(Com inclusão do tema Web 4.0)

A busca permanente de comunicar-se

Desde os tempos mais remotos, o ser humano tenta superar as barreiras do espaço e do tempo. A comunicação sempre foi mais que um recurso de sobrevivência: tornou-se ponte de culturas, instrumento de poder e expressão da consciência.
Do gesto à palavra, da escrita à internet, cada etapa revela não apenas um avanço técnico, mas também o reflexo de faculdades espirituais latentes — o esforço constante de o espírito expandir sua capacidade de presença e partilha.

Da voz à escrita: o pensamento ganha corpo

Na oralidade, a palavra dependia da presença e da memória. Com a escrita, o pensamento ultrapassou o instante e ganhou permanência. A imprensa multiplicou essa possibilidade, democratizando o acesso à informação.

Walter Ong (1982) chamou a escrita de “a tecnologia da palavra”, pois ela reconfigura o modo de pensar. Elizabeth Eisenstein (1979) viu na tipografia o motor das transformações culturais e políticas da modernidade. No plano espiritual, essa materialização da palavra é o primeiro passo da alma para fixar o invisível.

A era elétrica: instantaneidade e distância vencida

O telégrafo e o telefone inauguraram a era da instantaneidade. Marshall McLuhan (1964) interpretou esses meios como extensões do sistema nervoso humano, antecipando a “aldeia global”.

No mesmo século, Allan Kardec (1861), em O Livro dos Médiuns, cunhou o termo “telegrafia humana” para designar a comunicação mental direta — aquilo que hoje chamamos telepatia —, vendo nela um indício de que o progresso técnico apenas reflete a evolução do espírito.

Rádio e TV: a voz e a imagem do invisível

O rádio trouxe a voz sem corpo; a televisão, a imagem sem presença. Kardec já descrevera médiuns auditivos e videntes, e Léon Denis (1909) chamaria essas percepções de “fenômenos naturais da alma”.
Edgar Morin (1962) observou que a mídia cria “presenças ausentes”, enquanto J. B. Rhine (1934) pesquisava a transmissão mental em laboratório. Assim, a ciência e o espírito buscavam, por vias distintas, o mesmo princípio: a comunicação além dos sentidos.

A revolução digital: smartphones como próteses telepáticas

Com a internet e os smartphones, a comunicação tornou-se total. Texto, voz e imagem viajam em segundos, e a conectividade global simboliza a unificação da mente humana em escala técnica.
Pierre Lévy (1999) definiu as redes digitais como inteligência coletiva. No olhar espírita, essas tecnologias são próteses telepáticas — materializações transitórias da comunicação mente a mente que um dia será natural.

Telepatia: um futuro condicionado à moralidade

No Livro dos Médiuns (cap. XXV, item 285), Kardec pergunta aos Espíritos sobre a telegrafia humana. Eles confirmam sua realidade e preveem que se tornará “um meio universal de correspondência”, mas alertam: o homem ainda não está moralmente preparado.
Sem ética, a telepatia se tornaria instrumento de dominação e violação da intimidade — o mesmo risco que hoje enfrentamos com as tecnologias digitais.

Pesquisadores como Dean Radin (1997) e Rupert Sheldrake (2003) investigam a interconexão mental entre indivíduos, enquanto críticos como Wiseman (2011) mantêm o debate em aberto. Kardec já antecipava que o progresso moral deveria preceder o técnico, para que o poder da mente fosse usado com sabedoria.

Invenções e faculdades espirituais: paralelos reveladores

Invenção técnica  Faculdade espiritual correspondente
Avião Desdobramento espiritual (Bozzano, 1934)
Rádio Mediunidade auditiva (Kardec, 1861)
Televisão Vidência (Denis, 1909)
Telefone Psicofonia (Delanne, 1897)
Smartphone Telepatia (Kardec, 1861)

Cada invenção reflete o esforço humano de reproduzir no plano material o que o espírito já realiza no plano sutil.

Da comunicação face a face à comunicação social da consciência

A comunicação contemporânea é essencialmente tecnológica, abrangendo tanto o nível social (mediado por redes, instituições e mídias) quanto o face to face (interação direta).
A telepatia, a princípio, pareceria restrita ao âmbito interpessoal. Entretanto, ela contém em si um potencial de comunicação social ampliada:

  • Todo pensamento é social, pois carrega significados coletivos.
  • A comunicação mental entre indivíduos criaria, por afinidade, redes de consciências interligadas, equivalentes espirituais das redes digitais.
  • O face to face evoluiria para um mind to minds, configurando uma comunicação social de natureza espiritual.

Habermas (1981) afirmou que a comunicação só é verdadeiramente social quando fundada na busca de entendimento. O Espiritismo acrescenta: o entendimento só é possível onde há sintonia moral.

A Web 4.0 e o limiar da telegrafia humana

O artigo recente do El País sobre a Web 4.0 descreve a transição digital que vivemos como uma revolução estrutural, e não mera evolução. O professor Nishant Shah (Universidade de Hong Kong) observa que essa nova fase mudará “nossa compreensão do ser humano, social e político”.

