Categoria: Espiritismo

Modos de ver o espiritismo

Carlos Vereza, um desastre – No que transformaram a doutrina! – A reportagem da vida – Colônias espirituais: afinal, ¿existen? – O Sr. Marketing

É verdade que na linha do sofisma há muitos espiritismos, sendo que o espiritismo da codificação e o espiritismo do movimento espírita é o mais visível – alguns acadêmicos entendem que o espiritismo real é o que nasce das práticas, não importa o que ensinem os postulados doutrinários. Ao seu lado, vigora o espiritismo popular, que soma o espiritismo das práticas com o entendimento que dele fazem os seus praticantes, o qual se expressa hoje, muito fortemente, nas redes sociais.

A bem da verdade, há apenas um espiritismo: o que está exposto na filosofia organizada por Allan Kardec e com base nessa ideia muitas lideranças expressivas defendem, com razão, que o espiritismo popular resulta de um só fato: ausência ou conhecimento impreciso da filosofia espírita.

Mas não se pode remar contra a maré o tempo todo, haja vista para o fato da presença diuturna das manifestações populares sob o guarda-chuva do logotipo espiritismo. Digo logotipo para enfatizar que a sua presença, nesse caso, é mera condição “mercadológica”, mero signo utilizado para dar força de marca ao que se diz ou se expressa. Visa, pois, direcionar a produção de significados, como se o que se escreve ou se expressa fosse de fato decorrente do ensinamento espírita. (mais…)

Quando os espíritos puseram o bispo para correr

Nestes tempos bicudos, um pouco de humor não fará mal a ninguém.

O caso a seguir é narrado por Alexander Jenniard Du Dot, escritor católico defensor da proibição pela Igreja das sessões de mesas girante e crente de que os espíritos que apareciam nessas sessões eram os demônios. Para ele, há somente três tipos de espíritos: os anjos decaídos (demônios), os espíritos dos vivos e os espíritos dos mortos. Vivos não se manifestam a vivos, os mortos estão proibidos de manifestar, restam, pois, os demônios. O caso está registrado no livro O espiritismo, sua natureza, seus perigos, publicado em Portugal em fins de 1800 e é interpretado por Du Dot como prova das suas convicções, mas ficará melhor interpretado como fato probatório da existência e manifestação dos espíritos dos que viveram na Terra.

Vamos a ele.

“Cinco bispos de uma província reuniram-se em 1849, para tratarem de diferentes pontos de doutrina e de direito eclesiástico. No decorrer deste sínodo, como as mesas giratórias estavam em moda, e como as práticas espíritas, implicitamente proibidas pela Igreja, eram geralmente toleradas, os prelados quiseram experimentar por si próprios estas pretensas novidades. Colocaram-se em roda de uma mesa e obtiveram movimentos de rotação, e depois respostas por meio do pé da mesa. Suspeitando que eram demônios os espíritos que faziam mover a mesa, lembraram-se um dia de colocar em cima um rosário e um breviário; a mesa arrojou-os para longe com furor; depois, encarniçando-se muito especialmente contra o bispo da diocese, que era talvez o promotor dessas experiências, tomou a seu cargo expulsá-lo da sala, perseguindo-o até a porta, apesar da resistência que ele opunha. Sem dúvida, os cinco prelados não exigiam tantas provas. Apressaram-se a proibir, nas suas respectivas dioceses, o exercício da mesa girante, prática perigosa cujo caráter infernal lhes fora revelado por fatos tão brutais”.

Moral da história: quando você não puder com as mesas e não quiser estudá-las, proíba-as de virem perturbar os vivos.

Congressos espíritas: a massa e o diálogo ausente

“Nenhuma fala monológica pode comunicar a um auditório algo com sucesso, se os ouvintes não têm condições de, ao menos potencialmente, tornarem-se parceiros dialógicos do falante” – Lúcia Santaella

Em um sistema perverso, como o prevalecente no planeta de forma geral, falar de justiça, ética e filosofia de vida são coisas do idealismo utópico, embora o idealismo utópico ainda alimente mentes e corações livres das peias dos sistemas. O pragmatismo nos impõe a ousar nas brechas do perverso sistema, para não deixar morrer as belas letras do sonho que alimenta a esperança de um futuro melhor. Lembra-me a insistente conversa de Chico Xavier, nos anos 1970, com o livreiro Stig Roland Ibsen, advertindo-lhe de que era preciso vender os livros com lucro sob pena de ver sua livraria as portas da falência. A fala de Chico era extensiva ao espiritismo brasileiro, especialmente àqueles que exerciam constante crítica aos valores desses mesmos livros e os comercializavam a preço de custo, dentro da ideia de torná-los mais acessíveis aos menos favorecidos socialmente.

