Federação Espírita de Goiás: orador chega para fazer palestra e encontra as portas fechadas. Indignados, promotores do evento recorrem a outra instituição para manter o programa. Fatos revelam covardia, desrespeito e tudo o mais que a boa moral condena.
A fraqueza humana é capaz de conduzir o indivíduo às mais desprezíveis ações. Debalde o homem desse jaez lutará para mostrar-se digno da moral espírita, porque não conseguirá superar as próprias imperfeições enquanto não se oferecer à práxis cotidiana com a coragem dos estoicos. O homem fraco e desprezível, envolto pela embalagem do espiritismo e no comando das atividades espíritas, poderá ser luzidia e colorida imagem, mas nunca será um verdadeiro homem de bem.
Minha indignação provém da minha incapacidade de assistir aos atos indignos praticados por seres humanos, com acento ainda mais agudo quando esses homens coexistem no mesmo meio doutrinário no qual me coloco. Admiravelmente, o invejável Leon Denis afirma que a tudo podemos suportar desde que não sejam ultrapassados os limites da dignidade humana. A dignidade é o pórtico humano do inatacável, a muralha inexpugnável do direito e da vida. Ao contrário da realidade constatada por Herculano Pires na frase que dá título a este artigo. Sim, o inesquecível amigo não fala, na frase, de um passado que o espiritismo ajuda a superar, mas de uma realidade que se mostra exatamente no contexto social de hoje, onde muitos espíritas operam e farisaicamente sorriem.Quando tomei conhecimento do fato que narro à frente, no dia posterior ao seu acontecimento, minha reação imediata era bradar aos quatro ventos para que todos tomassem conhecimento daquilo que vem se tornando, condenavelmente, comum nos meios espíritas. Contive-me, então. Revelo agora. Atitudes mesquinhas, travestidas de gestos fraternos, tornam cada dia mais muitas de nossas instituições de expressiva liderança lugares exemplares de injustiças e desrespeito, em meio ao mundo de indivíduos que clamam por comportamento moral elevado, que o espiritismo ensina e oferece a mancheias.
Vamos aos fatos. Registre-se, antes, que ocorressem eles com qualquer pessoa, titulada ou não, conteria o mesmo significado e mereceria igual reparo. Veio a ocorrer, porém, com alguém que exerce respeitável liderança sócio-política e doutrinária e que tem dado mostras de grande conhecimento e amor pelo espiritismo. Trata-se de Ademar Arthur Chioro dos Reis, dirigente espírita na cidade de Santos, integrante do quadro da Cepa – Associação Espírita Internacional, médico sanitarista, professor universitário e ex-ministro da Saúde.
Tendo sido convidado para integrar uma banca cuja tese envolvia a temática espírita, na Pontifícia Universidade Católica de Goiânia, em Ciências da Religião, aceitou também o convite da AEPHUS – Associação Espírita de Pesquisas em Ciências Humanas e Sociais, para um debate sobre “O espiritismo diante dos problemas sociais”, que ocorreria nos salões da Federação Espírita de Goiás, também conhecida por FEEGO.
Surpreendentemente, porém, ao chegar para o evento deparou-se ele e a comitiva que o acompanhava, integrada por membros da AEPHUS, com as portas da Federação fechadas, sem que nenhum aviso, nenhuma indicação, nenhum contato tivesse ocorrido de modo a antecipar mudanças e as devidas razões. Simplesmente, não havia informação alguma, nem mesmo para o público que também se dirigiu ao local. E não havia ainda nenhum dirigente, nem mesmo um funcionário daquela federativa que pudesse explicar qualquer coisa.
Apesar de todos os prejuízos inerentes a um acontecimento desse tipo, providenciou-se, de imediato, um outro local para onde cerca de 80 pessoas se deslocaram emergencialmente e puderam aproveitar o orador e o debate do tema, entre os presentes diversos professores universitários.
Logo os fatos revelaram a trama das mais sórdidas. Ninguém se espante com essa revelação, nem com o fato de serem líderes espíritas aqueles que tramaram nas sombras, pois apenas as sombras conseguem abrigar o homem fraco e medroso. É nelas que se trama e é em seus corredores lodosos que se abriga e indivíduo tergiversante. Esse é o umbral das personalidades escorregadias.
Quando da seção do auditório para a realização da palestra, não houve na FEEGO nenhuma objeção, mas consta que a Associação Médico Espírita (AME-GO), por seu presidente, ao tomar conhecimento da palestra programada fez gestões junto à presidência da FEEGO para que o evento não fosse ali realizado, sob as mais infamantes aleivosias contra o palestrante. Em vista disso, o convencimento da FEEGO foi o bastante para cancelar internamente a palestra, mas não o suficiente para comunicar àqueles representantes da AEPHUS sobre a decisão, o que revela a falta de coragem e a maneira como a ética espírita é vista naquela federativa. Temos aí a associação de duas conhecidas entidades cujo rótulo doutrinário assinala serem espíritas, que desonram com esse ato o espiritismo e desrespeitam a própria comunidade local ao negar-lhe a entrada nos seus recintos de forma silenciosa, além de colocar em total constrangimento o palestrante e a entidade promotora.
Pode-se fazer alguns questionamentos sobre as razões de um ato deste tipo. Seria por causa da posição política do palestrante (embora jamais haja ele utilizado o meio doutrinário para se promover)? É possível, não se pode descartar essa hipótese. Teria sido por conta de o palestrante ser integrante da CEPA, instituição internacional que possui algumas posições doutrinárias questionadoras? É bem provável. Teria sido por conta das próprias posições do palestrante a respeito de temas sociais e da área da saúde, legítimas, mas não vistas com bons olhos pela AME-GO e a parcela majoritariamente conservadora do meio espírita? Muito provável.
Mas a pergunta mais importante a ser respondida é esta: todas essas razões somadas justificam o procedimento, no mínimo, deseducado e deselegante por parte da FEEGO? Tem mais: a presença do palestrante na sede daquela federativa mancharia de alguma forma a entidade? Estaria ele incapacitado de produzir, como de fato produziu, um discurso aberto, dialógico, rico em informações, que pudesse ser debatido democrática e doutrinariamente?
Não se está aqui simplesmente defendendo um indivíduo, embora qualquer criatura em posição semelhante devesse ser defendida; estamos defendendo a dignidade humana, em contraposição à covardia dos que se julgam “guardiães do aprisco do templo”, porque se o fato ocorre com indivíduos com a expressiva folha corrida deste, quanto mais não ocorrerá à miúde com muitos espíritas anônimos que não possuem força suficiente para denunciar?
Finalizando: o espiritismo detém a mais fina flor da ética e da moral, suficientemente capaz de transformar o homem e a sociedade, mas é preciso que o homem espírita supere a plasticidade da imagem para revelar-se à sociedade com uma proposta que de fato se espelhe em seus atos. Até aqui, exemplos desse jaez repetidos apenas envergonham e denigrem a doutrina e todos os seus sinceros e honestos seguidores.