Reflexões sobre as tensões internas dos centros e o papel dos reformadores na preservação do verdadeiro Espiritismo

 

O dilema que inquieta

Nos bastidores silenciosos de muitos centros espíritas brasileiros, cresce uma tensão que opõe dois modos de viver e interpretar o Espiritismo: de um lado, os que permanecem na tradição religiosa, consoladora e mística; de outro, os que despertam para a racionalidade da doutrina, desejando aprofundamento filosófico, revisão de práticas e expansão crítica.

Diante do impasse, uma pergunta legítima e perturbadora se impõe:

Deveriam os reformadores deixar os centros religiosos, permitindo que prossigam por decisão da maioria, ou permanecer e correr o risco de conflitos, rachas e até fechamento das portas?

Religiosidade popular x racionalidade espírita

Historicamente, a cultura brasileira favoreceu a formação de centros espíritas com forte inclinação religiosa. A fé viva, os rituais consoladores, os passes e as preces coletivas funcionam como expressão legítima da busca por amparo espiritual. Esses centros, ainda que distantes do ideal filosófico proposto por Allan Kardec, contribuíram — e ainda contribuem — para a disseminação de princípios fundamentais: a imortalidade da alma, a reencarnação, a comunicabilidade entre os planos e a moral do amor.

Contudo, essa mesma forma religiosa, ao se enraizar e se repetir sem reflexão, empobrece o Espiritismo, limitando-o à prática de uma fé sem crítica. É nesse contexto que emergem os reformadores: estudiosos, jovens inquietos, leitores de Kardec, Herculano Pires, Léon Denis, que passam a questionar os moldes existentes e propõem um retorno ao pensamento livre, à pedagogia do espírito e à valorização do método científico e filosófico.

As saídas em disputa: partir ou permanecer?
  1. Sair e fundar novo espaço

É uma decisão legítima. Muitos já o fizeram, como, por exemplo, Chico Xavier, certamente por outras razões que não essa. A criação de centros livres-pensadores tem se mostrado um caminho fértil para o florescimento de uma prática mais fiel ao Espiritismo original. Esses espaços ganham identidade própria, com foco no estudo, na ética e na autonomia espiritual. Mas esse caminho também implica desafios: custo institucional, solidão doutrinária e possível isolamento em relação à comunidade mais ampla.

  1. Permanecer e lutar por mudanças

Ficar dentro do centro tradicional e agir por dentro é uma estratégia de resistência ativa. Permite contato com os mais diversos públicos, inclusive aqueles que ainda não foram despertados para a reflexão crítica. Porém, a insistência em reformar pode ser interpretada como arrogância ou rebeldia, gerar atritos e, em casos extremos, rupturas dolorosas.

A terceira via: presença estratégica e ação pedagógica

Talvez a resposta mais sábia não esteja nos extremos, mas na ação lúcida e paciente. Permanecer, sim, mas não para combater — e sim para educar, dialogar, influenciar com equilíbrio e ética. Criar espaços de estudo, promover ciclos de leitura crítica, valorizar a escuta e o exemplo. Essa postura exige preparo, constância e renúncia de vaidades pessoais. Mas pode ser o modo mais eficiente de fazer o centro evoluir junto com seus frequentadores, sem implosões.

Como escreveu Léon Denis, “O erro jamais se combate com violência; é com a luz que se dissipa a sombra.”

O centro espírita ideal

O centro ideal não é aquele que exclui os religiosos, nem o que abafa os reformadores. Mas aquele que acolhe a diversidade de estágios espirituais, sem abrir mão de seu compromisso com a verdade, a razão e o progresso do espírito.

Seu valor maior está em ser:

  • um espaço de estudo,
  • um abrigo fraterno,
  • um núcleo de renovação ética e moral,
  • e sobretudo, um laboratório de ideias e práticas onde a razão e o sentimento caminhem lado a lado.
Conclusão: fidelidade ao espírito da doutrina

O verdadeiro dilema não é entre sair ou permanecer. A pergunta central deve ser:

Como posso contribuir para que o Espiritismo avance, sem me perder a mim mesmo e sem romper os laços que ainda servem ao bem?

Essa é a fidelidade que Kardec esperaria: não à letra da forma, mas ao espírito da verdade.

By wgarcia

Professor universitário, jornalista, escritor, mestre em Comunicação e Mercado, especialista em Comunicação Jornalística.

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