já tornada pública e, ao mesmo tempo, acrescentando novas informações obtidas eventualmente pelo próprio autor. No afã, acredito, de oferecer detalhes e condições da vida citadina na Paris de Allan Kardec, bem como da sua família e suas regiões de habitação, o autor se perde no emaranhado de ruas, casas, localidades, extensões e distâncias para, ao fim, tornar o livro de difícil leitura e ao mesmo tempo cansativo.

O detalhamento excessivo dessas informações periféricas torna extenuante o percurso de leitura do livro, de modo que se pode dizer que o louvável compromisso do historiador para com os fatos históricos e a sua incúria na seleção do estritamente necessário contribuem para diminuir o interesse pelo texto por parte do leitor geral, atendendo muito mais ao pesquisador pontual que, por si, dispõe também de meios diversos para alcançar seus objetivos.

Além desse registro, há alguns outros ainda a fazer sobre, por exemplo, cuidados com informações historicamente já superadas. Citemos duas: a opinião de que Kardec produziu uma doutrina baseada no dito tríplice aspecto: filosofia, ciência e religião, bem assim a de atribuir ao cidadão Rivail a criação do vocábulo espiritismo. Para ambas há boa documentação contrária.

Sobre Kardec e o espiritismo como religião já não pairam dúvidas de que Rivail sempre refutou esta hipótese, estando tal posicionamento registrado, inclusive, nos seus últimos escritos. O argumento do autor de Cidadão Rivail está em repetir o equívoco de muitos outros anteriores, ao avançar na conclusão de que a prova disso surgiu com o advento de O evangelho segundo o espiritismo.

Documentos categóricos também invalidam a crença na invenção do termo espiritismo por Kardec. O equívoco aí advém da interpretação das palavras dele quando escreveu que para fatos novos é preciso termos novos, com o que fez a opção por uma palavra pouco usual na ocasião, porém já então registrada em dicionário na Inglaterra e utilizada nos Estados Unidos. Essa escolha mostrou-se oportuna, mas não valida a hipótese de que a tenha criado e nem ele o afirmou objetivamente.

Outro fator bastante presente no livro, que lhe dá um excessivo peso, prende-se às idas e voltas do autor a informações dadas e repetidas mais adiante, às vezes em mais de duas ocasiões. Não será surpresa se o leitor, diante dessas ocasiões, demonstrar estranhamento ou ficar confuso, além de, evidentemente, acusar cansaço com a releitura.

Assim, não se deve esperar do autor a incursão em temas doutrinários que suscitam, desde sempre, muitos estudos e discussões, como também encontrar reflexões exploratórias de documentos novos, como as cartas de Kardec. A exceção está nalguns pontos indicados acima, ainda assim na forma de ligeiros apontamentos.

O livro Cidadão Rivail está dividido em seis capítulos que, juntos, ocupam mais de 500 das suas 880 páginas. Vem antecedido por um texto com considerações gerais e sucedido por um suplemento com dados biográficos, lista de documentos e lista das iconografias, posfácio, livros principais, notas e fontes consultadas.

Ou seja, o coração do livro está naquelas pouco mais de 500 páginas. É aí onde o leitor comum certamente encerrará a leitura, caso consiga chegar a tanto. Dados biográficos de família é uma tentativa de conciliar informações já dadas anteriormente, de modo a repeti-las em boa medida e de modo concentrado.

As duas listas – de documentos e das iconografias, juntas, formam outro livro que bem poderia ser oferecido em volume separado ou, quiçá, de modo virtual, uma vez que ocupam quase 200 páginas.

Em resumo: Cidadão Rivail – Raízes e vida de Allan Kardec, à parte os apontamentos feitos, é um louvável, considerável mesmo, esforço de contribuir com essa admirável impulsão que a vida e o pensamento do fundador do espiritismo obteve nos últimos anos, valendo para resolver pontos obscuros, informações equivocadas e incompreensões geradas a partir do desconhecimento do contexto em que os espíritos reencarnam no planeta e, em boa medida, ficam submetidos à realidade de sua época.

Ao ampliar a dimensão do passado e dar-lhe mais e melhor sentido, o cidadão Rivail alcança aos olhos do presente uma admiração e um respeito que às grandes almas é devido.

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