Nem todo grande homem é, também, um grande espírito

 

A grandeza humana, muitas vezes, é uma construção do olhar histórico — um reflexo da admiração coletiva pelas obras, pelos feitos, pela força transformadora de certos indivíduos sobre o mundo. No entanto, essa mesma história, com o passar do tempo, revela que tais grandezas se sustentam sobre contradições, paixões, e até sobre fragilidades morais que a posteridade, em sua justiça tardia, costuma desnudar.

O grande homem ergue monumentos, vence batalhas, redige leis, muda o rumo de um povo; mas o grande espírito eleva consciências. A diferença é sutil, porém decisiva: o primeiro age no espaço social, o segundo no campo moral. Como afirmava Immanuel Kant, o verdadeiro valor de uma ação não está no êxito, mas na intenção que a move. A grandeza moral, portanto, não é reconhecida pela glória pública, mas pela fidelidade íntima ao dever e à razão prática (KANT, 1785).

Por sua vez, Espinosa já advertia que “tudo quanto é nobre é tão difícil quanto raro” (ESPINOSA, 1677, Ética, V, prop. 42), indicando que a virtude do homem superior consiste em compreender e amar a ordem necessária das coisas, sem se deixar aprisionar pelos afetos inferiores. Essa visão racional do bem se harmoniza com a perspectiva espírita, na qual a evolução do espírito é o verdadeiro critério de grandeza.

No Livro dos Espíritos, Allan Kardec (1857) indaga: “Qual o mais perfeito tipo que Deus tem oferecido ao homem para lhe servir de guia e modelo?” E a resposta, dos próprios Espíritos, é clara: “Jesus.” A perfeição, portanto, não é histórica, mas espiritual — um horizonte a ser buscado. Nenhum grande homem pode ser considerado perfeito enquanto não houver em si a harmonia entre pensamento, sentimento e ação moral.

Léon Denis (1909), por sua vez, amplia essa visão, afirmando que o verdadeiro progresso é o progresso da alma, que se faz por dentro, e não o das civilizações passageiras. Denis observa que “a ciência engrandece o homem, mas é a consciência que o eleva”. Assim, a verdadeira grandeza é uma ascensão silenciosa, invisível aos olhos, mas luminosa à alma.

O dito popular — “para um criado de quarto, não há homem perfeito” — encerra uma sabedoria que a filosofia confirma: a convivência revela o homem. O olhar próximo, o cotidiano partilhado, o testemunho das pequenas ações, tudo isso desfaz o mito e nos devolve à condição humana. E é aí que se distingue o grande espírito: ele não teme ser visto de perto. Suas falhas, quando existem, não o desmentem, mas o humanizam, mostrando que a perfeição não está na ausência de erro, e sim na disposição constante de superá-lo.

A verdadeira grandeza, portanto, não é a que faz ruído no tempo, mas a que ressoa na eternidade. Grandes homens passam; grandes espíritos permanecem — porque neles a luz é causa, não efeito.

O Homem e o Espírito

As marcas dos homens reconhecidos como grandes pela sociedade estão gravadas em monumentos, edifícios e jardins. Seus nomes perpetuam-se em ruas, avenidas e cidades. Há os que, desejosos de fixar-se na história, destinam fortunas a fundações e obras filantrópicas, acreditando, assim, escapar à ação dissolvente do tempo. Mas, apesar de todas essas homenagens visíveis, permanecem cativos da condição humana — seres ainda em aprendizado, carentes da verdadeira grandeza que não se inscreve em pedra, mas em consciência.

A glória pública é uma forma de sobrevivência simbólica, e, como observou Friedrich Nietzsche (1886), o homem busca na memória coletiva a continuidade de sua existência terrena, temendo o esquecimento mais do que a morte. Contudo, essa imortalidade social é uma sombra: ela conserva a imagem, mas não o ser. O nome pode permanecer, mas o espírito, se não tiver evoluído, não se reconhece na própria fama que o mundo lhe atribuiu.

Allan Kardec (1868), ao discutir a pluralidade das existências e o progresso espiritual, lembra que “as posições de glória terrena são provas que frequentemente perdem o homem”. A fama e o poder, longe de libertarem, impõem responsabilidades acrescidas, pois revelam a distância entre o que o indivíduo representa exteriormente e o que é, em essência.

Ernesto Bozzano (1926), em A crise da morte, observa que a consciência sobrevive ao corpo e que o espírito se defronta, após a morte, não com as honrarias da Terra, mas com o valor intrínseco de suas intenções e obras morais. O que fora aparência se desfaz; o que fora substância espiritual permanece. Assim, a grandeza real não é a que o povo celebra, mas a que o espírito conquista na solidão de sua consciência.

A sociedade humana ergue estátuas; o universo moral ergue vibrações. Aquilo que o tempo desgasta, o espírito transfigura. Por isso, os grandes espíritos não buscam ser lembrados, mas compreendidos — e, na medida em que se aproximam da verdade, libertam-se da necessidade de permanecer nos nomes e nos mármores.

Como ensinou Léon Denis (1909), “as civilizações perecem, mas o espírito humano prossegue”. Essa é a única permanência possível: a grandeza interior que se converte em força educativa para os que ficam, e em luz ascendente para aquele que já partiu.

