Se observarmos, por exemplo, os avanços tecnológicos da Internet e o aparecimento da inteligência artificial, vamos perceber que essas conquistas humanas se tornam ferramentas disponíveis tanto para homens sérios quanto para inescrupulosos, portanto, ótimas para o bem e o mal, sendo que os homens desonestos as utilizam em grande proporção, trazendo prejuízos absurdos à sociedade.
De acordo com o Espiritismo — especialmente como ensinado por Allan Kardec em obras como O Livro dos Espíritos —, o verdadeiro progresso da humanidade acontece em duas linhas paralelas:
- Progresso intelectual (descobertas, ciência, tecnologia etc.);
- Progresso moral (virtudes como justiça, solidariedade, respeito ao próximo, amor).
Kardec explica que o progresso intelectual pode até preceder o moral, mas, sem a melhoria moral, os avanços técnicos podem ser usados para aumentar o sofrimento, a desigualdade e a corrupção. Ou seja: o intelecto amplia o poder do homem, mas não define o que ele fará com esse poder.
Por exemplo, a Internet e a inteligência artificial são conquistas brilhantes do ponto de vista técnico. No entanto:
- Pessoas de boa índole usam essas ferramentas para educar, curar, informar, conectar e beneficiar;
- Pessoas mal-intencionadas as usam para roubo, manipulação, espionagem, desinformação e exploração.
Isso confirma a tese espírita: enquanto a moralidade média da sociedade não evolui, os instrumentos do progresso servem tanto para o bem quanto para o mal, dependendo do caráter dos que os utilizam.
Essa visão é realista e ainda hoje muito atual. Progresso moral significa, entre outras coisas:
- Desenvolver a consciência coletiva do que é certo;
- Educar para valores éticos;
- Reduzir o egoísmo, o orgulho e a ambição desmedida.
RECORDEMOS
Sócrates e Platão
Já na Grécia antiga, Sócrates dizia que “o conhecimento do bem leva necessariamente à prática do bem”. Para ele, o verdadeiro saber é moral. Mas Platão observou, especialmente na República, que o conhecimento técnico (por exemplo, a arte de construir) não torna uma pessoa justa. Alguém pode ser um grande engenheiro e ainda assim ser moralmente corrupto. Portanto, como no Espiritismo, já se percebia que o domínio técnico precisa ser governado pela virtude.
Immanuel Kant
(século XVIII)
O filósofo alemão Kant afirmou algo bem semelhante:
“A instrução sem moralidade é perigosa.”
Para Kant, a razão prática — ou seja, a capacidade de agir segundo princípios éticos universais, como o “imperativo categórico” (“aja apenas segundo a máxima que possas querer que se torne lei universal”) — é o que deve dirigir a razão instrumental (o conhecimento técnico).
Conclusão de Kant: o ser humano só será verdadeiramente livre e digno quando usar o conhecimento técnico subordinado a princípios morais.
Hannah Arendt
(século XX)
A pensadora judia-alemã Hannah Arendt, ao refletir sobre o nazismo e a banalidade do mal, alertou que:
- Grandes avanços técnicos (como as fábricas de armas, o uso sistemático da burocracia) foram usados para realizar horrores (Holocausto);
- Muitos dos responsáveis não eram “monstros” no sentido clássico, mas pessoas comuns que se limitavam a “cumprir ordens”, sem reflexão moral.
Assim, Arendt reforça que sem consciência moral, a tecnologia pode ser transformada em instrumentos de destruição em massa.
Zygmunt Bauman
(sociólogo contemporâneo)
Em sua teoria da “modernidade líquida”, observa que o desenvolvimento tecnológico cria sociedades rápidas e eficientes, mas também:
- Desconectadas de vínculos sólidos;
- Vulneráveis a manipulações;
- Sem garantias de um progresso humano real.
Para ele, o problema é que a tecnologia acelera tudo, mas não responde à pergunta fundamental: “para onde estamos indo?”.
Essa falta de norte moral é o grande desafio atual.
Yuval Noah Harari
(historiador contemporâneo)
Em livros como Homo Deus, mostra que:
- A inteligência artificial e a biotecnologia podem nos dar capacidades de “quase-deuses”;
- Mas, sem sabedoria e valores éticos, corremos o risco de usar essas ferramentas para autodestruição ou aprofundar desigualdades.
Para Harari, o futuro não depende apenas da tecnologia, mas principalmente de escolhas éticas que precisam ser tomadas conscientemente pela humanidade.
ASSIM
Tanto o Espiritismo quanto esses pensadores antigos e modernos apontam para o mesmo núcleo:
- Progresso técnico é neutro;
- Progresso moral é essencial para que o progresso técnico seja usado para o bem.
