“Alio-me a todos e, por isso mesmo, a ninguém.” A máxima expõe um paradoxo central da vida humana: aliançar-se implica risco de comprometer princípios; recusar alianças, por sua vez, conduz ao isolamento estéril. O problema é, portanto, encontrar um caminho ético e político que permita conviver sem se perder, somar forças sem dissolver a própria identidade.

O risco da aliança

Desde a Política de Aristóteles, sabemos que o homem é um zoon politikon — um ser que só se realiza em comunidade. A vida solitária é, para ele, imprópria ao humano: “Quem vive sem a pólis é ou um deus, ou uma besta” (ARISTÓTELES, Política). Ainda assim, o filósofo reconhecia que a vida comunitária exige concessões, pactos e acomodações.

É justamente nesse espaço de concessões que surgem os riscos. As alianças, por vezes necessárias, podem transformar-se em prisões. Maquiavel, em O Príncipe, advertia que alianças políticas se fazem não por lealdade, mas por conveniência, e por isso exigem vigilância constante. Exemplos abundam na história: o já citado Pacto Germano-Soviético (1939) uniu forças ideologicamente opostas em nome de ganhos imediatos, mas resultou em catástrofe moral e geopolítica.

Também no campo religioso, a aliança entre o cristianismo primitivo e o Império Romano, no século IV, garantiu sobrevida e expansão à fé, mas ao custo da sua institucionalização rígida e da perseguição a dissidentes. O que era movimento de comunhão converteu-se em estrutura de poder.

O deserto do individualismo

Se o risco da aliança é a perda de princípios, o risco da recusa é o malogro da solidão. Rousseau, em seu Discurso sobre a origem da desigualdade, sonhou com o “bom selvagem” que, isolado da sociedade, manteria sua pureza natural. Mas a utopia rousseauniana mostrou-se inviável: fora da convivência, não há cultura, memória nem legado.

Hannah Arendt, em A condição humana, foi além: a ação política só existe em espaço compartilhado. O indivíduo isolado pode pensar e criar, mas não transforma o mundo. Para ela, a solidão é a antítese da política, pois a liberdade se concretiza apenas no entrelaçamento das vozes.

Esse deserto do individualismo se manifesta quando líderes ou pensadores, recusando alianças, tornam-se marginais na história. Conservam coerência pessoal, mas não geram transformação. É a tragédia dos visionários que não encontram ressonância.

O caminho do meio: alianças por princípio

Entre a dissolução no coletivo e o isolamento orgulhoso, o desafio é cultivar o que se poderia chamar de alianças por princípio. Aqui, mais uma vez, Aristóteles ilumina: a virtude está no meio-termo, nem no excesso, nem na carência.

Exemplos contemporâneos confirmam essa possibilidade. Gandhi construiu um movimento de massas em torno do princípio inegociável da não-violência, estabelecendo alianças amplas sem trair seu núcleo ético. Nelson Mandela, ao negociar o fim do apartheid, soube ceder pragmaticamente em pontos estratégicos, mas jamais abriu mão da luta pela dignidade e igualdade racial. Ambos mostram que é possível pactuar sem se corromper, desde que o princípio seja a âncora.

Zygmunt Bauman, em Modernidade líquida, advertiu que vivemos tempos em que alianças se tornaram frágeis, voláteis, descartáveis. O risco é maior: dissolver-se em compromissos superficiais ou naufragar no individualismo narcisista. A saída, sugere, é recuperar a densidade dos vínculos éticos — alianças que se sustentam não na conveniência, mas no reconhecimento do outro.

Ética da convivência

A solução não está em aliançar-se cegamente nem em recusar alianças por orgulho. A saída ética exige vigilância:

  • dizer “sim” sem trair a consciência;
  • dizer “não” sem se fechar ao diálogo.

Arendt nos recorda que a liberdade floresce no encontro com o outro; Bauman lembra que o risco da liquidez é perder raízes; Aristóteles aponta a virtude no meio-termo; Rousseau alerta contra a corrupção dos pactos, mas também contra a ilusão da solidão.

Assim, aliançar-se é aceitar o paradoxo de precisar do outro sem se dissolver nele. A vida política, ética e espiritual é feita dessa corda bamba. Quem se alia a todos se perde; quem se alia a ninguém se condena ao malogro. A verdadeira sabedoria consiste em saber escolher os pactos que fortalecem sem corromper, e as recusas que preservam sem isolar.

Referências

  • ARISTÓTELES. Política. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
  • ARENDT, Hannah. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.
  • BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
  • MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
  • ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem da desigualdade. São Paulo: Abril Cultural, 1973.

By wgarcia

Professor universitário, jornalista, escritor, mestre em Comunicação e Mercado, especialista em Comunicação Jornalística.

Olá, seu comentário será muito bem-vindo.

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.