(Publicado por Kardec.com, ed. 12/2018)
A pergunta foi feita ao jornalista e escritor Wilson Garcia, que conhece como ninguém os aspectos do mercado editorial. Os desdobramentos da questão serviram de estudo feito pelo competente pesquisador Ivan Renê Franzolim (São Paulo, SP). Segundo Garcia, autores, editores, distribuidores e livrarias espíritas estão “no olho do furacão capitalista e a sobrevivência do ideal da difusão do Espiritismo pelo livro parece comprometida pela dura imposição do lucro sem medidas”. Leia a entrevista e tire as suas conclusões. Depois acesse o blog de Franzolim para ver o resultado de sua pesquisa.
Ivan – O que é ou deveria ser uma Editora Espírita?
WG. Os tempos mudaram e muito. No campo editorial espírita, essas mudanças foram colossais, não só em termos de mentalidade como, também, em termos tecnológicos. Nas décadas de 1960 / 1970, uma editora espírita deveria ser aquela que fosse comandada por espíritas com amplo conhecimento doutrinário, capazes de escolher apenas obras que tivessem aderência plena ao espiritismo. Em parte, isso ocorria. Mas, em termos editoriais, os livros sofriam com capas feias, papel de miolo ruim e uma divulgação de alcance limitado. Só era encontrado nas poucas livrarias espíritas, com alguma exceção. Os títulos disponíveis nas estantes eram também reduzidos em número. Os editores espíritas dedicados se foram, o capitalismo ampliou seus braços e dominou a tudo, a área editorial espírita, inclusive. Com isso, a força da alta concentração em grupos econômicos mundiais passou a exercer seu domínio e as editoras espíritas não fugiram disso. Foram cooptadas pela realidade dura de uma economia que concentra o poder e mata aquelas empresas que não conseguem crescer segundo o padrão dominante. Assim, falar em editores espíritas hoje é quase uma heresia. O que temos são editoras com visão capitalista, norteadas pelo lucro, balizadas por pesquisas de mercado. Com isso, os livros passaram por um enquadramento no que tange ao gosto do público, capas belíssimas, papel de miolo ecológico, ampla atenção ao marketing, grande quantidade de títulos e pouca ou nenhuma preocupação com o conteúdo em termos doutrinários. Todo o poder de crítica foi entregue ao consumidor, mas sabe-se, pelas teorias da comunicação e estudos sociológicos, que esse poder se limita ao extremo, tendo em vista a força da mensagem publicitária e o consumidor sitiado, que existe apenas porque consome. É ilusório dizer que o poder de escolha está no consumidor; seu único poder é consumir. Tivemos ganho na comunicação, a sociedade hoje tem acesso aos livros espíritas como nunca e perdemos em qualidade de conteúdo.
Ivan – Além dos livros espíritas deveria vender também livros de autoajuda e espiritualistas, como Ramatis, Pietro Ubaldi, Ricky Medeiros e ainda sobre apometria, Reiki, teosofia (C. W. Leadbeater)
WG. Em termos editoriais, não. Em termos comerciais, o melhor é estabelecer uma linha demarcatória entre livrarias espíritas e espiritualistas. Sempre que se optar por comercializar livros de linha espiritualista, como esses que você citou e outros, a livraria deve deixar claro que comercializa livros gerais e abrangentes do espiritualismo, mesmo que seus proprietários sejam de convicção espírita e queiram dar destaque aos livros espíritas. Esta opção é, ao que parece, a que melhor atende ao mercado e que pode dar resultados econômicos capazes de garantir um futuro aos empreendedores. Em relação às livrarias declaradas espíritas, estas apenas o serão se se ativerem à comercialização de obras de caráter doutrinário e, inclusive, com um certo rigor à linha de Kardec. É o que deve acontecer com as livrarias de centros espíritas, onde não faz sentido oferecer obras de linhas diferentes e até contraditórias ao espiritismo, favorecendo a desorientação. Se o frequentador deseja adquirir obras espiritualistas, oriente-o de duas maneiras: a) indicando onde pode adquiri-las; b) esclarecendo que não são obras doutrinário-espíritas, embora possam conter informações próximas do espiritismo. Essa não é apenas uma atitude de fidelidade doutrinária, mas de honestidade com o público, frequentadores e leitores em geral.
Ivan – As editoras católicas editam também livros de outras áreas (administração, comunicação, saúde, etc.). As editoras espíritas poderiam vender também?