Volto, pois, ao discurso da razão do que está por trás dos atuais congressos ditos espíritas, que implementam o sentido do espetáculo como forma de alcançar um grande número de pessoas, enchendo salões e corredores dos imensos espaços custosos previamente alugados para atrai-las. É o espetáculo, na sua formulação teórica, resultante da densa crítica de que a espetacularizacão esconde uma questão ética de fundamental importância, que é a justiça social. É ela uma das piores facetas de um sistema dominante pendular apenas em aparência, pois que impõe o permanente consumo de bens e serviços sob a capa da necessidade e do desejo de tornar feliz a estada provisória do ser no planeta. (mais…)

Betsy, Betsy, por que te abandonaste?

Na década de 1980, tive um amigo que adquiriu a esclerose lateral amiotrófica. Aos 37 anos. Rapidamente, perdeu os movimentos e pouco mais de um ano depois morreu. Era pai de duas crianças, alegre, de convivência fácil. Quando a doença surgiu agressiva e o levou a afastar-se das atividades profissionais, ninguém ousava falar no assunto, senão em conversas de canto de sala. A rapidez com que progrediu e a morte também rápida deixou no ar um certo mistério, pois alguns alimentavam preconceitos contra doenças dessa ordem e preferiam o silêncio.

Agora vem o caso de Betsy. Estou diante de dois olhares diferentes a me encararem, questionando-me. O primeiro, nem tanto, uma vez que Carlos Augusto tem opinião definida como niilista que é. Seu questionamento é mais o desafio que me lança sobre a tal da imortalidade que defendo. É como se me perguntasse: – e aí o que você tem a dizer agora? Já o olhar de Orlando é o da dúvida, ou melhor, das muitas dúvidas que alimenta sobre a atitude de Betsy e o desfecho espiritual gerado por sua decisão de praticar a eutanásia e abreviar o sofrimento causado pela doença. É como se Orlando me perguntasse: – se eu tomar essa atitude, o que será de mim como ser imortal que sou? (mais…)

Os guardiães dos apriscos do templo

Federação Espírita de Goiás: orador chega para fazer palestra e encontra as portas fechadas. Indignados, promotores do evento recorrem a outra instituição para manter o programa. Fatos revelam covardia, desrespeito e tudo o mais que a boa moral condena.

A fraqueza humana é capaz de conduzir o indivíduo às mais desprezíveis ações. Debalde o homem desse jaez lutará para mostrar-se digno da moral espírita, porque não conseguirá superar as próprias imperfeições enquanto não se oferecer à práxis cotidiana com a coragem dos estoicos. O homem fraco e desprezível, envolto pela embalagem do espiritismo e no comando das atividades espíritas, poderá ser luzidia e colorida imagem, mas nunca será um verdadeiro homem de bem.

Minha indignação provém da minha incapacidade de assistir aos atos indignos praticados por seres humanos, com acento ainda mais agudo quando esses homens coexistem no mesmo meio doutrinário no qual me coloco. Admiravelmente, o invejável Leon Denis afirma que a tudo podemos suportar desde que não sejam ultrapassados os limites da dignidade humana. A dignidade é o pórtico humano do inatacável, a muralha inexpugnável do direito e da vida. Ao contrário da realidade constatada por Herculano Pires na frase que dá título a este artigo. Sim, o inesquecível amigo não fala, na frase, de um passado que o espiritismo ajuda a superar, mas de uma realidade que se mostra exatamente no contexto social de hoje, onde muitos espíritas operam e farisaicamente sorriem. (mais…)

Significados e significantes importam. Mas as significações são definitivas

Se um significante jamais oferece apenas um significado possível, porque isso seria a literalidade aprisionante dos sentidos, então, o que Chico Xavier quis dizer com a expressão “o telefone só toca de lá para cá”?

Vê-se aqui e ali a repetição da frase expressa pelo médium mineiro como uma condenação explícita e direta ao desejo de chamar a atenção de espíritos e obter deles mensagens, isto é, conselhos, informações, desejos e conhecimento de seus conflitos no contexto da vida em que se situam. Em uma palavra: condenação da evocação dos espíritos, pois, dizem, se há quem possa decidir se tem ou não condições de dialogar com os encarnados seriam eles, os desencarnados. Oh Deus, quanto engano se comete quando a literalidade aprisiona a significação!

Quando isso ocorre, ou seja, quando se afirma que Chico proíbe que se façam evocações se está atribuindo ao significante – “o telefone toca de lá para cá” – apenas um e único significado que se pode, em mau português, chamar de significado semântico. Ora, digam-me, senhores, qual é o significante que possui um único e preciso significado? Que não se oferece às significações de tantas quantas mentes dele façam uso?

