Pelos idos de 1980, aos 70 anos João descobriu o Espiritismo e com ele retomou o entusiasmo pela vida. Dinâmico, em pouco tempo tornou-se um grande divulgador da doutrina, abalando-se a realizar palestras em diversas associações, ao mesmo tempo em que participava de eventos, seminários etc., nos quais estudiosos mais experientes desenvolviam assuntos variados. João corria contra o tempo, como se não houvesse o amanhã. Em meio a reflexões apropriadas, João começou a defender ideias absurdas, confundindo princípios com opiniões. Entre as várias que apresentava, estava a de que ETs seriam espíritos que se comunicavam por meio de médiuns. João faleceu aos 74 anos.
Aprendemos com a idade a privilegiar as coisas mais importantes e a dar valor ao que de fato importa e umas dessas coisas que importam é o tempo, que sabemos ser relativo. Mas a pressa do dia a dia nos modela e continuamos a tudo fazer como se não tivéssemos tempo. A sociedade diz que tudo é para hoje, enquanto o bom senso na maturidade afirma: eu decido o ritmo das coisas que faço, mas… nem sempre isso acontece.
O velho que tem pressa para tudo, realmente, perde o equilíbrio do bom senso, pois a sabedoria que vem com a idade deveria ensiná-lo a priorizar o que realmente importa.
Com o tempo, aprendemos que certas coisas exigem paciência, que momentos precisam ser vividos sem correria, e que a verdadeira importância está nas relações, nas experiências significativas e no presente. No entanto, mesmo com essa consciência, muitas vezes nos deixamos levar pela pressa do cotidiano, agindo como se o tempo estivesse sempre escapando entre nossos dedos.
A vida moderna nos condiciona a essa urgência constante, mas nos cabe desacelerar, respirar e lembrar que o tempo não é apenas quantidade, mas qualidade. Talvez o verdadeiro aprendizado da maturidade seja justamente saber quando acelerar e, principalmente, quando parar.
Quando descobrimos na idade madura projetos ótimos e alcançamos conhecimentos novos, às vezes, queremos fazer tudo com pressa para recuperar o tempo perdido, o que nos leva ao equívoco de contrariar o tempo, uma vez que coisas novas exigem tempo para serem de fato introjetadas.
Exatamente! Essa é uma grande ironia da maturidade: justamente quando ganhamos clareza sobre o que realmente vale a pena, surge a ansiedade de “recuperar o tempo perdido”. Queremos abraçar novos projetos, saborear aprendizados e viver intensamente — mas a pressa, em vez de nos aproximar do que desejamos, pode nos afastar da verdadeira profundidade que essas experiências exigem.
O conhecimento e os projetos significativos não se assimilam na correria; precisam de tempo para serem digeridos, integrados à nossa história e amadurecidos como vinho. Quando tentamos acelerar esse processo, arriscamos transformar algo rico em superficial, de trocar a sabedoria pela ilusão de produtividade.
Talvez o desafio seja conciliar o entusiasmo da descoberta com a paciência que a idade já nos ensinou. Permitir-se explorar sem a tirania do relógio, entendendo que o “tempo perdido” não se recupera com afobação, mas se redime com presença e atenção plena. Afinal, o tempo é relativo — e o que importa não é quanto temos, mas como o habitamos.
A Psicologia e a contradição do tempo
A Psicologia oferece várias perspectivas interessantes sobre esse dilema — a contradição entre a pressa tardia e a maturidade acumulada. Veja como algumas correntes e conceitos explicam e orientam esse fenômeno:
- Teorias do Desenvolvimento Humano (Erik Erikson)
Erikson propôs que a velhice (fase da “Integridade vs. Desespero”) é um momento de balanço existencial.
- O risco: A ânsia de “recuperar o tempo” pode surgir do medo do desespero (o temor de não ter vivido o suficiente).
- A solução saudável: aceitar que a vida tem ciclos e que novos projetos podem ser vividos com profundidade, não com pressa. A maturidade permite priorizar o essencial sem a tirania do “tudo agora”.
- Psicologia Cognitiva: Viés da Escassez de Tempo
- O fenômeno: Idosos muitas vezes desenvolvem uma hiper valorização do tempo limitado, levando a decisões impulsivas ou à superestimação de suas capacidades imediatas (ex.: “Preciso aprender tudo sobre Espiritismo em 6 meses!”).
- O antídoto: Reestruturação cognitiva (perceber que “tempo não é quantidade, mas qualidade”) e metas realistas (ex.: “Vou estudar uma página por dia com reflexão, não dez sem assimilação”).
- Neuropsicologia: Plasticidade Cerebral e Paciência
- O cérebro idoso ainda é plástico (pode aprender), mas em um ritmo diferente.
- A pressa excessiva gera estresse, que prejudica a memória e a consolidação de conhecimentos.