WG. Deve-se considerar que a Igreja entrou de cabeça na área da Educação. Possui escolas desde a infância à Universidade. As suas editoras e livrarias se adequaram à demanda da educação e da religião católica, por isso publicam e vendem obras das diversas áreas científicas e sociológicas. Entretanto, não publicam nem vendem obras de religiões outras, nem de linhas espiritualistas diferentes. Essas editoras são geridas por padres com preparo administrativo e de empreendedorismo. Quando fiz minha pós-graduação de mestrado em comunicação e mercado, lembro-me que tinha no curso três jovens padres que trabalhavam em editoras e livrarias católicas. Buscavam conhecimento em comunicação e mercado para empregarem em suas atividades profissionais, sabedores de que não lhes bastavam a convicção católica e a formação em Teologia para lidar com um mercado num sistema capitalista. É verdade que há editoras espíritas prestando serviços a uma série de clientes não espíritas, como medida de sobrevivência e aproveitamento da capacidade produtiva de seu parque industrial. Fazem, inclusive, livros e jornais, mas não para comercialização própria, senão de seus clientes. Seu catálogo de livros possui, apenas, obras espíritas. Isso é bastante saudável.
Ivan – Todo negócio, por mais ideal que alimente, necessita pagar suas contas e remunerar o investidor. Como lidar com a necessidade de obter uma margem de segurança ou lucro?
WG. Sim, vivemos num sistema capitalista e o sistema não perdoa o idealismo ingênuo. Mas não podemos nos enganar quanto à realidade desse sistema que torna exacerbada essa busca pelo lucro e o uso da mais valia. Não precisamos matar a cobra, mas não podemos deixá-la nos picar com seu veneno. Há imensa diferença entre a busca desenfreada pelo lucro e a comercialização de livros a preços justos, que remunerem devidamente a empresa, de modo a que seja capaz de unir o ideal da divulgação doutrinária e o atendimento aos compromissos legais e de pessoal. Eliminem-se as ilusões. O sistema é brutal e exige adequação à sua realidade. Editoras e livrarias devem se capacitar com um quadro de colaboradores com formação técnica e adequação profissional ao mercado. Livrarias e editoras precisam ser empresas e cumprir com todos os requisitos legais e administrativos que isso implica. Devem se preocupar com a formação do preço dos seus produtos. Devem tratar esses produtos de maneira mercadológica. Precisam resolver as questões da logística e da distribuição. Tudo isso é necessário. A maior preocupação não deve ser se o livro é barato ou caro, mas se seu preço é justo, tanto em relação às necessidades da empresa quanto às do consumidor. Há maneiras de fazer promoções, de oferecer a preços menores com ganho de escala. Editar, publicar e vender é, acima de tudo, negócio, que não pode matar o ideal nem o ideal matar o negócio. A conciliação desses dois interesses se apresenta aos espíritas como um dos desafios a vencer. À distância, fazem-se reivindicações quanto ao preço dos livros espíritas, pedindo sua redução, mas o capitalismo de mercado pune severamente aqueles que não administram com eficiência suas empresas, buscando o lucro mínimo. Exageros à parte, não está no preço o maior problema do livro espírita.
Ivan – Por exemplo, o gênero com maior probabilidade de venda são romances psicografados. Muitas obras de bom teor doutrinário, mas que não são de interesse geral, como estudos, pesquisas, teses etc. não são editadas. No meu levantamento com dados de 2017 temos: Romance (1925), Infanto-juvenil (802), Dissertações (686) e Contos, Crônicas (223).
WG. O resultado dessa pesquisa confirma a realidade do mercado consumidor geral. Você nem incluiu os livros de poesia, cuja vendagem é ainda mais difícil. Mas é uma situação crítica, pois, oferecer apenas o que o mercado majoritariamente quer em pouco tempo atenderemos somente à necessidade de diversão, ficando à margem as obras que fornecem conhecimento sólido e que por isso mesmo são mais importantes. Se o lucro for o único objetivo do empreendimento, mataremos o ideal e o compromisso com o progresso espiritual e moral do ser humano. Se o editor espírita, como tal, não for ressuscitado, nossas editoras ficarão concentradas, em litígio concorrencial obtuso e brigando entre si por uma única faixa de produtos, aquela que dá lucro, subservientes aos ditames do sistema perverso que é o capitalismo. O gênero romance cumpre uma função? Sem dúvida, mas não é o único nem o melhor caminho para alcançar o conhecimento libertador que a doutrina dispõe. Esse caminho passa pelas obras básicas e pelas subsidiárias em permanente atualidade.
Ivan – Acha que os preços dos livros poderiam ser menores, mantendo a qualidade do material?
