Pelas páginas do “Opinião”, em julho de 2010, refleti sobre uma publicação do Augusto Araújo em que a questão referente a Kardec foi colocada: seria ele o autor do espiritismo. Na ocasião, sob o título de “Antiga e velha, mas ainda tão nova”, argumentei em artigo a favor do termo codificador tendo por sustentação as teorias da comunicação social, que considero a melhor base de discussão do assunto. O texto está em http://www.expedienteonline.com.br/?p=84.
Afirmei então que “em sua significação semântica o termo codificar é empregado para designar a ação de produzir mensagem através do código linguístico que deverá ser “decodificado” pelo destinatário. Em princípio, todo emissor é um codificador e todo destinatário é um decodificador. Mas a ideia de uma comunicação circular nos leva a compreensão de que emissor e destinatário se alternam nestas duas posições, ou seja, Kardec foi decodificador quando estudou as mensagens e codificador quando as ordenou. Nesse processo, evidentemente, sua intervenção deixou as marcas da sua individualidade mostradas pelas evidências”.
É preciso relembrar que as discussões sobre a ação codificadora de Allan Kardec estão no bojo de uma questão maior: a de que, para uma parcela de estudiosos do espiritismo, o substantivo codificador não dá conta do que ele, Kardec, realmente representa na construção da doutrina. Parece, a essa parcela, que Kardec é visto de forma redutiva na elaboração da obra, principalmente por aparentemente retirar uma responsabilidade grande que lhe cabe como criador do espiritismo. É o contraponto à afirmação absoluta de que o espiritismo é obra dos espíritos – e apenas deles.
Augusto Araújo havia optado, na ocasião, pelo termo autor, enquanto outros muitos entendem que criador é o verbo que melhor representa o que de fato Kardec fez. Em manifestações mais recentes, Araújo tem adotado a defesa do termo codificador, na mesma linha interpretativa das teorias da comunicação.
Para retomar o assunto
Em meu recente livro “Os espíritos falam. Você ouve?”, falo um pouco mais sobre o assunto. Vejamos.
“No Espiritismo, o termo codificador está vinculado historicamente àquele que organizou a doutrina, Allan Kardec, conferindo-lhe, assim, uma significação específica. E particular. Essa vinculação decorre da percepção de que Allan Kardec executou dois tipos de ações típicas da codificação: de um lado, organizou e estudou mensagens emitidas por autores invisíveis, os espíritos; de outro lado, estruturou essas mensagens na forma de uma doutrina, ocasião em que optou por um código escrito, no caso a língua francesa, produzindo, assim, as obras hoje amplamente conhecidas como livros da codificação espírita.
Não se pode desconsiderar que a expressão codificador aplicada a Allan Kardec tem sido objeto de crítica sob o argumento de que o termo não dá conta da dimensão do homem diante da sua obra.
Do ponto de vista da produção de mensagens pela escolha de um código comum ao emissor e ao receptor, o termo codificador aplicado ao autor da mensagem encontra sentido e amparo em diversos estudos teóricos. Além disso, a aplicação de sua dupla significação para o caso de Allan Kardec permite dimensionar o organizador material do Espiritismo com a amplitude que de fato lhe é devida. Esse francês de Lyon atuou durante 15 longos anos como pesquisador: reuniu, analisou, catalogou, classificou, estruturou e, enfim, publicou a doutrina cuja origem atribui às inteligências invisíveis, os Espíritos. Em termos comunicacionais, grande parte de seu tempo foi utilizado para “codificar” a mensagem que, posteriormente, enviaria ao destinatário. Na condição de estruturador e na de intérprete das mensagens de outras fontes, Allan Kardec decodifica e recodifica, busca compreender os significados propostos pelas ideias contidas nas mensagens e as ressimboliza, porque participa do processo diretamente, de diversos modos, até dar a forma e o conteúdo final.
Há em Kardec uma consciência do diálogo, fulcro de qualquer comunicação, consciência esta representada pelas ideias abertas e pelo sentido geral de que o Espiritismo é uma proposta de interpretação permanente do mundo, cujo termo não está presente em nenhum horizonte visível”.