Quem me acompanha já conhece o Sérgio e talvez esteja se perguntando por onde anda ele. Eu mesmo me fiz essa pergunta nos últimos meses. Imaginei que tivesse desistido das pendengas comigo, mas fui alcançado por uma preocupação: estará ele doente?
Então liguei.
Saí da rotina. Ele é quem sempre liga, mesmo que para atormentar-me com suas evasivas teorias do nada.
O sinal foi aquele: este aparelho está fora de área.
Desisti depois de algumas tentativas. Ele não. Quando ouvi o som do celular, era ele. Incrível, parecia que na foto dele sisudo havia um riso meio de canto de boca, irônico.
– Ha ha! Não aguentou muito tempo, não é?
Tive ímpetos de dizer: – seu canalha, mas contive-me. Resolvi dar o troco com mais ironia ainda.
– Está enganado. Completamente. Queria ligar para o meu cunhado em Manaus, que malgrado o sol também se chama Sérgio, mas liguei errado. Bom dia e até outra hora.
E desliguei.
Ele não se deu por rogado. Ligou novamente. E foi dizendo:
– Tá bom, não vou discutir essa sua desculpa gloriosamente inútil. O seu orgulho nem com mil supostas reencarnações vai ser consertado.
E desancou a falar.
– Você viu, aquele seu amigo lá da Saúde caiu feio. Parecia até bom moço, simpático, mas não aguentou.
E lá veio com sua pergunta maldosa.
– Por que os tais espíritos que vocês tanto admiram não avisaram a ele que a cama estava feita, que seria uma fria ele ir para lá?
Ponderar com Sérgio é inútil. Mas ponderei:
– E por que haveriam de avisar? Você por muito menos já me deixou sozinho inúmeras vezes…
– Uai, eles não sabem tudo? – falou com a mesma ironia.
– Não – respondi e acrescentei: quem sabe tudo é você.
– Agora você vai me agredir, é isto? – gaguejou.
– Olha aqui, se você quer discutir coisas do espírito faça o favor de ler aquele exemplar que lhe dei há muitos anos. Aquele que continua fechado e cheio de poeira na sua estante.
Houve um breve silêncio. Até pensei que Sérgio ia desligar. Se o fizesse não seria o Sérgio.
– Ora, ora, então você está irritado – retornou ele.
Dei uma gargalhada imensa e vi que ele se desconcertou. Então, finalizei:
– Vou resumir pela enésima vez. Os espíritos são como os amigos: se bons, respeitam-nos em nossas decisões, sem abandonar o desejo de sermos felizes em nossos projetos e as oportunidades de nos abraçarem. Se maus, querem que decidamos segundo sua vontade e nos abandonam quando não lhes damos atenção. Em qual das duas categorias você se coloca?
Sem demora, disse ele:
– Na primeira. E tenho dito.
Desligou.
Toda vez que leio ou escuto alguem falar do comportamento dos bons espíritos, leia-se dos espíritos mais evoluídos, sinto que não atingir nem o primeiro degrau. Ainda estou no subsolo… principalmente quando se trata de respeitar posições filóficas de alguém… Sigo o nosso Allan Kardec: “não violenteis consciências alheias”… Tenho dito.