Sem evolução moral, o avanço tecnológico pode ser uma bênção ou uma maldição — depende do caráter de quem o utiliza.
O CONHECIMENTO OU O PODER SÓ É BOM SE ORIENTADO PELA SABEDORIA MORAL
Budismo
No Budismo, especialmente no Nobre Caminho Óctuplo (ensinamento básico de Buda), o progresso humano exige equilíbrio entre:
- Sabedoria (compreensão correta);
- Ética (fala correta, ação correta, meio de vida correto);
- Disciplina mental (atenção plena, esforço correto, meditação correta).
O conhecimento técnico por si só não é valorizado se não vier acompanhado de compaixão, não-violência e benevolência.
Por isso, no Budismo, há o conceito de “habilidade sem sabedoria” ser perigosa: um indivíduo inteligente, mas sem compaixão, pode causar imenso sofrimento.
Exemplo atual:
- Desenvolver armas químicas é uma habilidade técnica;
- Mas usá-las é um crime contra a vida.
Assim, o Budismo antecipa a mesma preocupação espírita: a mente humana precisa ser iluminada pelo coração para que o saber sirva ao bem.
Taoísmo
(China antiga)
O Taoísmo, especialmente no Tao Te Ching de Laozi, ensina que:
- O verdadeiro poder vem do equilíbrio com o Tao (o fluxo natural da vida);
- Quem tenta dominar a natureza ou os outros com força ou astúcia perde o seu próprio equilíbrio interno.
Assim, um governo ou uma sociedade que busca apenas o domínio técnico, sem respeito ao Tao (harmonia, justiça, simplicidade), acaba se autodestruindo.
O Taoísmo recomenda agir com moderação, humildade e naturalidade, princípios éticos antes de qualquer busca de poder.
Confucionismo
(China antiga)
Confúcio, diferentemente do Taoísmo, colocou ênfase em:
- Ética pública;
- Responsabilidade social;
- Virtudes pessoais como benevolência (Ren) e justiça (Yi).
Para Confúcio, o progresso de uma sociedade depende essencialmente da formação moral dos seus líderes e cidadãos.
Técnicas administrativas, militares ou econômicas só funcionam se as pessoas tiverem caráter.
Pensamento indígena (Américas)
Muitas tradições indígenas (por exemplo, dos povos originários das Américas) também ensinam que:
- A sabedoria é mais importante que o conhecimento técnico;
- Todo saber deve ser usado para manter o equilíbrio com a natureza e com a comunidade.
Para os povos indígenas, tecnologias — como agricultura, caça ou construção — sempre vêm acompanhadas de rituais e ensinamentos morais que garantem que não haja ganância ou exploração predatória.
Exemplo:
- Entre os Iroqueses, havia o princípio de considerar o impacto de cada decisão nas sete gerações futuras — uma visão ética que supera em muito a lógica de curto prazo que domina o mundo moderno.
Resumo geral
Tradição | Ponto central |
Budismo | O saber técnico deve ser guiado pela compaixão e não-violência. |
Taoísmo | O poder técnico só é benéfico se estiver em harmonia com o Tao. |
Confucionismo | Sem virtudes pessoais, a técnica leva à decadência social. |
Saberes indígenas | O saber deve manter o equilíbrio da vida e respeitar as futuras gerações. |
Conclusão unificada
Tanto no Espiritismo quanto em diversas tradições filosóficas, religiosas e culturais do mundo, a ideia se confirma:
O avanço externo sem avanço interno é perigoso.
A humanidade precisa não apenas saber mais, mas ser melhor — caso contrário, suas conquistas se voltarão contra ela mesma.
EXEMPLOS CONCRETOS — HISTÓRICOS E ATUAIS — QUE MOSTRAM COMO O PROGRESSO TÉCNICO SEM PROGRESSO MORAL LEVOU A CRISES, E COMO O PROGRESSO ÉTICO PODE REVERTER OU EVITAR TRAGÉDIAS.
Exemplos históricos do mau uso do progresso técnico
A Revolução Industrial (século XVIII e XIX)
- Avanços técnicos: Máquinas a vapor, fábricas, ferrovias, produção em massa.
- Problema: A exploração brutal dos trabalhadores (inclusive crianças) em condições desumanas.
- Consequência: Miséria urbana, doenças, degradação social.
Aqui, o progresso técnico foi usado principalmente para enriquecer uma minoria, sem responsabilidade social. As fábricas eram símbolo de progresso, mas também de grande sofrimento humano.
As Guerras Mundiais (século XX)
- Avanços técnicos: Armas químicas, tanques de guerra, aviação militar, bomba atômica.