Ah, sim, há médiuns que fazem promessas de ouvir os espíritos que a pessoa deseja; há pessoas que querem ouvir dos espíritos coisas que eles, espíritos, não sabem; há lugares que estranhamente ensinam como os médiuns entram em contato com espíritos familiares; há outras pessoas que querem resolver o vazio da separação de filhos, maridos e esposas mortas conversando com eles sobre, talvez, as miudezas da vida familiar. Sim, há tudo isso e muito mais perfeitamente criticável. Ora, nenhuma definição literal resolverá o problema que pertence ao campo da educação, então, vamos fazer o esforço de educar para que a significação possa substituir a literalidade dos sentidos e, assim, resolver os problemas da individualidade diante da vida. (mais…)

USE-70, caminhos e desafios

Em dezembro de 2015, publiquei aqui em meu blog uma análise do livro dos 50 anos da USE, com alguns apontamentos necessários. Agora, quero recuperar certos fatos que me parecem importantes por sua função interligadora na história do Espiritismo. Refiro-me às fontes das ideias que deram origem ao desejo de organizar estruturalmente o movimento em torno da doutrina espírita na sociedade, ideias que desembocaram na fundação de associações federativas, no Brasil, especialmente, mas também no Exterior.

Ninguém há de negar que o Projeto 1868, elaborado e publicado por Allan Kardec na revista espírita de dezembro daquele ano, constitui-se em fonte de orientação para a formação de sociedades espíritas do tipo centros ou federativas. Ali estão as reflexões e as sugestões que o codificador oferece, dentro das preocupações que o dominavam em relação ao futuro do Espiritismo. Kardec apresenta elementos gerais, mas também chega a detalhar minúcias dos procedimentos no entendimento de que a forma muitas vezes se torna necessária à concretização efetiva do conteúdo. (mais…)

Alguns médiuns se traem muito cedo, outros levam mais tempo. Poucos resistem até o fim

 

A pergunta é: por que certas pessoas fazem afirmações tão estranhas e contraditórias como essa ao lado publicada recentemente no Facebook? O que pretendem com isso? Qual é o grau de comprometimento efetivo delas para com o espiritismo? Trata-se de um deslize momentâneo ou de uma terrível necessidade de se mostrar livre e independente, instruído e capaz de promover mudanças numa doutrina tão extraordinária como a espírita?

Não, ninguém está amordaçado nem impedido de expressar suas opiniões sobre a doutrina, sejam quais sejam. Absolutamente. Faça-o, porém, com seriedade e demonstre por a+b onde e quando a doutrina está equivocada, envelhecida, ultrapassada. Depois, assine embaixo e coloque-se no campo dos conflitos, onde o contraditório necessariamente surgirá.

Não jogue com o espiritismo, não seja uma criança diante do desconhecido, não queira parecer moderninho, nem ser mais do que é, respeite a inteligência das pessoas. Acusar a doutrina de chata e velha é reação da mais absoluta infantilidade de alguém que anda à caça de sucesso barato. Só isso para compreender um ato tão leviano. (mais…)

A Gênese: provas confirmam que Kardec não fez as mudanças contidas na 5ª edição francesa

Por mais que os defensores da 5ª edição francesa de A gênese, os milagres e as predições, procurem inverter o ônus da prova e aleguem que não existem evidências de que as modificações em relação às edições anteriores, 1ª a 4ª, não foram feitas por Kardec, os fatos comprovam exatamente o contrário.

Isso fica medianamente claro após os estudos e pesquisas realizados por Simoni Privato Goidanich, reunidos em seu livro – O legado de Allan Kardec – escrito originalmente em espanhol, agora traduzido para o português e publicado pela USE de São Paulo. O seminário promovido também pela USE, neste domingo, 4 de março, na capital paulista, intitulado A Gênese, o resgate histórico, serviu para confirmar tudo aquilo que a autora havia coligido, estudado e reunido em seu livro, mas acabou por revelar inúmeros outros envolvimentos no assunto, de igual importância.

A questão é seríssima e antiga. Apareceu de forma clara 12 anos após o lançamento da 5ª edição de A gênese, lançamento este ocorrido em 1872, três anos após a morte de Allan Kardec. E apareceu pela ação firme de Henri Sausse, com o apoio de Gabriel Delanne e Leon Denis, três nomes da mais alta consideração do espiritismo francês e mundial.  A edição de 1872, a 5ª, foi considerada a definitiva e passou a servir de base para as diversas traduções que se fizeram mundo afora, inclusive no Brasil, daí a sua importância.

Henri Sausse assustou-se quando percebeu os fatos. Publicou um vigoroso artigo no jornal O Espiritismo, da União Espírita Francesa, denunciando a adulteração e elencando as mudanças de textos, as supressões e as indevidas inclusões. Os autores desta infeliz façanha, Jean Leymarie à frente, jamais puderam comprovar que foi Allan Kardec quem promoveu as alterações, apesar das ameaças feitas a Sausse, inclusive de o levar às barras do tribunal. (mais…)