(a partir da entrevista com Alberto Casas, El País)

No novo livro A Ilusão do Tempo, o físico espanhol Alberto Casas retoma uma provocação que acompanha a ciência desde Einstein: e se o tempo — essa linha que aprendemos a percorrer do passado ao futuro — não passasse de uma construção da nossa percepção? Mais do que isso: e se o livre-arbítrio, orgulho de nossa cultura individualista, fosse apenas uma sensação produzida pelo cérebro?

Casas sugere que a realidade não tem um “presente universal”. Cada observador, regido pela relatividade, habita o seu próprio agora. Para a física, passado e futuro são partes simétricas da mesma arquitetura do espaço-tempo. O que diferencia um do outro não é uma fronteira ontológica, mas a entropia — as marcas que eventos antigos deixam, e que eventos futuros ainda não tiveram tempo de imprimir.

O futuro, então, não é o que virá: é o que já está inscrito, embora ainda invisível. Assim, viajar ao futuro nada tem de fantástico: é fenômeno real, demonstrado pelos relógios que batem mais devagar em satélites ou junto a buracos negros. Já o retorno ao passado, ainda que matematicamente contemplado em cenários exóticos, cairia numa repetição absoluta: o viajante não mudaria nada, porque nada pode ser mudado.

É nesse cenário que Casas dispara sua afirmação mais desconfortável: o livre-arbítrio é uma ilusão. Se as leis físicas são determinísticas, argumenta, o que fazemos já estava previsto desde o estado inicial do Universo. Se a física quântica introduz incerteza, ela o faz em forma de probabilidade — e “escolher” ao acaso não é liberdade. Soma-se a isso a neurociência, que detecta impulsos decisórios no cérebro antes da consciência pensá-los. A sensação de decidir seria, então, um truque evolutivo, útil para a nossa narrativa subjetiva, mas desvinculado da origem verdadeira das ações.

Casas, porém, evita o salto moral simplista. Mesmo que sejamos máquinas cósmicas sofisticadas, diz ele, precisamos agir como se decidíssemos. A civilização depende disso. A justiça depende disso. A saúde mental depende disso. A ausência prática de responsabilidade seria o caos. Assim, vivemos numa curiosa dobradiça: intelectualmente inclinados ao determinismo, operamos como agentes livres, custodiando escolhas que talvez não tenhamos feito.

O físico vai além e toca no fantasma mais antigo da humanidade: a morte. Se somos sistemas materiais altamente organizados, nossa dissolução seria meramente dispersão de informação. Em tese, reconstruível. Na prática, impossível — mas não proibida pelas leis do Universo. Para Casas, morrer é transformar-se num padrão que se esvai no tecido cósmico.

Na fronteira do pensamento científico, onde relatividade, mecânica quântica e biologia se roçam, seu discurso parece recuperar o tom de Einstein: o tempo, tal como o vivemos, é um hábito perceptivo; a morte, uma mudança de estado.

E nós, espectadores temporários de nós mesmos, seguimos acreditando que decidimos o que somos — talvez porque, como sugere o cientista, não saber que não decidimos é condição para continuar vivendo.

Além da Física: livre-arbítrio e a consciência não-local

Para uma visão espiritualista — como a proposta pelo Espiritismo — a tese de Casas representa apenas a descrição de um plano parcial da realidade: o do cérebro físico e das leis materiais. A física pode revelar limites do corpo e da cognição encarnada, mas não esgota o fenômeno da consciência.

Na tradição kardecista, a liberdade não é absoluta nem instantânea: o livre-arbítrio é uma conquista evolutiva, ampliada à medida que o Espírito desperta para sua dimensão moral e intelectual.

Assim, é possível que o cérebro opere mecanismos automáticos, como descrevem os estudos neurológicos, enquanto a mente — entendida como campo não-local e não-reduzido ao neurônio — atue como centro diretivo mais profundo, influenciando gradualmente o corpo e aprendendo a comandar seus reflexos mais primitivos.

A suposta “antecipação cerebral” de decisões, citada por Casas, não excluiria a presença consciente: indicaria somente a demora fisiológica do instrumento humano para registrar o comando do Espírito. A liberdade, nesse quadro, não é a escolha momentânea entre impulsos — é o conjunto de decisões acumuladas ao longo da vida (e de vidas) que moldam caráter, intenção e destino.

O determinismo físico, então, não anularia o sujeito moral: ele seria, antes, a moldura do cenário evolutivo, onde a consciência aprende a mover-se com autonomia crescente. Somos, nessa leitura, companheiros de nossa biografia espiritual — e não meros espectadores biológicos de impulsos neuronais.

Se Casas afirma que “a única forma de viver é agir como se escolhêssemos”, o pensamento espiritualista acrescentaria: a única forma de evoluir é aprender a realmente escolher.

By wgarcia

Professor universitário, jornalista, escritor, mestre em Comunicação e Mercado, especialista em Comunicação Jornalística.

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