- Problema: Esses avanços foram usados para matar milhões de pessoas.
- Consequência: Devastação global, sofrimento em massa, traumas psicológicos coletivos.
O auge da tecnologia bélica mostrou que sem moral, o conhecimento pode destruir em vez de construir.
Internet e redes sociais (século XXI)
- Avanços técnicos: Comunicação instantânea, informação globalizada.
- Problema: Fake news, manipulação política, cyberbullying, violação de privacidade.
- Consequência: Polarização social, crises de saúde mental, ataques à democracia.
A Internet é uma ferramenta poderosa, mas sem valores éticos claros, ela se torna um campo fértil para desinformação e abuso.
Exemplos de progresso moral ajudando a corrigir ou evitar desastres
Movimento Abolicionista (século XIX)
- Mesmo quando a economia baseada na escravidão era altamente lucrativa, homens e mulheres movidos por valores éticos (como os Quakers, espiritistas e iluministas) lutaram pela abolição da escravidão.
Aqui vemos: O progresso moral foi contra o interesse econômico imediato para defender a dignidade humana.
Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948)
- Após as atrocidades da Segunda Guerra Mundial, líderes mundiais reconheceram que era preciso estabelecer princípios éticos universais acima dos interesses de Estado ou tecnológicos.
Resultado: Um marco moral que ainda hoje fundamenta direitos civis no mundo todo.
Ética em Inteligência Artificial (hoje)
- Empresas, universidades e organizações estão tentando construir princípios éticos para o uso da IA: garantir transparência, proteger privacidade, evitar discriminação algorítmica.
Embora insuficiente ainda, é um sinal de que há uma consciência crescente de que o avanço técnico precisa ser acompanhado por reflexão ética.
Conclusão prática
Esses exemplos mostram que:
- Quando o avanço moral acompanha o técnico, temos conquistas humanas realmente positivas (direitos humanos, abolição da escravidão, regulações para IA).
- Quando o avanço moral não acompanha, o progresso técnico se torna uma arma de destruição e sofrimento.
👉 Em termos espíritas:
O progresso material é inevitável; o progresso moral é a escolha que define se a humanidade caminha para a luz ou para o sofrimento.
Observe-se, porém, que movidos por uma visão decalcada, muitos atacam o desenvolvimento moral do ser humanos baseados na ideia de que essa reforma interior não é suficiente para mudar a sociedade, pois o verdadeiro avanço só se estabelece com a reciprocidade entre crescimento moral individual e reformas sociais.
- Não basta esperar apenas que o indivíduo melhore em silêncio para que a sociedade mude.
- Nem basta fazer reformas sociais sem que haja uma transformação interior genuína nas pessoas.
O progresso moral e o progresso social precisam caminhar juntos — em reciprocidade, sem dúvida.
Por que a transformação moral individual sozinha não basta?
Movimentos sociais modernos apontam que:
- O ambiente social, econômico e político influencia profundamente o comportamento humano.
- Mesmo uma pessoa de boa vontade pode ser levada a agir de forma egoísta, corrupta ou desumana se o sistema que a rodeia favorecer isso (por exemplo, sistemas de competição desenfreada, desigualdades extremas, culturas de violência).
Ou seja:
- Um homem moral isolado numa sociedade profundamente injusta sofre e é muitas vezes impotente.
- Sem mudanças nas estruturas (leis, educação, economia, cultura), o crescimento individual encontra limites.
Essa crítica é válida e não contradiz o que o Espiritismo ensina, se entendermos o que Kardec realmente propôs:
“O Espiritismo ensina que o progresso moral e o progresso intelectual se apoiam mutuamente, mas que o progresso moral é o fim supremo.” (O Livro dos Espíritos, questões 780-793)
Então:
- Transformação individual é essencial para gerar líderes, cidadãos e agentes de mudança conscientes.
- Transformação estrutural é necessária para criar condições onde o bem possa florescer coletivamente.
Exemplificando a necessidade da reciprocidade:
Situação | Se apenas a moral individual melhorar | Se apenas as reformas sociais acontecerem | Se ambos se desenvolverem |
Sistema judicial corrupto | Juízes honestos sofrem pressão ou são isolados | Troca de leis sem mudança ética gera novos corruptos | Justiça real e sustentada |
Educação desigual | Professores idealistas isolados não mudam o sistema | Reformas educacionais falham se faltarem valores de compromisso e amor | Educação inclusiva e de qualidade |
Questões ambientais | Pequenas ações pessoais não bastam para frear o colapso ecológico | Novas leis verdes podem ser burladas sem consciência ecológica | Sociedade sustentável de fato |
Caminhos práticos para promover essa dupla transformação
Educar para valores + desenvolver capacidades técnicas
- Não basta ensinar matemática e ciências; é preciso também ensinar ética, cidadania, compaixão, senso de justiça.
