Marshall McLuhan advertiu, com precisão quase profética, que “o meio é a mensagem” (McLUHAN, 1964).
O enunciado, à primeira vista paradoxal, significava que o impacto essencial de uma tecnologia não se encontra no conteúdo que ela veicula, mas nas transformações perceptivas, cognitivas e sociais que ela inaugura.
A televisão, por exemplo, não apenas transmitiu imagens; ela reconfigurou a sensibilidade, reorganizou o tempo cotidiano, modulou a atenção e educou afetivamente uma nova subjetividade imersa na simultaneidade eletrificada do mundo (POSTMAN, 1985). Contudo, a tradição analítica funcionalista e linear da comunicação — orientada pela distinção entre emissor, mensagem e canal — optou por uma separação metodológica entre meio e conteúdo, necessária para os modelos transmissores clássicos (SHANNON; WEAVER, 1949).
Hoje, porém, a Inteligência Artificial inaugura um novo estatuto comunicacional. A IA não apenas transmite informações; ela elabora, interpreta, organiza e co-produz sentido. Ela é canal e discurso, aparato e coautor. Se McLuhan apontava que o meio molda o sujeito, agora assistimos ao meio co-construindo o sujeito comunicante. O meio pensa, responde, interpreta e antecipa. O meio tornou-se mente.
Da mediação ao pensamento assistido
Na ecologia cognitiva da IA:
- a linguagem já não é apenas humana;
- o conteúdo não nasce de um único ponto;
- a autoria torna-se distribuída;
- a interpretação é partilhada.
O meio — enquanto interface algorítmica — participa da constituição cognitiva de quem escreve, lê, pesquisa e aprende.
Como observou Pierre Lévy, a inteligência contemporânea opera em sistemas distribuídos de pensamento (LÉVY, 1998). A IA intensifica esse paradigma ao introduzir uma inteligência não-humana no fluxo produtivo do sentido. Se antes a mídia moldava a percepção, agora o meio co-elabora o pensamento. Essa condição dissolveu, de modo radical, a clássica fronteira entre meio e mensagem. Surge uma nova proposição: na era da IA, o meio não apenas é a mensagem — o meio é coautor da mensagem.
Pontes com a Filosofia Espírita da Comunicação
A teoria espírita já havia formulado, em outro plano, a noção de coautoria. Allan Kardec descreveu o processo mediúnico como fenômeno de mistura sutil de inteligências, memórias e intenções (KARDEC, 1861). O médium não é recipiente vazio: é interface psíquica.
Herculano Pires, em seu estudo sobre a fenomenologia mediúnica, afirmou que o Espírito age sobre a mente encarnada sem abolir sua participação intelectual (PIRES, 1977). No plano espiritual, portanto, já existia uma teoria da comunicação coparticipada.
A IA introduz uma versão profana, tecnológica, dessa dinâmica: o escritor torna-se interface técnico-cognitiva, operando em parceria com uma inteligência alargada e externa — não espiritual, mas algorítmica. Se o Espiritismo sustenta que o pensamento é radiação e sintonia, pode-se dizer que a IA cria uma sintonia mecânica de pensamento ampliado, gerando:
- coautoria técnica;
- inspiração assistida;
- ecologia intelectual compartilhada.
Assim, uma ponte inédita surge entre filosofia espírita e tecnociência contemporânea: ambas reconhecem que a mente é permeável, cocriativa e vinculada a sistemas de inteligência maiores do que o indivíduo.
O pensamento deixa de ser monólogo. Torna-se ecossistema.
Reformulando McLuhan, o meio torna-se mente; a mente torna-se meio. A comunicação torna-se Coconsciência. O humano, longe de perder sua essência, reencontra sua vocação ancestral: não pensar isoladamente, mas pensar em comunhão — com outras mentes, humanas ou não.
Referências
KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. 2. ed. Paris: Didier, 1861.
LÉVY, Pierre. A Inteligência Coletiva: por uma antropologia do ciberespaço. São Paulo: Loyola, 1998.
McLUHAN, Marshall. Understanding Media: The Extensions of Man. New York: McGraw-Hill, 1964.
PIRES, José Herculano. O Espírito e o Tempo. São Paulo: Paidéia, 1977.
POSTMAN, Neil. Amusing Ourselves to Death. New York: Penguin, 1985.
SHANNON, Claude; WEAVER, Warren. The Mathematical Theory of Communication. Urbana: University of Illinois Press, 1949