Desconfio sempre desses artigos de opinião genéricos e ao mesmo tempo insinuantes, aos quais falta a coragem do homem de bem e a franqueza do homem justo. E o artigo assinado pelo Marco Milani publicado pelo Correio Fraterno (do ABC), edição no 477 de setembro/outubro de 2017 se insere na relação desses artigos. Confesso que não sei ao que ele veio, mas desconfio que se destina a alvos determinados, mas não colocados às claras. E isso é muito ruim.

Seja quem e o que seja que motivou o autor do artigo a escrever, o fato é que ao utilizar a técnica da generalidade Marco Milani se coloca na mesma condição da possível vítima. E como vítima, age sem a devida franqueza, incorrendo em faltas ainda mais graves. O medo de ser franco é sinônimo de falta de coragem, contrário ao sim, sim e ao não, não de Jesus.O autor referido dá voltas para chegar onde deseja. Como sábio meticuloso, entende que reclamar é uma atitude humana, que se insere no direito ao livre-arbítrio do ser. Mas a seguir indica, com certa obviedade, que “nem sempre o que reivindicamos guarda relação com a justiça e a verdade”. Quem há de contrariar a lógica dessa filosofia de mesa de bar? Ocorre que essa maneira, esse modo, esse estilo utilizado para contornar certos obstáculos e aparentar bom senso é a pedra de toque que revela a fraqueza da personalidade. Na verdade, o autor quer mesmo é falar que aqueles que sempre culpam “terceiros” pelo seu estado emocional, afetivo, psicológico ou quaisquer outros incidem em grave erro. Ou seja, estão se vitimizando. Com isso, chega ele no ponto principal e diz: “acusam dirigentes de entidades espíritas de impedirem o desenvolvimento do espiritismo no Brasil e no mundo, por não lhes oferecer a tribuna para se apresentarem ou por não obterem espaços privilegiados para venderem seus livros”. Grave, gravíssima acusação essa, para a qual o autor haverá de ter provas cabais para não incorrer na pecha da mentira. A generalização, aqui, é a própria condenação do autor segundo a ética espírita.

Lá no finalzinho do seu artigo, Milani afirma: “certamente, todos erram e podem melhorar. Portanto, o diálogo respeitoso será sempre o melhor caminho para os esclarecimentos necessários às partes envolvidas em divergências de ideias”, e conclui com uma frase desconectada do contexto, na qual quer passar uma lição de moral: “As conquistas morais, entretanto, não são obtidas por reclamações e vitimismo, mas por trabalho sério”. Sério? Mesmo?

Vamos à análise.

Entendendo-se que Milani classifica aqueles que reclamam indevidamente de vitimistas, chegaremos à conclusão de que todos os reclamantes dos quais discordamos serão vitimistas. Ora, ora, não é isso mesmo que ocorre com as instituições burocratizadas e politizadas, quando vozes discordantes fazem soar o sino e avisam a comunidade que é hora de mudar?

Sim, Milani, numa atitude de humildade, reconhece que todos erram e podem melhorar, mas pede o “diálogo respeitoso e racional”. Mais uma vez a generalização presente, a qual não é mais do que um instrumento de fuga do dever de dar nomes aos bois. Pergunta-se: quando o diálogo é respeitoso e quando não é? E mais: de quem deve partir o diálogo? Daquele que é atingido por uma decisão da qual não participou? Ou daquele que precisa decidir sobre algo que vai repercutir na sociedade? Essa maneira matreira de escrever nada mais é do que uma forma de solipsismo e parte do desejo de verter para si a simpatia de outrem.

Milani ataca os que reclamam e os toma por vitimistas quando estes reivindicam de lideranças espíritas abertura para o desenvolvimento do espiritismo. E os acusa de desejarem apenas o acesso à tribuna e aos espaços de venda de livros. Quem são estes? Quando isso ocorreu? Em que circunstâncias? O que prova que eles só desejam a tribuna e o espaço para venda de livros? Como o autor chegou a essa conclusão? Sendo, como é, professor universitário e diretor da USE, terá ocorrido algum episódio numa destas instituições que o motivaram a escrever este artigo moralista? Mas uma vez, a falta de coragem para falar com franqueza leva os fracos à generalização. Porque não atacar de frente o problema e assumir o ônus e o bônus da repercussão? Quem foi que reclamou, do que reclamou e por que ocasionou com a reclamação descontentamentos? Em não esclarecendo isso, deixará no ar uma nuvem de injustiça pronta para molhar a todos os que reclamam, como aqueles que o fazem sob o signo do dever e da verdade, exercendo o seu direito, com a liberdade que lhe é inerente enquanto ser humano. E mais, reforçará o poder daqueles que não aceitam reclamações por vê-las como ameaça aos seus domínios. As instituições burocratizadas, por exemplo, estão sempre prontas, por seus mandatários, a desqualificar os críticos e a taxá-los de interesseiros, agentes da desunião, representantes das trevas, inimigos da doutrina, etc., por isso é que se deve ter muito cuidado com essas instituições, de que o movimento espírita está hoje, infelizmente, repleto. Então, dá-se exatamente o contrário: os vitimistas são estes mandatários ou dirigentes. Apesar da forma viril como Herculano Pires, ao seu tempo, tratou disso com toda a clareza e objetividade. A menos que também ele seja colocado no rol dos vitimistas.

