Admiro e respeito a decisão daqueles que resolvem agir mais diretamente nas casas espíritas. A duras penas se aprende que tanto a ação junto aos órgãos federativos quanto às próprias casas contém situações que levam a refletir sobre os caminhos e descaminhos da institucionalização. As federativas, muitas vezes burocratizadas e divididas em domínios, apresentam enorme perda de tempo e qualidade para aqueles que não desejam trilhar o campo da política interna. As rotinas e o excessivo apego ao missionarismo são outros tantos problemas sem solução imediata.
Aprende-se que os excessos não são exclusivos de um lado ou de outro, mas resultados dos desequilíbrios existentes nas personalidades humanas de nossa época. Digo desequilíbrios me referindo tanto à racionalidade quanto ao sentimento. Os tempos têm mostrado que o processo civilizatório é uma tentativa de promover o ajuste. Esse desequilíbrio fica demonstrado quando os espíritas, por exemplo, se aliam a uma das faces e passam a combater a outra de modo sistemático, assumindo que a sua visão é a mais correta ou coerente. Intelectuais combatem a ausência de racionalidade e os aliados do sentimento combatem o excesso de racionalidade, generalizando e taxando os intelectuais de somente obedecerem à razão.
Diante de um quadro desses, surgem perguntas inevitáveis: como, por exemplo, os partidários do amor incondicional poderão conviver com os amantes do conhecimento? E vice-versa. Como se ajusta aí o processo de convivência alteritária, cujo cerne estabelece que o outro é o foco e o eu deve servir e engrandecer o outro, em um processo que se auto-alimenta, ou seja, o viver para o outro engrandece o eu? Como se pode acreditar no amor que despreza o conhecimento, se o conhecimento é a face excelente do amor? Da mesma forma, como se poderá alcançar o conhecimento e fazer dele a mola do progresso científico e tecnológico se não o unirmos ao sentimento em sua expressão mais elevada?
A sabedoria espírita indica o caminho do equilíbrio através do amar e do conhecer, os dois vértices da evolução. Mas os homens são educados para escolher um lado e atribuir-lhe importância maior do que ao outro. Mais do que isso, são conduzidos a desprezar o outro por não lhe ver tanto valor assim. Daí a generalização da frieza como rótulo para os intelectuais e a classificação de ingênuos para os adeptos do sentimento. Ocorre que neste carreiro em que nos pomos não vamos chegar ao destino que desejamos, nem um lado nem outro.
Então, o que se deve pregar? Penso que não podemos, sob hipótese nenhuma, imaginar uma práxis sem a virtude do saber e um saber são a altivez do amor. Não há amor que resista à falta de conhecimento e não há conhecimento que supere o vazio do sentimento. O Espiritismo só se concretiza com os dois, parcimoniosamente dosados. Os excessos praticados pelos dois lados são degenerações que invalidam a prática, mas não invalidam a necessidade do saber e do sentir.
A título de justificar a sua adesão ao movimento de amor, afirmam alguns que o Espiritismo não trouxe nenhuma coisa nova que o Cristo já não houvesse trazido. É o argumento da justificação por uma opção, mas não é a verdade, pois esta está no reconhecimento explícito do saber aliado ao sentir e vice-versa. Ora, o Espiritismo não só trouxe novidades extraordinárias com o aporte dos valores sintetizados em seus princípios fundamentais como, também, instituiu objetivamente a necessidade do progresso assentado nos dois elementos: sentir e conhecer. Se não tomarmos conta desse legado, não como centuriões de olhos arregalados para pilhar o inimigo, mas como observadores de seu valor enquanto patrimônio, no seu justo equilíbrio, haveremos de ver repetir a formação de grupos defensores do amor e grupos defensores da razão. Ambos estarão certos no seu desequilíbrio, enquanto nenhum dos dois contribuirá seja para o progresso individual seja para o progresso social.
Lideranças espíritas, partidárias do sentimento como valor máximo, desejam repetir a experiência dos primeiros cristãos, sob a idéia de que esta é a necessidade a ser preenchida. E adotam o discurso de que o Espiritismo tem por precípua finalidade o desenvolvimento moral do ser e da coletividade, esta vista como conseqüência das alterações positivas conseguidas no ser individual. Com isso arriscam a que seus seguidores adotem a racionalidade apenas nas questões de conveniência e não como fator de equilíbrio na formação de uma consciência. A racionalidade de conveniência não possui mecanismos de aceitação do contrário, mas de afastamento dele, pois o contrário provoca auto-crítica e reavaliação sobre aquilo mesmo que constitui a razão de ser e de agir, o que lhe parece perigoso. A racionalidade de conveniência costuma optar pelo exclusivismo, na valorização dos que são solidários à forma de compreensão do mundo adotada, em negação àqueles que buscam sustentação da fé pela via da razão. E foi a racionalidade da conveniência que construiu o longo caminho das guerras ideológicas e materiais, dentro e fora dos recintos ditos religiosos.
A adoção da opção pelo amor não pode se servir da condenação do conhecimento. Caso o faça, estará atirando pela janela a conquista alcançada com o Espiritismo. Isso não significa que o conhecimento deva ter por sentido qualquer forma de dominação, ou que haja necessidade de sua prevalência sobre o sentimento. O equilíbrio está na compreensão da correlação de forças entre ambos. O alcance dessa visão conduzirá à outra forma de compreensão: à da importância da crítica e da reavaliação como condição para o diálogo entre os contrários, em lugar da adoção indiscriminada de uma opção isolada definitiva.