A espiritualidade no ambiente corporativo tem emergido como uma tendência crescente nas últimas décadas, motivada pela busca de sentido no trabalho, pela tentativa de minimizar o estresse laboral e pela necessidade de engajamento dos colaboradores. No entanto, esse movimento, conquanto bem-intencionado, ainda se encontra preso ao paradigma materialista, funcionando muito mais como ferramenta de gestão do que como uma abertura autêntica para a dimensão transcendental do ser humano. Vamos analisar a espiritualidade empresarial como uma forma de “espiritualidade líquida”, em contraste com o que poderia ser uma espiritualidade promissora, fundamentada em valores éticos e na esperança de continuidade da vida.

Espiritualidade como recurso instrumental

Estudos pioneiros de Mitroff e Denton (1999) já indicavam que os trabalhadores norte-americanos desejavam levar sua espiritualidade ao local de trabalho. Entretanto, essa presença foi absorvida pelas empresas sob a ótica da utilidade, transformando-se em programas de bem-estar voltados à produtividade. Marques (2005) corrobora essa perspectiva, ao demonstrar que a espiritualidade corporativa, em sua maioria, se apresenta como estratégia de retenção de talentos e aumento da competitividade.

O risco desse enquadramento instrumental é que a espiritualidade, em vez de se consolidar como fonte de transformação humana, passa a ser mais uma técnica de gestão de pessoas. Cavanagh (1999) alerta que, sob tal lógica, ela se torna esvaziada de transcendência, reduzida a práticas que suavizam o ambiente sem alterar suas bases estruturais.

O paradoxo do materialismo espiritualizado

Carrette e King (2005) denominam esse fenômeno de “capitalismo espiritual”, no qual práticas milenares como meditação, yoga e mindfulness são apropriadas e ressignificadas para se adequarem ao mercado neoliberal. Ao invés de abrir caminho para uma vivência mais profunda, tais práticas servem como ferramentas de adaptação ao sistema produtivo.

Essa espiritualidade utilitarista é contraditória porque, ao mesmo tempo que invoca valores de interioridade e transcendência, os converte em meios para fins materiais: maior engajamento, menos rotatividade e, no limite, maior lucro. Assim, o esforço espiritual se vê colonizado pela racionalidade instrumental que domina as relações econômicas e sociais contemporâneas.

Espiritualidade líquida

A superficialidade da espiritualidade nas empresas dialoga com a análise de Bauman (2007) sobre a “liquidez” da vida moderna. As relações, os valores e até mesmo a fé tornam-se voláteis, descartáveis e moldadas ao consumo imediato. A espiritualidade corporativa se encaixa nesse diagnóstico: workshops efêmeros, palestras motivacionais sem continuidade e programas de bem-estar que não deixam raízes no interior dos indivíduos. Trata-se de uma espiritualidade adaptada ao presente, mas incapaz de projetar futuro.

Espiritualidade promissora: um caminho possível

Para superar a liquidez, seria necessária uma espiritualidade organizacional que assumisse um caráter ético e existencial. Fairholm (1996) argumenta que a espiritualidade só se torna legítima quando conectada a valores transcendentais, como justiça, verdade e solidariedade. Essa perspectiva encontra eco na obra de Viktor Frankl (1946), que destacou a importância da busca de sentido como fundamento da vida humana, inclusive no trabalho.

No campo da filosofia espiritualista, Allan Kardec (1857) reforça a ideia de que a consciência da imortalidade e da vida espiritual é a única capaz de dar direção real ao progresso. Assim, uma espiritualidade corporativa promissora seria aquela que não apenas melhora o ambiente de trabalho, mas que promove o desenvolvimento moral e a esperança, reconhecendo no trabalhador um ser em evolução.

Conclusão

A espiritualidade empresarial contemporânea, apesar de suas boas intenções, encontra-se presa ao materialismo que pretende mitigar. Trata-se, na maioria dos casos, de uma espiritualidade líquida: superficial, adaptável ao mercado e desprovida de profundidade. Contudo, é possível vislumbrar uma espiritualidade promissora, que ultrapasse a lógica instrumental e se enraíze em valores éticos, transcendentes e emancipadores. Tal perspectiva exige uma ruptura com o utilitarismo empresarial, reconhecendo que o ser humano é mais do que um recurso de capital: é uma consciência em busca de sentido e esperança.

A espiritualidade segundo o Espiritismo e sua contribuição às empresas

O Espiritismo compreende a espiritualidade como realidade essencial do ser humano, fundada na imortalidade da alma, na lei do progresso e na prática da caridade. Diferente de abordagens utilitaristas, sua proposta vai além do bem-estar momentâneo: trata-se de uma ética universal, voltada ao desenvolvimento integral do indivíduo. Assim, oferece:

  • Visão integral do ser humano: o trabalhador é visto como espírito em evolução, não apenas como recurso de produção.
  • Ética e responsabilidade: a consciência da vida futura orienta comportamentos de justiça, amor e solidariedade.
  • Esperança e sentido: a imortalidade da alma e a lei do progresso oferecem um horizonte de esperança que transcende as dificuldades do presente.
  • Caridade e fraternidade: valores centrais do Espiritismo que podem inspirar ambientes de trabalho mais colaborativos e humanos.

Portanto, a espiritualidade espírita oferece às empresas não apenas técnicas de bem-estar, mas uma base ética e transcendental capaz de transformar relações, práticas e culturas organizacionais.

Referências

  • BAUMAN, Z. Vida líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007.
  • CARRETTE, J.; KING, R. Selling Spirituality: The Silent Takeover of Religion. London: Routledge, 2005.
  • CAVANAGH, G. F. Spirituality for Managers: Context and Critique. Journal of Organizational Change Management, v. 12, n. 3, p. 186-199, 1999.
  • FAIRHOLM, G. W. Spiritual Leadership: Fulfilling Whole-Self Needs at Work. Leadership & Organization Development Journal, v. 17, n. 5, p. 11-17, 1996.
  • FRANKL, V. Em busca de sentido. Petrópolis: Vozes, 1946.
  • KARDEC, A. O Livro dos Espíritos. Paris: Didier, 1857.
  • MARQUES, J. Spirituality in the Workplace: Developing an Integral Model and a Comprehensive Definition. Journal of American Academy of Business, v. 7, n. 1, p. 81-91, 2005.
  • MITROFF, I. I.; DENTON, E. A. A Spiritual Audit of Corporate America: A Hard Look at Spirituality, Religion, and Values in the Workplace. San Francisco: Jossey-Bass, 1999.

 

By wgarcia

Professor universitário, jornalista, escritor, mestre em Comunicação e Mercado, especialista em Comunicação Jornalística.

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