Quando o ser humano conquistará a capacidade de se comunicar pelo pensamento?

Ler o pensamento é interpretar a mensagem que ele formula. Uma capacidade característica apenas dos seres superiores?

As religiões são culturais, o sentimento da existência de um ente superior, não. É o que ensinam os espíritos a Kardec. O pensamento é a linguagem pela qual o ser entra em comunhão com o ente superior, já as manifestações exteriores resultam das religiões e de suas estruturas. Ritos, rituais, fórmulas são criações do ser e meios de representação de sua crença. As religiões os possuem segundo seus princípios.
Fundamentalmente, ninguém necessita das representações para externar seus sentimentos na relação com o ente superior. O pensamento é suficiente para o fazer. Essas e outras noções formam o conjunto dos princípios com os quais a doutrina espírita ressignifica o termo religião e ao fazê-lo dispensa as representações exteriores de suas crenças.
Mas há que notar o predomínio do bom senso na filosofia espirita. Ao formular os princípios, não desconsidera a realidade na qual o ser vive. Antes, trata de pensar o ser no seu próprio contexto.
O século XIX, em cuja segunda metade teve início a elaboração do espiritismo, não foi somente o século da expansão da razão, mas, também, o instante da maturação de muitas outras ressignificações culturais, entre elas as oferecidas pelo espiritismo.
As noções novas tendem a romper com as noções dominantes, contribuindo para mudanças culturais necessárias. A ideia do poder do pensamento e sua condição enquanto meio para o diálogo com o ente superior impõe considerações diversas tendo em vista a própria realidade do ser em seu mundo.
Se na teoria o ser pode dispensar as representações para esse diálogo com o ente superior, na prática, o ser no mundo não existe sem representações. O progresso da civilização se fez pela capacidade de criar modos de representar e de renovar esses modos, permanentemente.
O ato de pensar implica o de expressar ideias. Ideias não são intercambiáveis entre seres humanos senão por meio de linguagens, que são modos de representação. Mas, também, de expressão de identidade. Assim, o ser não apenas precisa da linguagem como de fato vive e existe na linguagem. E busca resolver suas necessidades adaptando ou criando modos de representação voltados para seus sentidos físicos e seus desejos de comunicar ideias.
O ser no mundo, consequentemente, pode dialogar com o ente superior mediante ideias que se expressam com o emprego de linguagens. Uma, isoladamente, duas ou mais, associadas e simultâneas.
Este seria o modo de comunicação mínimo entre as duas partes, mas suficiente para que a relação se realize ao nível ótimo. Por exemplo, a linguagem verbal pode representar as ideias do ser para o ente superior, sem necessidade de nenhuma outra forma de expressão nessa relação.
O nível ótimo, contudo, em termos dialógicos só ocorre por conta de outras noções mais que o espiritismo oferece. Quando o ser expressa suas ideias, independentemente da insuficiência natural às linguagens, o ente superior as “interpreta” considerando não apenas o significado semântico, mas a carga de sentimentos reais que as palavras carregam. Observe-se que o sentido do termo interpretação, neste caso, deve ser visto para além da noção antropomórfica, uma vez que o ente superior, para o espiritismo, é a inteligência mor irrepresentável.
Ou seja, o conteúdo nesse caso não se prende aos signos da representação verbal, nem à sua correição gramatical ou beleza estética, menos ainda à extensão do discurso. Breve ou longo, prevalece a relação entre a ideia e a verdade na manifestação do ser humano.
Como dizia o antigo escravo, ao sair de sua choupana pela manhã: “Pai, nego véio tá aqui”. Sem dúvida, uma comovente e sincera expressão do ser para com o ente superior. Eis aí a prece dialógica, a conversa iniciada por um sujeito inteligente com vistas a sensibilizar o ser superior por ele considerado, na qual se insere uma expectativa de futuro.
Sabemos também, pelo espiritismo, que a comunhão de pensamentos implica o intercâmbio de energias, as quais estão em relação de qualidade com o pensamento dos seres em comunicação. Mais objetivamente, na linha de Kardec: a energia em seu estado natural, quando acionada, é qualificada pelo pensamento e, ao mesmo tempo, se faz o veículo transportador desse pensamento até o seu destino. Assim, o ser pensa e age sobre as energias, enquanto estas, sob a influência do pensamento, são por este conduzidas.
Segundo tal princípio, uma vez emitido, o pensamento adquire expressão própria: qualidades físicas e éticas que, em linguagem comunicacional, estão representadas por um código próprio interpretável no seu conjunto de signos.
Considere-se ainda a força com que o pensamento é emitido, a qual, segundo alguns estudiosos, tem no elemento vontade a sua capacidade. Assim, uma vontade resultante de uma determinação firme poderia imprimir ao pensamento a força necessária para alcançar o seu objetivo final, ou seja, o destinatário da mensagem contida no pensamento.
A equação está, pois, assim formulada: pensamento + energia = mensagem. Uma simplicidade aparente, porque o conteúdo da mensagem pode ser alcançado em sua expressão real por espíritos evoluídos, capacitados, portanto, a interpretar a mensagem para além das limitações da linguagem humana.
Aprende-se isso tudo e muito mais pelo estudo permanente da doutrina espírita.

By wgarcia

Professor universitário, jornalista, escritor, mestre em Comunicação e Mercado, especialista em Comunicação Jornalística.

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