Muitos vêm suas justas reivindicações sem respostas por conta do autoritarismo daqueles a quem as reclamações são endereçadas. O autoritarismo é a negação da liberdade e é, portanto, a negação do espiritismo, uma vez que o espiritismo coloca a liberdade como o bem maior. Muitos dirigentes espíritas se sentem intocáveis, se colocam nas vestes dos magistrados e se arrogam portadores de mandatos divinos. Acreditam ingenuamente que foram colocados em seus cargos por obra e graça da espiritualidade. Mandam e desmandam, tornam públicas as suas opiniões sem medir extensão e quando enfrentados acusam os críticos de arrogantes e de falta de diálogo, porque se sentem no direito de reivindicar um diálogo intramuros, às escondidas, sem que ninguém ouça e veja. E não aceitam como obrigação a atitude de abrir o diálogo antes de tomar as decisões que vão afetar toda a sociedade, porque não conseguem ver suas propostas e opiniões confrontadas. Outros se fazem acompanhar de meia dúzia de pessoas servis que, como os santos esmoleres das portas das igrejas, balançam a cabeça afirmativamente para tudo. Depois, quando o desastre está feito e são apontados como culpados, reclamam da falta de caridade pela forma como são tratados e afirmam que antes de virem a público reclamar deveriam dirigir-se a eles em particular, quando eles próprios não foram sábios e humildes o suficiente para reconhecer que incorriam em erro com suas decisões autocráticas.

Como se vê, Milani está nos devendo muitos esclarecimentos.

By wgarcia

Professor universitário, jornalista, escritor, mestre em Comunicação e Mercado, especialista em Comunicação Jornalística.

4 thoughts on “Quem é a vítima?”
  1. Quais bois necessitam ser nomeados, Wilson Garcia?
    Talvez acostumado à acidez da crítica pela crítica, como instrumento de visibilidade pessoal, você vislumbre mais uma oportunidade para alimentar o seu blog com textos dessa natureza.
    Suponho que sua reclamação sobre o recente artigo “Reclamações e Vitimismo” publicado na última edição do ótimo jornal Correio Fraterno, revele mais que um simples incômodo, mas uma identificação com os “alvos” que você alega existirem. Se a carapuça serviu, nada posso fazer.
    Lamento não colaborar em sua estratégia de atenção mais do que essas poucas linhas.

  2. Senhor Marco Milani.

    Não sou pessoa de me esconder atrás de críticas genéricas nem de codinomes. Aprendi, desde muito cedo, que devo a mim mesmo a obrigação de colocar às claras o que penso a respeito do que outros pensam e como pensam. Não faço gênero e minha história é pública. Não insinuo, digo a verdade como ela a mim se apresenta. Penso que o mundo seria muito melhor se pessoas esclarecidas como você assumissem suas responsabilidades com o que escrevem falando abertamente, na linha do bom jornalismo: clareza, concisão e objetividade. Lealdade não é sinônimo de falsidade, assim como não é virtude que possa ser desprezada quando se trata da verdade. Prefiro, e sempre preferi, aquilo que você classifica “acidez da crítica pela crítica” ao fingimento, à imagem que ilude. Não faço espiritismo de aparências e muito lamento que você, que até na assinatura desse e-mail se esconde, fosse incapaz de entender que as pessoas possuem identidade e que suas personalidades são únicas, não devendo, por dever e justiça, serem todas jogadas no mesmo saco. Meu senso de justiça não me permite a generalização do pensamento, não só porque faltarei ao dever da franqueza como me tornarei injusto àqueles que também possuem identidade única. Misturo ingredientes para fazer eventualmente a massa do pão, mas pessoas não se confundem com aquela massa, por isso devem ser tratadas na sua inalienável identidade. Não sou pessoa de dar lições de moral como avatar falso, esperando que outrem “vista a carapuça”, porque isso é comportamento medíocre. E ainda continuo pensando que você, que expôs publicamente o seu pensamento, publicamente resolva o vazio da desinformação que deixou no texto. Finalmente, concordo com você que o Correio Fraterno (do ABC) é um “ótimo jornal”, disso tendo ciência com conhecimento de causa desde 1970. Abraços fraternos, leais e francos, sem nenhuma acidez.

  3. Talvez o autor tenha razão… Precisamos rever essas críticas genéricas. E a começar lá de trás… Jesus, ao se referir aos fariseus, de modo geral, deveria, de acordo com o texto acima, ter dado nomes aos bois. Não o fazendo, estaria se escondendo atrás de generalidades, talvez receoso da resposta. Da mesma forma as advertências de Emmanuel, André Luis, Joanna de Ângelis, mais próximos de nós. Sem esquecer Kardec e toda a sua obra.
    Só fico na dúvida se isso seria realmente bom, ou se, ao exigir “nomeações” não estaríamos, isso sim, partindo para um confronto pessoal, de resultado duvidoso.

  4. Caro José Lourenço.

    Como você cita Jesus e outros, se ele e os outros fossem se preocupar com o confronto pessoal ficariam calados. Mas, é como disse Herculano Pires, a verdade não pode ser substituída pela mentira, pois isso é o mesmo que desejar iluminar uma sala colocando a luz debaixo da mesa. A história da humanidade está, infelizmente, repleta desses exemplos. Se, como se convencionou dizer, da discussão vem a luz, devemos aprender a divergir na não-violência, mas pelo bem do próprio bem. Abraços amigos.

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