- Projetos educativos (como escolas progressistas ou programas de educação integral) já tentam isso.
Formar lideranças morais conscientes
- Incentivar líderes políticos, econômicos e sociais que tenham integridade e visão de bem comum, não apenas ambição técnica ou pragmática.
Criar leis e sistemas que favoreçam o bem
- Estruturas sociais que favorecem cooperação, solidariedade, honestidade (por exemplo, sistemas de transparência pública, fiscalização independente) ajudam a consolidar o progresso moral.
Inspirar o exemplo pessoal
- A transformação verdadeira não é só discursiva. Um exemplo vivo (mesmo silencioso) de ética, compaixão e responsabilidade transforma mais que palavras.
Fechando com um pensamento de Allan Kardec:
“O homem progride naturalmente pela força das coisas. Mas esse progresso é lento; só a educação pode apressá-lo, não a educação intelectual, mas a educação moral.” (O Livro dos Espíritos, questão 917)
A educação moral aqui, claramente, não é só o cultivo interior. É também a criação de ambientes sociais onde o bem se torna o caminho mais fácil, mais lógico e mais desejável.
Vamos então montar um plano de ação prático, dividido em dois eixos.
- Transformação pessoal (moral individual);
- Transformação coletiva (reformas sociais).
Plano de Ação Prático: Evoluir para Transformar a Sociedade
Transformação Pessoal (Moral Interior)
Autoeducação moral constante
- Reserve 15 minutos por dia para meditação/reflexão sobre suas atitudes.
- Pergunte-se: “Hoje, fui mais justo? Mais solidário? Onde falhei? Onde acertei?”
Desenvolvimento da empatia
- Pratique o exercício de colocar-se no lugar do outro em situações cotidianas, até mesmo nas mais simples (como o trânsito ou filas).
- Leia livros ou veja filmes que estimulem a compreensão de realidades diferentes.
Alinhamento entre discurso e prática
- Escolha um valor (honestidade, gentileza, paciência) e comprometa-se a vivê-lo de forma prática por pelo menos uma semana consciente.
- A ideia é agir moralmente sem esperar reconhecimento.
Autossuperação sem orgulho
- Entenda que errar faz parte. Não se desmotive pelos próprios erros — corrija o rumo com humildade.
Transformação Coletiva (Ação Social e Estrutural)
Engajamento em causas coletivas
- Participe de grupos ou movimentos que atuem na sua comunidade em áreas como educação, meio ambiente, combate à pobreza ou ética pública.
- Pode começar pequeno: um grupo de bairro, uma ONG local, uma ação online de conscientização.
Educar para além da técnica
- Seja um multiplicador:
Se você é professor, líder, colega ou pai/mãe, transmita valores éticos além dos conteúdos técnicos.
Exemplo prático:
Num projeto de ciências, incentive a reflexão: “Como esta tecnologia pode servir ao bem comum?”
Apoiar e promover lideranças éticas
- Na política, na empresa, na escola:
Apoie aqueles que demonstram ética real (não só discursos) — mesmo que às vezes pareçam menos “carismáticos” ou “eficientes” do ponto de vista puramente técnico.
Exigir reformas que protejam o bem coletivo
- Cobrar políticas públicas que:
- Combatam desigualdade social;
- Protejam a dignidade humana;
- Garantam transparência, direitos e deveres claros.
Construir espaços de diálogo ético
- Incentive conversas abertas (em casa, no trabalho, na escola) sobre temas morais:
“Qual é a responsabilidade social de quem inova?”
“Como posso agir mais eticamente na minha profissão?”
Mesmo pequenas rodas de conversa já criam um campo de transformação.
Mapa resumido para lembrar
Eixo | Ação-chave |
Interior | Refletir, desenvolver empatia, alinhar valores e agir com constância. |
Exterior | Engajar-se, educar para valores, apoiar lideranças éticas, cobrar reformas. |
Reflexão final
A transformação real acontece quando agimos moralmente no nosso espaço pessoal enquanto simultaneamente ajudamos a criar estruturas sociais mais justas.
Ou seja:
Mudamos o mundo mudando a nós mesmos e mudamos a nós mesmos ao mudar o mundo.
Caro Wilson, com esse texto publicado você se superou. Parabéns!
Se me permite, vou aproveita-lo bastante para meus conhecimentos.
Abraço grande, Oceano. Fique à vontade para utilizar o texto.