- Dica: Aprendizado espaçado (estudar pouco e revisar muito) é mais eficaz que “enfiar goela abaixo”.
- Psicologia Existencial (Viktor Frankl)
- A ânsia de acelerar projetos na velhice pode refletir uma crise de significado (“Preciso justificar minha existência”).
- Frankl diria: O sentido está no processo, não no resultado. A pressa rouba a jornada significativa.
- Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT)
- Aceitar que o tempo passou, mas que ainda há espaço para crescimento — sem culpa ou desespero.
- Agir com valores (ex.: “Quero estudar Espiritismo para ser melhor, não simplesmente para provar algo“).
- Freud e a Maturidade Emocional
- A pressa pode ser um mecanismo de defesa contra a ansiedade da finitude.
- A maturidade emocional exige tolerância à frustração (“Não vou dominar tudo, e está bem”).
Conclusão da Psicologia:
O conflito entre pressa e maturidade é um sinal de que a consciência da morte se aproxima, mas a resposta saudável não é correr, e sim viver com presença. A velhice traz a chance única de fazer menos, porém com mais significado — e a Psicologia insiste: isso exige autocompaixão e paciência ativa.
Se o Espiritismo fala em “reencarnação” e tempo cósmico, a Psicologia diria: “Você não precisa resolver tudo nesta encarnação. Respire. Assimilar é mais sábio que acumular.”
No Espiritismo — como em qualquer caminho de transformação espiritual ou intelectual — o deslumbramento inicial pode nos levar a um entusiasmo acelerado, quase como se quiséssemos compensar os anos em que não conhecíamos a doutrina.
A pressa em divulgar, estudar ou praticar sem a devida assimilação pode gerar distorções, como:
- Superficialidade: Repetir conceitos sem os ter realmente vivido ou refletido.
- Proselitismo vazio: querer “converter” outros sem antes ter humildade para reconhecer que ainda estamos aprendendo.
- Frustração: Perceber, depois, que certas compreensões exigem tempo e desenvolvimento de valores, não apenas boa vontade.
Allan Kardec mesmo alertava sobre a importância do amadurecimento gradual do espírita. Em O Livro dos Espíritos, há a recomendação de que se estude com sistematicidade e seriedade, evitando interpretações precipitadas. E no Evangelho Segundo o Espiritismo, vemos que a caridade (inclusive a intelectual) deve vir com discernimento, não só com fervor.
A maturidade espírita — ou de qualquer jornada espiritual — não está em quantos livros lemos ou quantas palestras fazemos, mas em como permitimos que esses ensinamentos nos transformem, passo a passo. A doutrina é complexa, e sua profundidade exige tempo de interiorização.
O espírito verdadeiramente sábio é aquele que reconhece que a sabedoria não se conquista na pressa, mas na persistência serena.
Essa contradição — a maturidade que, em vez de trazer paciência, gera pressa desmedida — é um paradoxo fascinante e especialmente delicado no contexto espírita. A doutrina, que prega estudo sistemático e bom senso, acaba sendo, por vezes, distorcida justamente por aqueles que, recém-chegados, querem “acelerar” seu domínio ou divulgação.
Por que isso acontece no Espiritismo (e em outros saberes)?
- O choque do “eu deveria ter conhecido antes”: A descoberta tardia gera um sentimento de dívida com o tempo perdido, como se fosse preciso correr para compensar décadas de desconhecimento.
- O entusiasmo do neófito: A luz da nova doutrina é tão intensa que alguns confundem urgência com missão, esquecendo que até Jesus preparou seus discípulos por anos.
- A ilusão do domínio rápido: acreditamos que, por sermos maduros na idade, seremos imediatamente maduros na compreensão — mas o espírito tem seu próprio tempo de assimilação.
Os riscos dessa pressa (e como o Espiritismo os alerta):
- Interpretações literais ou dogmáticas: A pressa leva a “absorver” ensinamentos sem a nuance necessária (ex.: confundir caridade com ingenuidade, ou livre-arbítrio com permissividade).
- Ativismo vazio: palestras, posts e ações superficiais que falam mais do ego do que da doutrina. Como diz Emmanuel: “Melhor silenciar para reformar-se do que falar para deformar.”
- Frustração e desânimo: quando a realidade não acompanha a velocidade desejada, alguns abandonam o caminho, julgando-o “ineficaz” — quando, na verdade, faltou persistência tranquila.
A solução? O próprio Espiritismo a oferece:
- “Nascer de novo”: aceitar que todo aprendizado exige recomeços, mesmo na maturidade.
- Estudo com método (Kardec): Não basta ler; é preciso meditar, comparar, questionar — e isso leva tempo.
Resumo final:
Sem dominar o tempo, somos dominados por ele. A doutrina espírita, quando vivida com profundidade e não com pressa, justamente nos ensina a transcender a tirania do relógio e a agir no ritmo da consciência.