A comunidade espírita brasileira aceitou passivamente os dados do último censo. Segundo o IBGE, o número de espíritas praticamente não cresceu no Brasil. Foi o que demonstrou a medição. Para se saber quem é espírita, pergunta-se qual é a religião do entrevistado. Sob este ângulo, não há o que contestar: os dados do famoso instituto estão certos. Numericamente, não éramos muito expressivos; continuamos não sendo.
Fica no ar um certo desapontamento. Numa população de cerca de 170 milhões de pessoas, somos pouco mais de um por cento. Para ser exato, 1,8 por cento ou algo em torno de três milhões de espíritas declarados. Deveríamos ser mais. Gostaríamos de ser mais. Pensamos que temos uma grande história de conquista de espaço. E de fato temos. Desde Travassos, ouvimos que do Espiritismo do século XIX aos nossos dias realiza uma trajetória digna de admiração, fornecendo um cenário admirável de pujança. Não um cenário qualquer, mas algo grandioso que deveria refletir-se em quantidade. Temos na mente uma sensação quantitativa muito expressiva. Porém, os números do IBGE são implacáveis.
Surgem alguns consolos. Por exemplo, a idéia da qualidade versus quantidade. Amparados em Kardec, reafirmamos sempre que o proselitismo numérico não é um objetivo da doutrina; devemos lutar pela qualidade. Ninguém, em sã consciência, ficará contra esta idéia de que a qualidade é mais importante que a quantidade. Mas isso não retira um certo desapontamento quando os números nos colocam em posição inferior à religião tradicional e aos diversos ramos evangélicos. Até mesmo os ateus declarados formam um contingente maior que o nosso.
Ah a frieza dos números… Mas o que eles escondem? O que não dá para ver se botamos nossos olhos apenas no valor gráfico? Há algo muito importante, digno de reflexão. Por exemplo, a realidade do cotidiano espírita. Sim, é preciso considerar diversos aspectos do nosso dia-a-dia que influem em qualquer pesquisa desse gênero e com essas características. Vou dar um exemplo: outro dia, durante o intervalo de um jogo de futebol na Globo, a famosa jogadora de vôlei de praia Sandra foi mostrada lendo um livro de André Luiz e Chico Xavier. Seu nome: Nosso Lar. Quem assiste futebol na Globo sabe que ultimamente a emissora vem dedicando um espaço à promoção do hábito de leitura, colocando no ar indicações feitas por atletas de diversas modalidades esportivas. Pois é, apareceu a Sandra, campeã olímpica, com o mais lido livro psicografado de todos os tempos (pena que esta excelente idéia tenha sido retirada do ar). Alguém sabia que ela gostava de leituras espíritas? Pois a Sandra integra um grupo de simpatizantes da doutrina que, se perguntados qual é sua religião dirão que não têm. E outros, ainda hoje, responderão que sua religião é a católica.
Ninguém se espante com essa constatação. Há simpatizantes espíritas que simplesmente gostam das nossas teses fundamentais, e dos nossos livros. Outros admiram o fato de poderem se encontrar com pessoas queridas que já partiram. Muitos se encantam com as novelas globais inspiradas nos fatos espíritas: pessoas que aparecem a outras, o retorno ao convívio com os vivos; previsões, reencarnações. Pois é, grande parte dessas pessoas continua freqüentando suas religiões e se declarando adeptos delas quando procurados pelo IBGE.
Some-se a elas aqueles que não consideram religião o Espiritismo. Mas que são espíritas, como se diz, de corpo e alma. Todos eles, se perguntados qual é a sua religião, dirão que não têm. Simplesmente. Mas aceitam os princípios fundamentais como a reencarnação, a relação entre vivos e mortos, a existência de Deus entre outros. E lutam pela divulgação do Espiritismo, acreditando na sua força para modificar a sociedade.
Há, também, muitos que jamais diriam que são espíritas. Trata-se de uma contaminação do preconceito. Explico: eles freqüentam muitas vezes os centros, tomam passe, ouvem palestras, mas não podem aparecer como espíritas perante a sociedade. Quando não se incluem entre estes, são do tipo que gostam dos temas inspirados no Espiritismo, mas não fizeram uma adesão formal à doutrina nem pretendem fazê-lo.
A propósito, alguém sabe quantos espíritas estão entre aqueles milhões de brasileiros que deram à novela A Viagem a maior audiência da TV brasileira? Pois é, se 50 por cento dos telespectadores dissessem ao IBGE que eram espíritas seríamos hoje, provavelmente, o segundo contingente do país.
A busca frenética pelos números, essa obsessão norte-americana, nos faz às vezes deixar de lado o aspecto qualitativo, que só aparece quando refletimos sobre o contexto e as realidades que eles, os números, não revelam. Quando milhões de pessoas consomem livros de temática espírita, colocando-os nos primeiros lugares das listas por várias semanas, elas conferem um valor ao Espiritismo que ninguém pode desconsiderar.
Isto é um consolo? Uma leitura equivocada dos fatos? Pode ser. Mas é preciso ser bastante ingênuo para acreditar que o processo de influência do Espiritismo na sociedade deve ser analisado a partir da quantidade de adeptos revelada pelo IBGE. Aquilo que não é mensurável, que não pode ser somado, que não pode ser apresentado em caracteres alfanuméricos tem um peso muito significativo no quadro geral das análises. Estou convicto de que é um peso maior, imensamente maior do que os próprios números. E porque essa questão de dizer qual é sua religião tem complexidades enormes, tem implicações históricas e conseqüências culturais diretas na vida dos indivíduos, a valorização da qualidade ganha ainda mais importância para o Espiritismo. Fornecer conteúdos vale mais do que contar adeptos. Muito mais!