WG. Como afirmei acima, o preço do livro deve ser justo. Não vejo outra maneira de atuar eticamente no mercado que não seja esta. É assim que compreendo o ensinamento espírita do comportamento moral. As editoras que não sendo dirigidas por espíritas, mas por empreendedores que visam apenas o negócio, estabelecem seus preços com vistas ao objetivo do lucro fazem um trabalho paralelo de difusão do conhecimento espírita, que deve ser visto como contribuição importante. Sobre essas não temos nenhuma ascensão nem poder. Elas cumprem com seus objetivos e não são movidas pelo ideal doutrinário, como ocorre com as editoras ditas espíritas. Vale acrescentar que as editoras espíritas, para sobreviverem, devem cumprir as exigências do sistema e do mercado, mas não devem seguir o comportamento ético do lucro pelo lucro, nem adotar os modelos desenvolvidos que não observam uma ética mínima de respeito ao ser humano e à sociedade. Por exemplo, as promoções com vistas a aumentar as vendas não precisam se valer das técnicas e mensagens que não são honestas com o consumidor. As técnicas publicitárias em geral, apesar de seguirem normas éticas de regulamentos do setor, usam e abusam de mensagens feitas com base em estudos e pesquisas de tendências, sem preocupações com a exploração da ideia de venda da felicidade, tornando o consumidor uma presa do consumo. O livro espírita não pode ser visto apenas como um produto de um mercado abusivo e desrespeitoso com o ser humano. Devemos utilizar as técnicas publicitárias sem necessariamente abusar dessas mensagens de baixo valor moral.
Ivan – Os Clubes do Livro Espírita diminuíram nos últimos anos. Chegaram a 250 em 1976. Compravam direto das editoras e conseguiam bons preços, embora não conseguissem incluir livros com melhor conteúdo. Acredita que poderiam ser vitalizados? Ainda é uma boa ideia?
WG. Sem dúvida, os clubes de livro continuam sendo uma maneira eficiente de difusão do espiritismo, especialmente junto ao público de menor poder aquisitivo. São aliados das editoras na medida em que permitem a essas ampliarem a quantidade de exemplares impressos, reduzirem o custo unitário e manterem uma margem de lucro mínima. Neste aspecto, são aliadas. Mas não podemos esquecer que muitos clubes de livro se tornaram algozes das editoras, exigindo preços abaixo dos custos e fazendo até pressões sobre essas com seu poder de compra. A título de manter um ideal, não percebiam que matavam a fonte fazendo-a secar. Isso era e é uma contradição. Se alguém quer fazer uma caridade cultural, sempre elogiável, faça-o com seus recursos sem exigir a adesão de outrem com atitudes altamente condenáveis. Não se pode estrangular uma editora espírita simplesmente por entender, equivocamente, que é uma caridade entregar livros aos assinantes do clube por preços baixos às custas de outrem. Isso é uma hipocrisia.
Ivan – A maneira de comercialização do livro espírita poderia ser melhorada? Como? Hoje as editoras pagam entre 6% a 10% de direitos autorais, vendem para os pontos de venda com 30% a 35% de desconto e para as Distribuidoras com 50 até 60% de desconto. Com isso, as editoras ficam com uma margem apertada entre 10% a 15%, aumentando seu risco de ser deficitária com edições que não dão certo.