Os Invisíveis da Terra

Os Espíritos, em seu diálogo com os homens, frequentemente revelam a existência de indivíduos anônimos, cuja passagem pelo mundo é silenciosa, mas de uma grandeza moral incomensurável. Suas ações, discretas e quase imperceptíveis, escapam aos registros da história e às glórias do poder humano, mas brilham intensamente na memória espiritual.

Dizem os Espíritos que, quando vistos em sua forma não humana — já libertos do corpo material —, esses seres surpreendem por sua luz. Foram, na Terra, homens e mulheres frágeis, pobres, sem expressão social; contudo, sob o olhar espiritual, resplandecem como astros ocultos que iluminavam o mundo sem que este o soubesse.

Allan Kardec, em O Evangelho segundo o Espiritismo (1864), afirma que “os grandes do mundo são pequenos aos olhos de Deus, e que os humildes e caridosos são os verdadeiros grandes”. O anonimato terreno é, para muitos espíritos elevados, condição necessária ao aprendizado da humildade e ao exercício da abnegação. Eles não buscam aplausos; buscam servir.

Esses anônimos, como observa Léon Denis (1909), são “as forças secretas que sustentam o progresso moral da humanidade”. Espalham sementes invisíveis de bondade e justiça que germinam lentamente nos corações, forjando, ao longo dos séculos, homens e civilizações mais elevadas. A ação desses espíritos — encarnados ou desencarnados — é silenciosa como o vento que fertiliza os campos: não se vê, mas se sente.

José Herculano Pires (1970), ao refletir sobre a educação do espírito, escreveu que “o bem não faz propaganda; ele age no íntimo das almas”. E é nesse sentido que a verdadeira grandeza moral não se mede por reconhecimento público, mas pela capacidade de transformar o ambiente ao redor, de inspirar o bem, de deixar — como você tão poeticamente escreveu — sementes que brotam aos poucos e forjam homens superiores.

A glória dos anônimos é a luz do futuro. Eles não constroem monumentos, constroem consciências. Sua grandeza não se inscreve em mármore, mas no campo invisível das almas que despertam para o amor.

A Glória dos Espíritos e o Esquecimento dos Homens

A glória dos homens é efêmera; a dos espíritos, imperecível. O tempo, que corrói estátuas e apaga nomes, não alcança o mérito que se grava na consciência. Por isso, o esquecimento dos homens não é um castigo: é o véu que separa o transitório do eterno. O espírito que age pelo bem, sem esperar reconhecimento, ascende silenciosamente no universo moral, libertando-se da dependência do aplauso terreno.

Allan Kardec (1868), ao explicar o progresso dos mundos, afirma que o espírito só se engrandece quando compreende que “a verdadeira vida é a do espírito, e não a do corpo”. Essa compreensão dissolve a vaidade das glórias humanas e revela que o objetivo último da existência é o aperfeiçoamento moral. O esquecimento terreno torna-se, então, um símbolo de purificação: quanto menos se busca ser lembrado, mais se aproxima da luz que não precisa ser proclamada.

Léon Denis (1910), em O Problema do Ser, do Destino e da Dor, reforça essa ideia ao dizer que “a alma se eleva na medida em que se despoja de tudo o que é material”. Assim, a glória espiritual é inversa à glória humana: quanto mais o espírito renuncia, mais cresce; quanto mais se doa, mais se eterniza. O esquecimento é, paradoxalmente, a porta da memória divina.

Herculano Pires (1975), interpretando Kardec, afirma que o verdadeiro sentido da imortalidade não está em ser lembrado, mas em continuar agindo. O espírito superior não precisa de estátuas, pois ele mesmo se faz presença. Sua influência atravessa os séculos, inspirando consciências, mesmo quando o nome que o designava já se dissolveu no pó do tempo.

Aqueles que compreendem essa lei vivem o desprendimento como liberdade. Sabem que o esquecimento dos homens é o preço da lembrança dos céus. A grandeza espiritual é, assim, a harmonia perfeita entre a ação silenciosa e a eternidade da causa. E quando a humanidade aprender a reconhecer os verdadeiramente grandes — não os que dominam, mas os que servem —, talvez o mundo enfim descubra que a glória não está na fama, mas na luz.

 

Referências

  • BOZZANO, Ernesto. A Crise da Morte. 2. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1945 [1926].
  • DENIS, Léon. Depois da Morte. 26. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1995 [1909].
  • DENIS, Léon. O Problema do Ser, do Destino e da Dor. 16. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1995 [1910].
  • ESPINOSA, Bento de. Ética Demonstrada segundo a Ordem Geométrica. São Paulo: Martins Fontes, 2009 [1677].
  • KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Trad. Paulo Quintela. Lisboa: Edições 70, 1986 [1785].
  • KARDEC, Allan. A Gênese. 5. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1995 [1868].
  • KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. 118. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1995 [1864].
  • KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 87. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1995 [1857].
  • NIETZSCHE, Friedrich. Além do Bem e do Mal. Trad. Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2001 [1886].
  • PIRES, José Herculano. Agonia das Religiões. São Paulo: Paidéia, 1975.
  • PIRES, José Herculano. Educação do Espírito. 5. ed. São Paulo: Paidéia, 1970.

By wgarcia

Professor universitário, jornalista, escritor, mestre em Comunicação e Mercado, especialista em Comunicação Jornalística.

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