Tenho o prazer de reproduzir aqui o texto publicado ontem, 19 de maio de 2016, pelo meu amigo Geo, seja pela qualidade do discurso, seja pela pertinência e atualidade. WG
Por Gezsler Carlos West, Recife, PE
Olhando o antigo trilho do trem de chegada dos prisioneiros, atravessei o portão de ferro onde estava escrita a histórica frase“Arbeit macht frei” (O trabalho liberta). Era um momento de reflexão, pois eu entrava no primeiro campo de concentração nazista denominado “Dachau”, que serviu de modelo na segunda guerra mundial, localizado perto da cidade de Munique na Alemanha.
Passaram por Dachau aproximadamente duzentas mil pessoas: negros, ciganos, homossexuais, deficientes físicos e mentais, testemunhas de Jeová, comunistas, judeus etc. Todos aqueles que na ótica do nazismo prejudicariam a superioridade de uma raça.
Caminhei pelos pavilhões, vi os apertados dormitórios, os sanitários coletivos, onde vários homens e mulheres utilizavam ao mesmo tempo e sem qualquer divisória. Emocionei-me quando entrei na traiçoeira câmara de gás, em que as pessoas pensavam que teriam água no chuveiro. Observei as fornalhas do crematório. Era quase inacreditável admitir que tudo aquilo tinha acontecido.
Por que, perguntei a mim mesmo, há apenas 80 anos o povo deste atual país de excelente qualidade de vida, permitiu-se em sua maioria se fanatizar por uma proposta tão absurda? Por que seguiu lideranças que afirmavam que purificar a raça humana seria colaborar com Deus? Por que criou ídolos de barro? Por que se desumanizou a este ponto?
Ninguém se torna fanático da noite para o dia. Começa devagarzinho, alicerçado em lacunas no caráter, que ao serem alimentadas pelo orgulho, vão anestesiando o nosso discernimento. O orgulho é o inverso da humildade. Esta última quem tem pensa que não tem, e quem pensa que tem, não tem.
Se nos perguntarem se somos fanáticos, talvez até nos sintamos ofendidos, e salvo raras exceções, afirmaremos que não. O fanático ou quem está a caminho de se tornar, dificilmente percebe o seu estado, pois já foi ou está sendo absorvido pela ausência de autocrítica, quando imprudentemente descartou um sábio ensinamento do passado: “conhece-te a ti mesmo”.
Algumas perguntas reflexivas poderão nos ajudar pelos campos da vida, sejam em ambiências políticas, religiosas ou diversas:
– Escutamos com respeito o contraditório ou apenas queremos convencer o interlocutor colocando-o na condição de aprendiz?
– Acessamos livros, revistas, jornais, programas, blogs etc. de quem pensa diferente, enriquecendo-nos na diversidade, ou optamos por amaldiçoar o diferente criando um novo “índex” e, quando o acessamos, o único objetivo é detectar falhas para alimentar os nossos argumentos?
– Estamos sendo honestos intelectualmente com a verdade dos fatos ou usamos critérios diferenciados para episódios semelhantes?
– Invertemos os papéis, mas mantendo os mesmos fatos, para verificar se as nossas conclusões continuariam as mesmas ou a dureza do nosso discurso só serve para os que pensam diferente?
– Quando recebemos informações sobre os nossos contraditores, analisamos a veracidade e a pertinência em divulgá-las ou compartilhamos sem qualquer preocupação ética?
– Dialogamos de forma civilizada ou nos desequilibramos saindo do campo das ideias para adjetivar os seus autores?
– Relembramos de anteriores mudanças de posições pessoais, que no passado tínhamos como pétreas, ou nos colocamos na imutabilidade divina?
É na abertura para a análise equilibrada do contraditório, do diferente, que geralmente encontraremos o incentivo à inovação e ao arejamento das nossas ideias, às vezes já empoeiradas pelos limites do nosso “status quo”. Tenhamos uma janela aberta para novos ares, para o futuro, para a vida. Não sejamos os modernos algozes de Galileu.
Atuemos na sociedade de forma cidadã, democrática, pacífica e sem nunca esquecer o alerta do saudoso Nazareno: orar e vigiar.
A consciência é a nossa juíza. Perguntemos para ela: somos convictos ou fanáticos?