WG. O mercado tem seus mecanismos de produção, distribuição e comercialização do livro. Ele é muitas vezes perverso, sim. Esse mercado força a que as editoras trabalhem com preços maiores por conta das condições impostas, tanto por distribuidoras e livrarias. Todos têm suas razões e justificativas. Essa é uma das perversidades do sistema: quem tem mais poder se sobrepõe aos demais. As Editoras são consideradas a parte mais fraca do elo, por conta dos investimentos no produto, que só retornarão se as vendas ocorrerem. As distribuidoras, para reduzir os riscos, preferem receber os livros em consignação, ou então adquiri-los a preços muito abaixo e ainda assim em quantidades pequenas. Hoje, existe o modo de venda sem formação de estoque. As distribuidoras só adquirem após a venda e na quantidade vendida. Muitas vezes, ajustam com as editoras a entrega direta às livrarias, eliminando com isso seu custo. As livrarias impõem margens de desconto sobre o preço de capa que teoricamente lhes garanta lucros suficientes e ainda assim adquirem poucas quantidades, aumentando a compra apenas na medida da vendagem. O sistema é assim um campo de batalha, onde se medem forças permanentemente. Isso obriga as partes envolvidas a buscar outros caminhos e soluções, uma vez que todas dependem do mesmo produto para alcançar seus objetivos. O mercado digital é uma porta nova de venda e ele comporta tanto o livro físico como o digital, mas para o livro físico a possibilidade é sob demanda. Alguns novos editores espíritas têm surgido, com o objetivo de oportunizar o novo escritor, que não encontra meios de publicar seu livro. São editores idealistas, dispostos até a lutar, se necessário, com moinhos de vento, mas o mercado, impiedoso, lhes reduz o espaço e o escritor nascente é quem fica com o ônus se deseja promover ações de marketing, lançamentos especiais, etc. Para isso, precisará adquirir a quantidade de livros para o lançamento, contatar os espaços para tal e assim por diante. Até mesmo para distribuir seus exemplares aos críticos literários necessitará arcar com a compra a preço de tabela. As feiras de livro espírita são outra maneira de difusão doutrinária, mas também tem seus regulamentos, como o fato de trabalhar com consignação. Sua vantagem é não visar lucro e poder oferecer o livro a preços baixos. Outras formas de promoção certamente existem ou poderão ser criadas. Temos, ainda, a possibilidade da coedição do livro, em que dois ou mais editores se unem para publicação e compartilham os custos e lucros, mas é um modo muito pouco explorado no meio espírita, infelizmente.
Ivan – A maneira de editar livros relevantes, mas com pouca vendagem seria cobrar do autor o compromisso de compra de um lote mínimo que cubra suas despesas?
WG. Essa fórmula é antiga e continua ocorrendo. Seja de modo específico, seja incumbindo o autor dos custos totais e o seu ressarcimento à medida em que o livro é vendido. Em geral, livros assim produzidos não passam da primeira edição e alguns são feitos somente para atender o sonho do autor de ter seu livro publicado. Nas raras vezes em que livros assim alcançam resultados ótimos, logo os editores correm para republicá-los sob seus custos e riscos, seguindo os acordos naturais do processo. Afinal, continua válida a expressão: o homem se realiza quando tem um filho, planta uma árvore e publica um livro. Bom seria que os indivíduos interessados em completar seu desejo de realização com a publicação de um livro pudessem fazer aquela caridade reivindicada de se tornar uma espécie de mecenas de novos e promissores autores, uma forma de caridade cultural rara, mas tão necessária quanto outras. Muitos desses são pessoas de posse e condições para tanto. Assim, se realizariam ao mesmo tempo que proporcionariam o aparecimento de autores que, por falta de condições e apoio, acabam como talentos desperdiçados. Como regra, autores novos são pessoas de poucos recursos financeiros, daí dependerem de editores para se lançarem no mercado. Fico a imaginar o que seria de alguns talentos espíritas, de alto conceito doutrinário, se não lhes fosse dada oportunidade de publicar seus livros ou se lhes fosse exigida a participação financeira na produção. Não os conheceríamos, hoje. Todos perderiam: a doutrina, os leitores e os editores. Como agravante, registre-se: nem todos os grandes autores foram grandes vendedores de livros. Boa parte dos seus livros não passou da primeira edição. Mas, apesar disso, tornaram-se referência do pensamento espírita.
Ivan – As editoras espíritas deveriam fazer uma análise do conteúdo doutrinário das obras para selecionar aquelas mais coerentes com o conhecimento espírita?
WG. Essa é a tarefa do editor espírita, do idealista doutrinário, mas não do comerciante que se lança no mercado editorial espírita, cujos propósitos maiores são o resultado financeiro. Ao editor espírita cabe o compromisso com a doutrina e o emprego rigoroso da análise do conteúdo e sua aderência aos princípios espíritas e a ética dele decorrente. Trata-se de uma tarefa inglória, difícil, mas necessária. A visão do editor espírita não será uma mera opinião resultante de seus gostos pessoais, mas uma postura isenta, que leva em consideração o valor do conteúdo, sua originalidade, sua importância enquanto conhecimento, a coerência interna do texto e o bom senso com que o autor expõe seus pensamentos, entre outras coisas. Precisamos desse tipo de editor, por ser ele, dentre tantos, o mais importante para a difusão da doutrina.
Ivan – Para valorizar os livros com bom conteúdo e alertar para aqueles duvidosos seria bom mais resenhas bem-feitas e críticas das obras?
