RESENHA

Livro: A obra esquecida de Angeli Torteroli
Autor: Adair Ribeiro Jr.
Formato 16cm x 23cm, brochura, 732 págs.
Edição CCDPE-ECM, São Paulo-SP
Disponível, também, em ebook na Amazon

Qualquer incursão histórica que se faça ao século XIX, em especial à sua segunda metade, há de esbarrar na figura interessante e pouco falada de um espírita ativíssimo: Angeli Torteroli. Entre os estudiosos que se interessaram por ele, de forma quase pioneira, estão o Mauro Quintella, de Brasília, e o Eugênio Lara, de Santos, cujos trabalhos são sempre mencionados quando se trata de Torteroli e o espiritismo no Brasil.

Recentemente, com o lançamento da biografia de Bezerra de Menezes escriturada por Luciano Klein (clique para ler a resenha), fez-se um bom resgate mnemônico de Torteroli, revelando algumas facetas de sua personalidade, especialmente suas lutas por um espiritismo de viés científico e filosófico, além do seu grande esforço em prol do progresso do movimento espírita, tendo sido Torteroli um dos primeiros a trabalhar de forma prática a ideia de um movimento coletivo, unido, progressista, de atuação permanente. Junto com outros amigos da época, fundou o Centro da União Espírita do Brasil, a primeira instituição nacional de cunho federativo.

Temos, agora, uma contribuição muito boa trazida a público por Adair Ribeiro Jr., que responde por uma coleção de documentos relacionados a Allan Kardec, em seu período anterior ao espiritismo, mas também durante e posterior à fundação da doutrina, tudo disponibilizado em seu sítio AKOL-Museu Allan Kardec.online. O autor, como explica no recém-lançado livro A obra esquecida de Angeli Torteroli, viu-se diante desse homem atuante e de mente aberta, estimulando-se a buscar clarear quanto possível os seus caminhos, de maneira a resgatar a parte da história que lhe diz respeito, ainda hoje envolta nas brumas do tempo.

A par dos documentos que respaldam muitos dos fatos históricos do período em que Torteroli atuou, especialmente no movimento iniciante do espiritismo no Rio de Janeiro – foi “defensor implacável do estudo e da prática da doutrina espírita, livre de misticismos em nosso país”, afirma Ribeiro – o autor se mostra dotado de um forte conteúdo crítico em relação ao seu personagem e os combatentes dele, não se furtando a se alinhar a Torteroli nas ideias por ele defendidas, bem como em posicionar o biografado na justa condição de progressista, humanista e ante religião formal, na linha bem definida por Allan Kardec, linha esta que o espiritismo oficial no Brasil atual contraria objetivamente.

É de se louvar a postura honesta e franca com que Ribeiro descreve certos fatos, não se limitando a narrá-los, apenas, mas procedendo a uma costura de tal modo a posicionar os envolvidos, ante o que alguns historiadores preferiram o silêncio. Por exemplo: (1) a disputa estabelecida por Bezerra de Menezes com Torteroli, com o objetivo de apagar as influências deste sobre o movimento espírita, carreando, em consequência, para a FEB o prestígio que Torteroli detinha; (2) as pretensões de Bezerra, de tornar a FEB e sua aliança com João Batista Roustaing o pensamento e a ação dominante no Brasil, anulando Torteroli e aqueles que se alinhavam a ele. Ribeiro não foge a narrar e se posicionar ante tais acontecimentos, bem assim a outros de igual importância, patenteando o compromisso do historiador com a verdade que surge dos fatos e documentos.

O livro A obra esquecida de Angeli Torteroli é densa e valiosa, devendo incluir-se entre os trabalhos de estudos e pesquisas que, oportunamente, vêm sendo apresentados nos últimos anos, especialmente no Brasil, cuja importância e valor são inegáveis. Têm estes sido fonte de inspiração para a construção de uma mentalidade espírita alinhada com o pensamento original do fundador, Allan Kardec, além de reforçar as iniciativas contemporâneas de disponibilização de espaços públicos para discussão de ideias e temáticas importantes e necessárias, mas negadas nos meios espíritas tradicionais, espaços estes conhecidos genericamente por coletivos espíritas.

Como acréscimo, Adair Ribeiro Jr. reproduz integralmente o texto do livro raro O espiritismo no Brasil e em Portugal, de autoria de Angeli Torteroli, publicado em 1895, no Rio de Janeiro, resgatando essa obra totalmente esquecida.

A par do inegável valor do livro A obra esquecida de Angeli Torteroli, já amplamente destacado, o autor deixa algumas lacunas que merecem registro, como, por exemplo, as obras de referência relacionadas ao final do texto. Algumas delas têm apenas os seus títulos registrados, não tendo o autor feito qualquer menção aos seus conteúdos, embora sejam livros que apresentam contribuições importantes sobre a vida e o pensamento do biografado, inclusive com argumentos originais que dão mais força aos que o autor, meritoriamente, sustenta. Fica a anotação.

 

By wgarcia

Professor universitário, jornalista, escritor, mestre em Comunicação e Mercado, especialista em Comunicação Jornalística.

3 thoughts on “ANGELI TORTEROLI em boa hora”
  1. É muito bom para os espíritas brasileiros conhecerem mais fatos históricos para avaliarem os fatores que influenciaram na criação do espiritismo brasileiro com sua atual feição.

  2. No século 19 os místicos encabeçados por Bezerra de Menezes e Bittencourt Sampaio celebraram a derrota de Angeli Torterolli. Chegaram a proclamar que o benfeitor Bezerra de Menezes fora chamado por Jesus à presidência da FEB (1895-1900), como consta em “Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho. Bezerra foi enérgico contra os abusos que comprometam o Movimento nascente. Eram os espíritas ‘científicos e de elite’ que só recebiam mensagens de ‘falsos benfeitores’ e viviam acomodados no conforto de seus bens materiais. Achavam-se missionários e pouco, muito pouco, faziam pelos seus irmãos carentes, por se acharem salvos. Desencarnaram sob atrozes sofrimentos” (Revista O Espírita, set/dez 2014, ano XXXVI, edição 145). Agora, século 21 é nossa obrigação resgatar a memória de Torterolli, realocá-lo no lugar que merece, porfiando pelo Espiritismo laico, científico-filosófico, livre da castração dogmática da fé religiosa. Honra a Angeli Torterolli e seus companheiros de luta, vocês não foram derrotados, estamos juntos nesta epopeia, a luta será grande, mas venceremos.

  3. se Não resgatarmos, analisarmos, divulgarmos e defendermos a História do Espiritismo vamos deixar o Movimento Espírita como está longe do que Kardec e os Espíritos queriam
    Pior ainda com interpretação moral da Doutrina longe do que precisamos nestes novos tempos

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