Marijus Briedis (NordVPN) chama o presente momento de Web 3.5, uma ponte para a nova era, marcada pela personalização algorítmica, pela ação de agentes inteligentes e pela automatização das decisões. Tomas Rasymas (Hostinger) acrescenta que esses agentes terão ferramentas, memória e capacidade de planejamento, podendo agir em nome do usuário — o que implica a delegação da vontade a sistemas artificiais.

Essa delegação corresponde, espiritualmente, à entrega do próprio campo mental a inteligências externas. Kardec advertia que a telegrafia humana só seria benéfica quando o homem dominasse as forças morais que orientam o pensamento. De modo análogo, a Web 4.0 precisa de governança ética para não converter autonomia em manipulação.

David Clark (MIT) prevê que a internet se tornará “menos visível e mais onipresente”, fundindo-se ao pano de fundo da vida cotidiana. O mesmo poderia ser dito da telepatia: quando moralmente amadurecida, ela se integrará naturalmente à vida social, sem aparato físico — uma rede mental universal.

Web 4.0 e Telepatia: convergências e dilemas

Dimensão Web 4.0 Telegrafia Humana (Telepatia)
Natureza Digital, baseada em IA e agentes Espiritual, baseada em energia mental
Suporte Máquinas e algoritmos Mente e sintonia vibratória
Velocidade Instantânea via rede Instantânea via afinidade espiritual
Risco Manipulação de dados e privacidade Influência mental e invasão psíquica
Ética Transparência algorítmica e regulação Pureza de intenção e fraternidade
Meta Autonomia cognitiva e personalização Consciência coletiva moralmente elevada

Ambas as estruturas — a rede digital e a rede espiritual — caminham para um mesmo destino: a superação das barreiras entre consciências.
Mas a diferença decisiva é o alicerce ético: a Web 4.0 exige protocolos de segurança; a telepatia requer consciência e amor.

Conclusão: o futuro da comunicação e a alma da rede

A história da comunicação humana é a história da busca de unidade. A Web 4.0 representa o último estágio tecnológico dessa caminhada, enquanto a telepatia, a “telegrafia humana” de Kardec, representa seu estágio espiritual.

A primeira depende de algoritmos; a segunda, de sintonia moral. Ambas nos obrigam a refletir sobre o uso da liberdade e da responsabilidade.
A comunicação do futuro — seja digital ou mental — será tanto mais perfeita quanto mais se fundar na ética do pensamento.

Quando a humanidade compreender que pensar é agir e que comunicar é compartilhar energia espiritual, então a rede da alma substituirá a rede das máquinas.
Será o início da verdadeira comunicação social da consciência, onde a tecnologia cede lugar à fraternidade, e a mente se torna o meio universal de correspondência anunciado pelos Espíritos.

Referências

BOZZANO, Ernesto. Fenômenos de bilocação. São Paulo: EDICEL, 1934.
DENIS, Léon. No Invisível. 6. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1970 [1909].
EISENSTEIN, Elizabeth. A revolução da imprensa no início da Europa moderna. São Paulo: Ática, 1998 [1979].
HABERMAS, Jürgen. Teoria do agir comunicativo. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1987 [1981].
KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. 2. ed. Brasília: FEB, 2005 [1861].
LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999.
MCLUHAN, Marshall. Os meios de comunicação como extensões do homem. São Paulo: Cultrix, 1969 [1964].
MORIN, Edgar. O espírito do tempo. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1984 [1962].
ONG, Walter. Oralidade e cultura escrita: a tecnologia da palavra. Campinas: Papirus, 1998 [1982].
RADIN, Dean. The Conscious Universe: The Scientific Truth of Psychic Phenomena. New York: HarperOne, 1997.
RHINE, J. B. Extra-Sensory Perception. Boston: Boston Society for Psychic Research, 1934.
SHELDRAKE, Rupert. The Sense of Being Stared At: And Other Aspects of the Extended Mind. New York: Crown Publishers, 2003.
WISEMAN, Richard. Paranormality: Why we see what isn’t there. London: Macmillan, 2011.
SHAH, Nishant. Digital Narratives Studio Research on the Future of Web 4.0. Hong Kong: University of Hong Kong, 2024.
BRIEDIS, Marijus. NordVPN Technology Summit, Vilnius Cyber City. Vilnius, 2024.
GAN, Wensheng. The Next Generation Web and Distributed Intelligence. Jinan: University of Jinan, 2024.
RASYNAS, Tomas. Hostinger AI Systems Whitepaper. Kaunas, 2024.
CLARK, David. MIT Computer Science and Artificial Intelligence Laboratory Reports. Cambridge (MA), 2024.

 

  • Artigo publicado na Revista Harmonia, out./2025, sob o título: Da Palavra à Telepatia: a Evolução da Comunicação e o Futuro Social da Mente.

By wgarcia

Professor universitário, jornalista, escritor, mestre em Comunicação e Mercado, especialista em Comunicação Jornalística.

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