WG. Eu diria que seria necessário não apenas resenhas bem-feitas, sem compadrismo, sérias, honestas, francas e leais. Seria necessário mais e mais análises que, por serem análises, incluem a crítica, ou seja, a comparação, o apontamento dos vícios e das virtudes da obra e do pensamento do autor. Essas críticas, hoje, são vistas como negativas, pois em relação a elas a turma conservadora do movimento espírita, retida pelo parasitismo da tradição, ergueu muros de defesa e desenvolveu uma consciência na massa que a repudia. Essa é uma das causas da publicação e venda de más obras com o qualificativo espírita. Para enfrentar essa situação e derrubar esse indigesto muro é preciso indivíduos inteligentes e corajosos. Sem a análise devida o consumidor não tem condições de aferir a qualidade do livro que adquire e lê, não tem parâmetros comparativos, nem elementos para refletir com segurança sobre os pensamentos oferecidos nos livros. Apenas os editores e responsáveis destemidos, comprometidos com a importância do conhecimento, mantêm espaço nos jornais e revistas do movimento espírita para esse tipo de análise, sem se importar com aqueles que o denigrem injustamente e, até, coíbem a circulação dos seus informativos. Os livros, mesmos os científicos, têm seus vieses, suas formas de ver e interpretar os fatos, os números, os acontecimentos. São, portanto, passíveis de erros e acertos e precisam dos analistas capazes de cotejar os conteúdos. O progresso do espiritismo depende disso, também.
Posso começar meus comentários usando esta conhecida expressão popular: “E quem disse que seria fácil?”
E cabe aqui também uma pergunta ainda mais óbvia. Qual foi a postura do codificador Allan Kardec neste particular?
Diga-se de passagem que o entrevistado é pessoa autorizada para tratar dessa questão, pois certamente ele vem há décadas “lutando contra moinhos de vento” para poder publicar suas próprias obras.
Para aqueles que imaginam haver exageros nas palavras do entrevistado por tratar o problema de forma tão drástica, vale a pena relembrar aqui as palavras do também jornalista, médium e escritor espírita Jorge Rizzini, da mesma forma possuído por um dom-quixotismo ainda mais enfático no tocante ao grave tema da entrevista.
Trata-se de entrevista por ele concedida em 09/10/2007 na Fundação Maria Virgínia e J. Herculano Pires em que fala da vida extraordinária do escritor e filósofo espírita Herculano Pires, com quem manteve longa convivência e travou duras batalhas no movimento espírita com vistas à preservar da integridade da Doutrina dos Espíritas. O tema abordado na entrevista do Wilson Garcia é central nessa questão, daí a sua enorme importância.
“Pergunta de Herculano Ferras Pires – Nessa atividade teve a campanha do livro espírita também? Jorge Rizzini: Teve lógico, nossa! Sempre a obra da codificação a preço de custo, fazendo uma edição a preço de custo. Quer dizer, era um amor à doutrina. Hoje os editores lançam… é uma vergonha ter que contar isso. Hoje nós temos cerca de mais de duzentas editoras devidamente registradas, oficialmente registradas, mais de duzentas editoras espíritas. Isso é uma vergonha! Tem quase que mais editoras espíritas do que o movimento literário profano brasileiro. Isso é uma vergonha! Pergunta feita por Antonio Carlos Molina – Mas por que vergonha? Jorge Rizzini: Porque é demais. Traduziram, a obra de Kardec tá traduzida… traduziram entre aspas, um copia do outro. Isso é vergonhoso! A melhor tradução é do Herculano, ainda hoje é do Herculano. Mas as editoras lançam as obras de Kardec não é pra divulgar a obra de Kardec, é para ganhar dinheiro. Você veja o que estão fazendo as editoras lançando esses romancecos. Livrinhos que não tem o menor valor literário e nem valor doutrinário. Não tem, não tem. Pegam esses originais horrorosos, mal redigidos, água com açúcar. Faz uma edição bonita, uma bela capa, um bom papel e lançam. Não é por amor a doutrina, é para faturamento, para ganhar dinheiro. Infelizmente. Então, de todas essas duzentas editoras você deve tirar uma meia dúzia que é honesta, é respeitável, que realmente fazem por amor a doutrina, e o resto é para ganhar dinheiro.”
Recomendo a oitiva do inteiro teor da entrevista em que o Rizzini volta ao tema de forma ainda mais enfático.
A Doutrina dos Espíritos veio ao mundo com o objetivo precípuo de conduzir a humanidade terrestre à regeneração. Obviamente que para que isso aconteça paradigmas terão que ser quebrados. Não poderá ser diferente na seara aqui em discussão. Os espíritas conscientes dessa verdade terão que se engajar na luta constante em defesa da integridade da obra de Allan Kardec, custe o que custar. É o que nos recomenda sabiamente o entrevistado.